Fly with me

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Deixem suas estrelinhas se gostarem!
Boa leitura! :)

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Alternando constantemente a atenção entre o peso que depositava nas pontas dos pés e a altura da respiração um tanto trêmula, aproximava-me cada vez mais da porta do porão. Tentava ser o mais silencioso que conseguia, já que qualquer mínimo estalo da patela ressoava como um eco infinito pela extensão daquele corredor. A construção das paredes do internato era exageradamente alta, bem como o teto estava a muitos e muitos pés acima da minha cabeça.

Com o revirar no pé da barriga me acompanhando o tempo todo e o coração pulsando em curtos intervalos em minha artéria carótida e em minha caixa toráxica, seguia tateando a parede com a mão esquerda ao passo em que, com a direita, carregava uma vela parcialmente usada sobre um pires de porcelana respingado de cera. A pequena chama não clareava todo o ambiente — como era de se esperar de um foco tão pequeno —, mas já me guiava mais do que apenas a pouca iluminação noturna que se espreguiçava janelas adentro.

Se não fosse tão arriscado, poderia até me aventurar mais e pegar o lampião que ficava no meu quarto. Temia, no entanto, que algum dos colegas que dividiam-no comigo acordasse no meio da noite e desse falta do objeto. Só a possibilidade, por mais improvável que parecesse, de algum deles descobrir que eu o pegara para cumprir o meu itinerário comum de todas as sextas acionava uma espécie de gatilho em meu corpo.

Certamente havia algum grau de emoção em fazer algo às escondidas. A hesitação, porém, era o que mais reverberava em mim. Nunca saberia o que poderia acontecer comigo caso fosse pego, afinal. Muito menos com ele. A minha experiência morando naquele lugar desde os doze anos afirmava que não seria melhor pagar para ver, não, no entanto. As madres conseguiam ser bem cruéis às vezes...

Ignorando o calafrio que se espalhou pelo comprimento de minha coluna, prossegui meu caminho com cuidado, ainda usando a parede de apoio e confiando em minha memória espacial para me auxiliar à noite. De quando em quando era involuntário levar um susto ou outro com as sombras trepidantes causadas pela vela e pela vidraça, todavia somente seguia em frente, torcendo para a minha coragem permanecer viva até o fim.

Após alguns minutos caminhando pé ante pé, passando por outras portas de carvalho e dobrando mais duas esquinas, finalmente fui capaz de sentir a maçaneta da porta do porão com a pele dos dedos. O ferro gelado e liso era inconfundível. Os descascados do batente ao redor também. Contive um suspiro de alívio ao prender o lábio inferior com os dentes, logo forçando-a para baixo com cautela. Estava destrancada.

O ranger da madeira velha e das dobradiças enferrujadas que veio simultaneamente ao abrir da porta me fez guardar o ar dentro dos pulmões por um par de instantes. Estendi o braço para dentro, logo notando as chamas da vela iluminarem de modo gradual as escadas de concreto que seguiam seu curso para baixo e terminavam na escuridão.

Enquanto descia os degraus ásperos após fechar a porta com suavidade — ou ao menos tentar —, podia sentir os cheiros de mofo úmido e de poeira adentrando minhas narinas aos poucos, adoecendo-as. Havia coisas desde antes da virada do século guardadas ali, tinha certeza. Ainda que nunca houvesse conferido o interior do porão de dia, com a presença de mais claridade, o fedor de antiguidade não cuidada deixava isso óbvio.

Franzindo um pouco o nariz pelo incômodo, prontamente sentindo vontade de espirrar, subi mais o braço da vela, conseguindo enxergar os degraus restantes.

Foi aí, nesse movimento, que o meu coração se expandiu na extensão do meu peito. E meio segundo mais tarde, já começava a palpitar tão rápido que sentia os joelhos ficando fracos. A adrenalina de andar pelo internato depois do toque de recolher, correndo o risco de ser visto, parecia minúscula quando comparada à de vê-lo; quando comparada à que sentia agora.

Borboletas - Jjk + PjmOnde histórias criam vida. Descubra agora