O anjo e o manequim

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Sabe quando você tá andando na rua e de repente lhe vem a sensação de que você já viveu aquele momento? É exatamente isso que eu estou sentindo agora, a diferença é que não tem como isso ter acontecido... Quer dizer, manequins que começam a atacar pessoas na rua e tentam mata-las sem descriminar se são inocentes ou não, ou que não poupam nem a vida de crianças... Que tipo de monstro estraçalha uma criança por diversão? O que aconteceu?

Era segunda-feira, eu odeio sendas-feira, como todo mundo alias. Eu estava na loja onde trabalho no centro, estava conversando na porta da loja com duas colegas de trabalho quando do nada olhei para uma loja e vi um vestido. Ele era acinzentado e tinha uma saia levemente bufante com um laço bem grande e definido no lado direito da costura à frente de sua cintura, então eu comentei que o vestido era lindo mas o tecido não combinava com aquele modelo porque o fazia parecer uma manta de enrolar bebês. E foi aí que eu me dei conta de que não era só um vestido em um cabide, ele estava em um manequim só que ele estava andando, desfilando para fora da loja.

Atravessou a rua e entrou numa lojinha de roupas usadas e de uma hora para outra começou a atacar uma das funcionárias da loja, todo mundo olhava sem reação, ninguém acreditava! Olhei para minhas colegas e elas estavam pálidas como uma boneca de porcelana velha. Eu saí correndo e agarrei o manequim do vestido acinzentado que voltou sua irá para mim e acordou os outros manequins das lojas em volta.
A enorme e pacifica rua de lojas de roupas e assessórios virou um pandemônio.

Estava um verdadeiro caos no lugar.

Eu consegui jogar o manequim de vestido acinzentado longe e corri até o marchado na caixa de vidro na parede, quebrei o vidro com um sapato da loja, peguei o marchado e destrocei o manequim, corri até minhas colegas que estavam cercadas e ajudei-as a fazer o mesmo com os que as cercavam. Só que, quanto mais manequins destruímos mais apareciam! Era impossível sobreviver àquilo sem ajuda de outras pessoas, tinham muitos manequins naquela rua por causa das lojas...
Os mais assustadores eram os manequins velhos com rostos pintados, mau tinham passado 20 minutos e já tinham várias pessoas mortas, feridas ou desacordada no chão. Aquilo parecia uma cena de the walking dead onde os mocinhos viam os zumbis chegando e não tinham pra onde fugir, só que nesse caso, ao em vez de zumbis eram manequins cobertos de sangue armados até os dentes de uma ira incontrolável contra os seres humanos, seus criadores, o que dá pra entender porque não são tratados de forma digna nem para objetos de plástico, fibra de vidro e madeira.

Com 30 minutos nós que ficamos vivos e sem problemas pra correr pegamos as poucas crianças que estavam ainda vivas, chorando perdidas dos pais e corremos para a loja da dona Maria, não era muito grande mas cabia todo mundo, fora que era a única loja que não tinha manequins. – até porque a dona "Maria" nunca gostou muito de manequins, ela sempre dizia que eles não são confiáveis e tirávamos sarro da cara dela por isso... – Olhei para fora da loja pela janela no andar de cima com o marchado ainda em mãos e contemplei o caos do lado de fora, pessoas correndo para perto da loja na esperança de entrar e se salvarem enquanto os manequins os atacavam brutalmente sem lhes dar chances de escapar.
Mas aí tudo parou! Os manequins pararam de atacar os poucos que ainda estavam vivos lá fora, se sentaram na rua em fileiras cobrindo as calçadas sem se importar mais com as pessoas que sobraram do lado de fora das lojas, era como se eles estivessem dormindo de novo ou como se simplesmente tivessem morrido, só pararam e ficaram lá. Olhando todos voltarem correndo para dentro das lojas sem atacarem mais ninguém. Eu desci para o andar da loja e me escondi atrás do balcão da entrada da loja, não foi fácil de ver por que tinham muitas pessoas na frente e pouquíssimo espaço naquele andar.
Eu nunca vi uma coisa como aquela a não ser em jogos e animações de terror. Ela desfilava pela rua e quando passava os manequins a seguiam com a cabeça e aplaudiam como se ela fosse uma deusa ou algo do tipo, os que estavam mais longe começavam a se levantar e andar para segui-la e pegavam as cabeças dos mortos que estavam caídos na rua para presentear ela, nós que sobrevivemos até ali estavamos apavorados achando que iriamos ser os próximos. Foi aí que um grupo de homens saiu de uma das lojas e tentou atacar a coisa que era adorada pelos manequins, eles não conseguiram chegar nem a 5 metros da coisa e foram mortos, brutalmente mortos. Seus corpos foram estripados e suas cabeças arrancadas como se fosse bonecas nas mãos de crianças destruidoras.
Aquela coisa parou olhou para seus “agressores” caídos no chão, se aproximou e pegou suas cabeças separadas dos corpos como quem tira uma flor do chão. Colocou suas cabeças em um barril que estava na rua e mandou que os manequins fizessem o mesmo com as cabeças que tinham em mãos, e eles o fizeram. Eu estava horrorizada vendo aquilo, escondida atrás das pessoas na loja, atrás do balcão, mas de algum jeito ela me viu e olhou pra mim. Eu estava tremendo. Nunca tinha sentido medo daquele jeito antes.
Como uma coisa tão horripilantemente linda podia ser tão má e cruel?! A resposta pra isso é a mais óbvia e clara possível, aquela coisa foi criada por alguém. Por um ser humano. Mas pra que?
Aquela boneca, aquela coisa, era maior e mais forte que os manequins, era bonita como uma boneca feita para crianças, mas a maldade que ela exalava a deixava aterrorizante. Sem falar no cheiro de cadáver em decomposição que ela tinha, e estava lá, parada na frente da loja, olhando para todos nós com o desejo de nos matar estampado em seus negros olhos de gude. Mas ela não entrou nas lojas, nem mandou que os manequins entrassem, estava brincando conosco, então ela apenas olhou para frente e seguiu caminho como se nada tivesse acontecido.
Pode parecer paranoia minha, mas eu juro que aquela coisa olhava pra mim! Eu tenho certeza! Não é a primeira vez que vejo uma boneca sorrir pra mim daquele jeito maldoso...
Enquanto eu me perdia em pensamentos escondida atrás do balcão, ouvi as pessoas na loja murmurando e alguém gritou: “São anjos! Estamos salvos!” Me levanto na hora e olho por cima do balcão e vejo duas moças com asas e espadas enormes atacando a boneca que ficará furiosa com as investidas das duas, mas junto com elas avia um rapaz que lutava com os manequins que voltaram a atacar. O rapaz que parecia uns dois anos mais velho que eu, vestia um tipo de armadura e empunhava uma espada prateada enquanto mantia uma outra espada dourada um pouco maior numa bainha em sua cintura.
- Onde ela está?! – o rapaz gritava no meio da luta – Sabem que não vamos tirar ninguém vivo daqui sem ela, onde ela tá?!
- Ali! Naquela loja! Entregue a espada e...
- MATEM AQUELE HUMANO! – a boneca gritou tão furiosa que sua voz saiu meio roca.

As duas garotas aladas o olharam com os olhos arregalados, mas quando tentaram ir em sua direção para ajudá-lo a boneca as agarrou. O rapaz conseguiu se afastar dos manequins e invadiu a loja em que eu estava.
Um zumbido forte e constante começou a ecoar na loja quando ele entrou. Eu ouvia alguma coisa gritando, mas o som era mais como o de unhas rangendo na lousa.
Ele gritava alguma coisa pras pessoas dentro da loja mas eu não conseguia ouvir por causa do rangido, estava tão alto que não suportei a dor, ajoelhei-me no chão já ao lado do balcão onde antes era “meu esconderijo”. Ele aproximou-se e chamou por um nome que as pessoas não entendiam, mas eu entendi. Observei-o abismada com aquilo e ele me estendeu a mão, apesar de ainda não ouvi-lo com clareza por causa do rangido que ficou ainda mais alto quando ele chegou perto.
O rapaz desfez as amarrações que prendiam a espada dourada de sua cintura e me entregou ela ainda na bainha. E os rangidos pararam. Então era ela? Era daquela espada que vinham os gritos e arranhões em porcelana?! Como isso era possível?!

- Consegue me ouvir agora? – ele perguntou ainda desesperado.

As pessoas em volta olhavam assustadas enquanto outras tentavam manter as portas fechadas.

Assenti que sim com a cabeça.

- Ótimo, sou Edgar, eu sou só o cara que tinha que te entregar a espada, já o fiz, agora é com você! Tem que ir lá pra fora e ajudar suas filhas, elas não vão conseguir segurar aquela coisa por muito mais tempo e...

- O... O que?! Minhas filhas? Ir lá fora?! Você tá maluco?! Eu não vou lá pra fora! E por que que essa coisa tava gritando? E...

- Eu sei que é loucura mas tem que acreditar em mim, vai ficar tudo bem, mas se você não sair e não empunhar a espada em suas mãos TODO MUNDO aqui e no resto do mundo vai morrer! Porque aquela coisa la não vai parar até matar cada humano que ainda respire na terra!

- Mas por que eu?! Porque não ele! – apontei pra pessoa fisicamente mais forte que vi – toma, pega! Vai lá com ele! Você consegue! – empurrei a espada em suas mãos e ela começou a gritar de novo.

O homem em que “joguei” a espada começou a tremer e murmurar coisas que ninguém entendia, então Edgar tomou a espada, agarrou meu braço e me puxou até a porta.

- Eu não posso te obrigar a sair e lutar, mas posso te mostrar o que vai acontecer se não fizer isso! - ele agarrou meu rosto e pôs junto ao vidro da porta – É isso que você quer?! Que todo mundo morra! Por que você tá com medo de sair e enfrentar o monstro que VOCÊ deveria ter matado a séculos e não fez por pena!? – ele me puxou na direção do homem que teve a espada em suas mãos e ele estava caído no chão com pessoas a sua volta, mas já estava morto e cheio de marcas e feridas – Olha pra ele! Olha o que você fez! Matou uma pessoa porque não quer sair do esconderijo e lutar pelo que é certo?! Pra que que os céus te enviaram então?! Pra ajudar àquela coisa a nos matar?!

Cai no chão chorando, estava com tanto medo de tudo aquilo que nem estava mais pensando... Também com aquele ruído horrível na minha cabeça!

- Se eu for... As pessoas vão viver?

- Vão se você ganhar e matar aquela coisa.

- E o barulho que essa coisa na sua mão tá fazendo? Ele vai parar?!

- Sim, mas tenho que avisar, pela experiência de te ver segurando ela pela primeira vez depois de voltar... Você vai sentir bastante dor quando tirá-la da bainha, mas vai ser só por uns segundos.

Não respondi nada, apenas me levantei, tomei a espada de suas mãos e abri a porta.

Conforme eu ia andando para fora aqueles manequins que rodeavam a loja foram se afastando como naquelas histórias onde o monstro pede trégua ao mocinho e sai andando em meio ao exército inimigo. Foi assustador... Senti uma mão no meu ombro e me assustei, mas era apenas Edgar certificando-se de que nenhum daqueles monstros me tocaria.

- Longe de mim querer te apressar mas eles não vão ter medo da espada sozinha pra sempre – ele sussurrou em meu ouvido – tem que tirar ela da bainha!...

Acenei que sim, agarrei o punho da espada o que foi suficiente pra Edgar se afastar de mim o suficiente pra não ser atingido pela espada caso eu tentasse acertar ele ou algo assim. Enquanto segurava seu punho a espada começou a vibrar e os ruídos e rangidos viraram algo melodioso e agradável, arranquei-a da bainha e uma dor agonizante tomou conta do meu corpo.

O que estava acontecendo?! Eu estava brilhando?! Mas porque doía tanto?! Senti minhas costas se rasgarem enquanto eu não conseguia se quer ouvir meus próprios gritos.
Mas de repente, tudo parou.
O medo, a dor, o barulho... Estava tudo calmo e harmonioso em minha cabeça como se nada daquilo tivesse acontecido! Olhei a minha volta e a única forma em pé por perto era Edgar. Os manequins estavam todos caídos e destroçados enquanto Edgar me olhava com os olhos arregalados e a espada frouxa nas mãos. Mas ele olhava pra cima, então me dei conta, eu estava voando?

Vi algo sendo atirado na direção dele e quando vi já estava com ele em meus braços enquanto o levava para longe.

- Valeu, e... Desculpa ter sido um babaca lá dentro mas eu só estava cumprindo suas próprias ordens...

Eu assenti de novo e quando ia me levantando ele segurou minha mão.

- Não leva a mau não, mas ainda falta uma coisa pra você poder ir lá, só as asas e a sua graça dominando em você não adiantam sem saber como usar a espada... Então, toma, vai precisar.

Ele me deu um anel de osso com um rubi vermelho cravejado, mas quando o coloquei era como se aquele anel soubesse da minha vida mais do que eu mesma!

Sai em disparada na direção daquela boneca satânica e lhe acertei no peito, mas não fez muito efeito apesar de tela jogado longe, porque ela só tombou para atrás e se levantou logo em seguida.

- Vocês duas, saiam daqui, não quero que mais ninguém morra por minha culpa.

- Mas nós podemos ajudar! Nós... – a garota que parecia mais forte e decidida gritou nos braços de sua irmã.

- Chega Lexa! Nossa mãe nos deu uma ordem! Obedeça!

A outra garota, com um ar mais delicado e frágil a agarrou e tirou-a de lá sem questionar.

Eu estava só, só eu e aquele monstro que arrancou as cabeças das pessoas que eu via todos os dias no trabalho. Eu estava com raiva, com ódio mas eu não podia simplesmente explodir a desgraçada! Tinham pessoas muito próximas de onde estávamos e se eu fizesse isso poderia machucar alguém.

- Está com medo Annelize?! Como da primeira vez? E olha que eu era pelo menos dez vezes menor naquela época... Sabe, depois que eu comi aquele velho que vendeu a alma pra me ter, um ignorante completo, eu fiquei com cada vez mais fome e...

Eu a interrompi atacando-a novamente mas dessa vez ela já esperava então não acertei direto como da primeira vez.

- SUA MALDITA! DEUS NÃO TE DEU EDUCAÇÃO!? QUANDO UMA PESSOA ESTA FALANDO COM VOCÊ, VOCÊ A ESCUTA ATE O FIM!

Ela me agarrou e me jogou no chão abrindo uma cratera embaixo de mim. Quebrei uma asa, felizmente ainda tinham mais três pra usar.
Começamos a “lutar de verdade” e eu confesso, depois de horas seguidas eu já estava cansada... Não sabia mais o que fazer, daí do fundo do rubi daquele anel de osso veio uma lembrança. Eu já sabia o que eu tinha que fazer para destruir aquela abominação! Eu só precisava matar a bruxa que a fez! E por acaso eu sabia onde ela estava, e dessa vez eu não ia deixar que ela me matasse.

Usei um cântico para prender a boneca com as correntes do carcereiro Abadon e invadi a loja de onde Edgar me tirou.
Quando eu entrei às pessoas estavam assustadas e se afastaram... Mas ela não. A bruxa veio na minha direção achando que eu não a tinha visto, e quando tentou me acertar com algo que brilhava escurecidamente em sua mão eu a agarrei, mas ela se fez de uma mulher de idade indefesa.

- Ajuda! Ela vai me matar! Ajudem!

As pessoas começaram a se aproximar e a gritar para que eu a soltasse e que estava cometendo um erro.

Ignorei-os.

- Você acha que seu truquezinho barato vai funcionar até quando? Porque lá na idade média não funcionou...

- Entre defender uma senhora indefesa e uma mulher com fantasia com asas quem você acha que vai ser escolhido?! EM?!

- Você tem razão... Mas eu não estou ouvindo eles reclamarem mais... Você está?

Eu segurei seu rosto e voltei sua face para as pessoas a nossa volta na loja. Eles estavam com uma cara de medo, outros com nojo e horror do que viam.

Virei seu rosto para o espelho.

- E agora, será que vão ter piedade de seu verdadeiro rosto, Rivera?

- NÃO! NÃO! NAAAOOO! PORQUE?! PORQUE?! Você sabe que eu fui obrigada! Você viu tudo! Elas me matariam! A MINHA FILHA...

- Tenho certeza que estará com você no inferno.

Enfiei a espada no meio de seu peito e cortei-a até o fim de seu tronco quebrando suas costelas e bacia no processo. Tirei sua cabeça e queimei o que sobrou de seu corpo junto com a boneca que parou de se debater assim que Rivera morreu.

- Mãe!

Olhei procurando alguma criança perdida, mas vi apenas as duas moças aladas vindo em minha direção com Edgar.

- Desculpe, do que me chamou?

- Não se lembra de nós não é? Tudo bem, é justo, morreu enquanto ganhávamos vida.

Edgar viu a confusão e se meteu entre nós.

- Lembra quando eu falei q se não lutasse todo mundo ia morrer incluindo suas filhas?! São elas...

- Então foi delas que eu pedi que cuidasse até eu voltar?

- Sim – ele sorriu por eu lembrar dele agora.

Me aproximei delas devagar e as abracei, junto com Edgar que cumpriu a promessa que me fez antes de minha última morte.

- O que vai fazer agora? – ele perguntou me envolvendo em seus braços.

Fechei os olhos e orei por orientação. E o Pai respondeu minha prece.

- Vou ficar aqui, com vocês, minha nova família. Vou ajudar a limpar essa bagunça e conhecer minhas filhas.

Voltei a porta da loja e chamei as pessoas que ainda estavam lá vivas.

- Podem sair, não tem mais monstros lá fora, mas olhem sempre os guarda-roupas e camas de vocês... Nunca se sabe quando aparecerá outro monstro como a boneca Abgail, esse tipo de monstro que se volta contra seus criadores... São os piores.

(Anna Laura S. Silva.
O anjo e o manequim. 16/03/2022)

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⏰ Última atualização: Mar 17, 2022 ⏰

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