Melodrama

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Talvez ele tivesse me mandado mensagem no começo daquela semana, ou no final da anterior. Ele queria conversar. Bem, isso me deixou nervoso. Quando a pessoa diz querer conversar pessoalmente, há tendência de ser algo sério. E era. Eu só não sabia se seria um sério do tipo "Amo você. Me perdoa.", ou "A gente tem que se afastar". Com certeza eu estava mais tranquilo naquela semana. Acreditem ou não, haviam pelo menos dois meses em que estávamos combinando de nos encontrarmos e ter essa conversa. Nos vimos outras vezes antes disso, mas nenhuma ocasião parecia ideal o suficiente para o que estava por vir.

Um detalhe importante, mas nem tanto, é que eu me mudei tem um ano. Assim, ainda moro na mesma cidade em que nasci, mas agora estou em outro bairro. É bem diferente agora. Há uma maior burocracia para se fazer certas coisas, ainda que eu seja legalmente responsável por mim mesmo. Saí do Centro, onde eu poderia fazer quase tudo sem me preocupar se meus pais deixariam ou não, para, praticamente, o último bairro da cidade. Tudo que eu queira fazer necessitava de transporte, a não ser caminhar por aqui, o que eu adoro fazer com a companhia certa. Eu não sei pegar ônibus. Não sei nem se tem um ponto por aqui. Também não saberia os horários. Como eu disse, é burocrático.

Na semana em que íamos nos encontrar, eu tinha uma boa justificativa. Não era exatamente uma justificativa, e sim, uma obrigação. Serviço militar. Mesmo me emprestando o carro, meus pais não gostavam que eu o pegasse a qualquer momento. Contextualizando, moro no Brasil, e a gasolina está a quase oito reais. Meus pais se preocupam muito com o horário que eu chego em casa, quando saio anoite, e principalmente, com minhas companhias. Meus pais sempre souberam que eu era queer, mesmo que eles não aceitassem muito bem. Meu pai sempre morria de medo de eu sair, e estar em um certo barzinho da cidade onde, na maioria das vezes, se reúnem todo tipo de minoria. Então, tive que conciliar as coisas. Disse a ele que teríamos que nos ver naquela quarta-feira.

Me lembro de acordar bem cedo e fazer o café. Tomei um banho terapia. Banheiros são os melhores lugares para se estar no mundo. Na verdade, o meu banheiro é. É tão bom estar simplesmente sentado no vaso, escorado em sua tampa, com os pés na parede, ouvindo uma boa música pós banho, com todo aquele vapor quente, que depois de um tempo, se torna sufocante. Não foi diferente naquela manhã. Eu teria um dia cheio. Não sabia o que me preocupava mais. O que ele tinha a dizer, ou a possibilidade que me escolherem para servir a pátria. Com certeza estava meio tenso. Sai do banho e fui direto para o quarto. Tranquei minha porta, joguei a toalha no chão, e simplesmente fiquei deitado ali, pelado e olhando para o teto. Talvez estivesse pensando em algo, ou talvez estivesse tão anestesiado pela ansiedade que nem conseguisse formular sinapses coerentes.

Vesti uma roupa. Não qualquer roupa, mas uma legal. A maioria dos meninos que eu iria ver, provavelmente, não se importavam tanto com coisas como moda, mas para mim, fazia toda a diferença. Eu queria causar um impacto positivo, tanto no Exército, quanto depois dele. Fui a caráter, eu acho. Eu teria que pegar uma foto para me lembrar especificamente de como estava, mas estou com preguiça de procurar. Acredito que tenha ido com um jeans bem pesado, um camisa camuflada e botas de couro marrom. O que eu tinha que fazer era sustentar o look, mesmo que tivesse totalmente forçado e nada a ver. Quando desci para o café, meus pais já haviam acordado e levantado. Meu pai me fez trocar de roupa. "Não é um desfile". Queria tanto que fosse. Mas realmente não era. Reinventei alguma coisa, peguei meus documentos e saí.

Quando cheguei, haviam lá todo tipo garotos. Fiquei com vontade de vomitar, claro. Situações com muita gente, particularmente, se forem meninos me deixam desconfortável. Acho que eu não preciso explicar o porquê, né? Depois de alguns minutos, achei alguns amigos. Foi até legal passar o dia todo lá. Sim. O dia todo. Me acostumei temporariamente com os que eu não fazia ideia de que existiam. Fiz amigos novos, ou conhecidos novos. A segunda definição é melhor. E antes que eu me esqueça, preciso dizer. Realmente temos que tirar a roupa. Eu achei tão bobo, tão batido, na verdade. Não foi péssimo. Achei me sentiria pior. Eu queria precisar tirar a roupa naquele dia, mas não ali. Não com aqueles meninos me olhando. Foi o que eu tive. Saí umas quatro da tarde.

A Supercut Of UsOnde histórias criam vida. Descubra agora