Éramos praticamente os últimos remanescentes que ousavam desafiar a Coroa.
Jazíamos maltrapilhos, famintos e sedentos há semanas; até mesmo nosso Capitão consumia um quarto da ração diária como todos nós, sempre fora um bom Capitão.
Ora barlavento e ora a sotavento seguíamos a deriva. Na última tempestade fomos castigados e nossas velas viraram frangalhos; tínhamos armas e bastante munição, mas isso só serviria para nos matarmos; afinal pólvora não se come.
Nossa única distração contra a sede e a fome eram os dados, um jogo simples de adivinhar os dados do copo do desafiante.
Depois de trapacear no jogo, fui posto no caralho* pelo Capitão, antes que me matassem. Pouco me importava, pois a morte seria um alívio para nós.
Avistei a maldita bandeira da Marinha inglesa à distância, percebi que era chegada nossa hora.
Desci do castigo sem ordem e me aproximei dos homens que jogavam ajoelhados. Inventei "um imenso tesouro escondido" e decidi aposta-lo; duvidosos, esperançosos e cansados demais para discutir aceitaram-me no jogo, ninguém ligou por eu ter findado minha penitência forçada, tesouros sempre são boas histórias.
Pegamos nossas canecas e jogamos os dados dentro, depois chacoalhamo-las e juntos as tombamos no convés, espiamos cada qual seus dados e demos nossos palpites. Um estrondo se fez ouvir não muito distante, e antes de revelarmos os resultados; estilhaços nos atingiram, seguido de uma explosão, a bala de canhão esfacelou meu desafiante. Ninguém viu o inimigo chegar.
Arrastei-me ferido olhando os dados:
"Todos perdemos dessa vez "- pensei ao ver o convés tomado pela guarda.
* caralho - Cesto no topo do mastro usado para vigia.
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Resignação
ActionPrévia do ultimo dias de um navio pirata, antes de serem afundados pela coroa inglesa