55 Cancri

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55 CANCRI

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          O caminho a ser percorrido seria, além de muito longo, cheio de obstáculos. Ele já sabia disso, soube desde o momento em que decidiu que sairia do Japão, ainda tão jovem, e iria buscar pelos próprios sonhos na Coréia do Sul. Com o apoio da mãe e o carinho das irmãs, pegou o voo mais barato e foi, mochila nas costas e sorriso trêmulo no rosto.

          Os obstáculos não demoraram a surgir. Preciso aprender rápido esse idioma, ele pensava. Por isso, todas as noites depois dos ensaios na academia de dança, ele estudava até cair no sono sobre o celular velho e rachado, com um aplicativo carregando o tempo da próxima lição de vocabulário coreano.

          Ele precisou de alguns meses e muitos olhares feios para entender que a barreira cultural era maior que a do idioma. Ele poderia saber cumprimentar e entrar em uma conversa por alguns minutos, mas no fim, ele ainda seria diferente de todos ali, e não apenas por ter o japonês como língua materna. Aquela foi a primeira vez que ele ligou para a mãe, lágrimas nos olhos e voz quebrada.

– Antes, se eu tivesse um desejo, desejaria que todos soubessem falar japonês pra eu poder finalmente ter amigos. Agora eu sei que esse muro entre nós vai muito além do idioma. Agora, se eu pudesse ter um desejo, desejaria que todos de repente tivessem a mesma cultura e os mesmos costumes que eu tenho, então ninguém mais me olharia tão estranho.

          A mãe chorou junto a ele, e disse:

– Quando se sentir sozinho, lembre-se de que eu e suas irmãs estamos sempre com você. Se lembra do que eu te dizia quando você vinha chorando para o meu quarto no meio da madrugada porque estava com medo do escuro?

          E com a voz embargada, ele respondeu:

– Quando estiver escuro, procure pelas estrelas – ele repetiu a frase como um mantra. – Você sempre dizia isso, mas eu nunca encontrava estrela nenhuma no céu – ele riu em meio às palavras, se lembrando de como se sentia frustrado toda vez que olhava pela janela e se deparava com o céu escuro da noite, nada mais que a lua o iluminando.

          As palavras seguintes da mãe ele marcou na mente, para nunca esquecer.

– Qualquer coisa podem ser as estrelas, filho. Quando você era pequeno e sentia medo, buscava pela mamãe. Quando cresceu mais um pouco, buscava pela suas irmãs. Mesmo que você não encontrasse estrelas no céu, você ainda encontrava seu próprio caminho pela escuridão. Agora você está longe demais de todas nós, então você precisa procurar por algo que alivie esse seu medo, filho.

          E foi o que ele fez. Depois da conversa com a mãe, ele resolveu que iria procurar motivos para se animar e se sentir bem. Ele estava seguindo um sonho e estava tendo sucesso nisso, não poderia se deixar perder na escuridão dos próprios pensamentos.

          A primeira coisa em que ele viu a oportunidade de encontrar as tais estrelas foi a dança, afinal, sempre foi o que ele mais gostou de fazer. A academia de dança deveria ser o porto seguro dele, mas as coisas não estavam acontecendo como deveriam. A cada dia que passava, ele se sentia mais desmotivado. A caminhada pelo centro de Seul não tinha a mesma magia de quando ele pisou na capital pela primeira vez e o ambiente da academia parecia sufocá-lo, as paredes cinza-claro e o piso de madeira polida pareciam querer engoli-lo. Os fins de aula eram preenchidos pelos passos vazios dele até a porta de saída, os ouvidos esquivando dos convites para festas e passeios que ele nunca seria chamado. As noites eram solitárias, embora vivesse em um dormitório cheio de adolescentes da mesma idade que ele. Seguindo o costume adquirido na infância, ele ia até a janela pequena do quartinho que dividia com outros dois garotos e olhava para o pedaço de céu que as construções ao redor não cobriam. A frustração ainda o perseguia, incapaz de ver qualquer estrela no céu poluído de Seul. Mas, ele sabia que não era só aquilo. Sabia que a frustração ia muito além de não poder enxergar algumas estrelas espalhadas pelo céu, como uma criança desesperada.

55 Cancri • SUNKIOnde histórias criam vida. Descubra agora