Prólogo

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Júlio retornou a fazenda. Daquela vez, para oficializar a adoção de Guilherme. Ele participou da festa de comemoração e partiu no dia seguinte. Seu Estevão disponibilizou um carro para levá-lo até em casa. Na estrada, ele foi conversando educadamente com o peão que dirigia o veículo. Porém, em determinado trecho do caminho, o peão desacelerou o carro e disse baixo:

— O que seu Alberto tá fazendo aqui?

Júlio ouviu o que ele disse e olhou para frente. Viu o irmão de Danilo no meio da estrada, fazendo sinal para o carro parar. Ele abriu os olhos com espanto e mandou o peão não parar.

— Eu tenho que parar, moço. Ele pode tá precisando de ajuda e ele também é o meu patrão.

O peão parou o carro e Alberto se aproximou.

Ele bateu no vidro do carro.

O peão abaixou o vidro:

— Bom dia, seu Alberto. O senhor tá precisando de ajuda?

— Sai do carro.

O empregado saiu e ficou do lado do patrão. Alberto se curvou um pouco e olhou para dentro do carro e viu o olhar furioso de Júlio. Sorriu.

— Bom dia, doutor.

Júlio estreitou os olhos, indignado, e apertou os punhos sobre as coxas. Alberto riu divertido e olhou para o empregado.

— Vem comigo.

— Sim, senhor.

O empregado seguiu o patrão. Os dois atravessaram a estrada, deixando para trás um Júlio completamente revoltado. Dentro do carro, o homem bufava de raiva. Olhou para o volante e buscou a chave, mas não a encontrou. O peão a levou.

— Merda!

Ele se ajeitou no banco e se preparou física e mentalmente para o que pudesse acontecer. Já tinha enfrentado situações piores. Não seria uma situação esdrúxula como aquela que iria tirá-lo do sério.

Júlio olhou para fora, através do vidro do para-brisa, e viu os dois homens conversando do outro lado da estrada, perto de uma Hilux vermelha. E percebeu que Alberto queria convencer o peão de alguma coisa, mas o empregado estava receoso.

Rindo, Alberto abraçou o peão pelos ombros e o levou em direção a Hilux, parada no acostamento da estrada. Os dois homens passaram pela frente do carro e sumiram do campo de visão de Júlio que se inclinou para frente para tentar ver o que eles estavam fazendo. E, poucos minutos depois, quando viu a Hilux indo embora, Júlio assoprou aliviado, mas o alívio não durou muito.

A Hilux e o peão tinham ido embora, mas Alberto não.

— O que esse filho da puta vai fazer? — perguntou Júlio, mas logo se arrependendo, pois se lembrou de dona Cecília e do modo atencioso e carinhoso que ela sempre o tratava quando estava na fazenda.

Quando a Hilux sumiu na estrada, Alberto caminhou até o carro onde Júlio estava e entrou, sorrindo. Júlio olhou sério para ele e logo avisou:

— Se você encostar a mão em mim, eu vou te quebrar na porrada!

Alberto olhou para ele com um sorriso cínico que fingia tristeza.

— Oh, doutor! Desculpa! O senhor ficou com má impressão minha e eu não quero isso. Quero o seu perdão.

Ele piscou para Júlio.

— Seu cretino!

Alberto gargalhou e ligou o carro.

— Deixa de coisa, doutor! Eu vou te levar pra casa!

— Eu não quero! Vai embora!

— Se eu for embora, tu vai ficar sozinho aqui.

— Ótimo! Vai embora!

Júlio pegou o celular decidido a ligar para Danilo e contar tudo o que Alberto estava fazendo, mas o celular deu fora de área. Alberto riu.

— O celular não pega aqui. Só na outra cidade.

Júlio olhou furioso para ele.

— Bora, doutor! Deixa de frescura! Eu não vou fazer nada!

— Vai embora daqui!

— Tá bom. Sai do carro.

Júlio abriu os olhos.

— O quê?

— Sai do carro.

Júlio piscou os olhos, confuso.

— Sai do carro! — mandou Alberto.

— Por quê?

— Porque o carro é meu!

— Como eu vou voltar pra casa?

— Problema teu!

Júlio olhou em choque para Alberto.

— Não quer minha educação. Então, te vira.

Júlio olhou para baixo. Pensou um pouco. Pegou suas coisas e saiu do carro. Ele olhou para os lados e para o horizonte decidido. Começou a andar pelo acostamento da estrada. Depois de uns bons passos, ouviu o barulho de um carro se aproximando. Olhou para trás e viu que era Alberto. O carro parou ao lado dele.

— Entra!

— Não!

— Entra, porra!

— Não!

— Se tu não entrar, eu vou te colocar no porta-malas!

— Vai te foder!

Júlio voltou a andar.

Alberto saiu do carro e pegou Júlio pelo braço esquerdo. Júlio o esmurrou a esmo, soltou-se do aperto e o empurrou para longe. Alberto colocou a mão direita para trás e, repentinamente, Júlio viu uma arma apontada na sua direção.

O advogado abriu os olhos em choque, levantou as mãos e recuou.

— Entra nessa porra agora! — mandou Alberto.

Júlio não obedeceu a ordem de tão espantado que estava.

— Entra! — gritou Alberto.

Júlio piscou em choque. Pegou as suas coisas do chão e abriu a porta de trás do carro.

— Na frente! — disse Alberto.

Júlio assentiu com a cabeça, abriu a porta do carona e se sentou no banco. Tudo isso sob a mira da arma de Alberto.

O homem bronco abaixou a arma travada e a guardou no cós da calça. Entrou no carro. Deu a partida e seguiu estrada à frente. 

You and I - Júlio e Alberto (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora