Capítulo único

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Uma Caçada difícil

Pricila Elspeth

Você desperta com o sinal sonoro emitido pela pulseira multifuncional que enlaça seu pulso esquerdo. Ao consultá-la, confirma seu temor, não está mais em segurança, pois seu perseguidor está em seu encalço. Você se levanta pegando sua mochila hi-tech, apaga a fogueira derramando sobre ela um pouco d'água e dispara a correr embrenhando-se pela mata.

Conforme corre sente os galhos dos arbustos chicotearem sua face e por mais que proteja-a com os braços cruzados à frente do rosto, sempre sobra uma superfície de pele desprotegida. Sua mente calcula rapidamente uma rota de fuga com base na leitura dos mapas que fizeste antes de deixar a cidade, pois sabia que teria de desligar todos os equipamentos que operam on-line, incluindo o segundo cérebro. As rotas são confusas e todas parecem longas demais agora, não pareceram assim hoje de manhã.

Você precisa chegar até o riacho, só assim ganhará tempo e aumentará a distância entre vocês. Mas você sabe que não terá tempo de preparar o equipamento para atravessá-lo, seriam necessários dez preciosos minutos que você necessita usar correndo. Agora se arrepende de não ter comprado aquelas baterias reservas que o suposto charlatão vendia no último posto avançado, sabe que é tarde, mas não pode evitar o arrependimento.

Seus olhos ardem por conta do contato direto com o espesso ar frio e também por conta dos constantes e inevitáveis choques com folhas e insetos voadores. Sua pele coça lhe trazendo o forte incomodo devido à viscosidade sanguínea que escorre das lacerações. Suas pernas doem, seus músculos ardem, o sono, a sede e a fome já não são seus maiores problemas, tudo isso pode ser contornado, mas ele... ele não.

Você pisa em falso num desnível do terreno e perdendo o equilíbrio se vê na obrigação de projetar o corpo numa cambalhota para evitar maiores problemas. A intenção foi boa, mas não contava com o lamaçal. Você se levanta com as vestes enlameadas e pingando, deixando para trás um rastro muito fácil de ser seguido, ainda mais para um caçador habilidoso e impiedoso como ele.

Agora você está sem muitas alternativas e resolve perder um ou dois minutos para garantir sua sobrevivência por mais tempo. Quando retira a mochila das costas sente um alivio que deseja estender, mas sabe que não pode. Rapidamente você aciona a descompressão do traje e ele descola da sua pele e se torna um saco em forma de X. Você larga-o ali mesmo e pega a mochila novamente, é pesada, mas vai garantir sua sobrevivência e você sabe disso.

Correndo descalço sente os finos grãos de terra endurecida, pequenos seixos e fragmentos de madeira espetar suas solas e deseja não estar ali, qualquer troca seria melhor, até mesmo as minas de extração na Terra ofereceriam melhores condições que esse maldito planeta. Pensamentos medonhos invadem sua mente, como aquela pegada gigante que encontrou próximo ao pântano ontem a noite, mas teorizar sobre o animal que deixou aquela marca não salvará sua vida, então retorna à realidade.

Sabe que correndo à essa velocidade por este trajeto levará só mais alguns minutos para chegar ao riacho, mas não sabe o que fará quando chegar lá. É mais comum do que imagina. Quem foge não pensa muito bem, só age por instinto e você tem conhecimento disso, já esteve do outro lado. Aguardando, calculando, prevendo erros e sorrindo com os resultados de suas previsões, já esteve um, dois ou até três passos à frente, mas agora, é ele que sorri, que se deleita com seu desespero, com sua fuga desastrosa... de alguma forma você tem certeza que essa caçada poderia ter acabado no planeta anterior.

Seus pés tocando o chão frio, sente a diferença de temperatura, e uma solução temporária assume seus pensamentos como o sol que toma conta da escotilha de uma rapieira. Com o braço curvado para trás você alcança o compartimento refrigerado da mochila, por sorte o mecanismo é preciso e foi pensado para situações delicadas; como esta. Você retira um frasco do mutagênico e sorve de uma vez. O gosto é bom, doce, de textura sedosa, deixa sua língua com uma camada lisa sobre ela, suas papilas fazem festa e clamam por mais, sua garganta se contrai por alguns segundos depois começa expandir vagarosamente. Sua visão também muda, torna-se mais periférica, monocromática e tudo parece mover-se mais devagar em sua direção. Você ouve seus ossos estalando conforme se realocam no interior de seu corpo e o processo é mais doloroso que o normal porque você está em movimento. Seus músculos enrijecem e se expandem ocupando espaços novos e impensáveis para você antes. Sua audição se torna fraca, mas seu olfato se torna mais poderoso, você sente o cheiro do orvalho, da terra úmida e se lembra de sua antiga casa nas fazendas de Tarantis e o cheiro amargo das folhas esmagadas lhe enchem a boca de saliva. Sua coluna estica e curva-se facilitando o apoio dos quatro membros no solo e a pele tornando-se áspera e escamosa diminui a sensação gélida do ambiente. Você sente dores ao redor do crânio e percebe que protuberâncias ósseas abrem caminho através da pele para armar sua cabeça com poderosos chifres espiralados. O ar entrando por seu nariz, que agora está no topo do seu crânio, é tão gelado que lhe causa irritações por todo o corpo, que começa crescer e emoldurar-se numa besta quase irracional.

Uma caçada difícilOnde histórias criam vida. Descubra agora