Uma semana antes..
- Incrível! Onde conseguiu? - perguntou Sophie.
- Tenho meus recursos.
- Como vamos chegar lá? Voando?
- Não se preocupe com isso. A Sra. Pung está de férias. Podemos pegar sua caminhonete emprestada.
- Emprestada? Você nem tem carteira de motorista!
- Quer ir ou não?
- O que vamos dizer para mamãe?
- Não se preocupe. Ela nunca saberá.
- Não podemos deixar Thena sozinha. Ela vai ficar nervosa e sujar a casa toda.
- Thena pode ir também.
Como era de se prever, Camila, Sophie e a beagle estavam a caminho de Boston, na caminhonete da Sra. Pung, a vizinha. Sem a presença dela, claro.
A viagem levou trinta minutos. Camila teve um cuidado especial na rota 1A, onde havia um policiamento mais intenso. As meninas escutaram no rádio as reportagens antes do jogo, conversaram sobre a última vez que
haviam ido ao estádio e contaram seu dinheiro, calculando se teriam o suficiente para dois cachorros-quentes cada uma, uma Coca-Cola e saquinhos de amendoim.Agora, com seus tijolos vermelhos e vidros tremeluzentes, Boston esperava do outro lado do rio Charles. Desceram pela avenida Brookline, avistando a distância as luzes nebulosas do estádio, o Fenway Park.
Thena inclinava a cabeça para fora da janela, aspirando o ar frio. No estacionamento, as meninas puseram thena numa mochila e seguiram para as arquibancadas. Seus lugares ficavam no lado direito, bem atrás de um cara que devia ter mais de dois metros de altura. Mas não importava.
Nada podia estragar o espetáculo do gramado, as linhas brancas, a área de terra e o Monstro Verde... o famoso muro do estádio, no lado esquerdo do campo.
Um de seus heróis, Wade Boggs, estava fora do jogo, com uma lesão no ombro direito, mas Jody Reed arremessou uma bola espetacular e conseguiu fazer o home run, o circuito completo das bases. Cada menina comeu dois cachorros-quentes, com uma satisfação extra.
Thena ganhou alguns biscoitos de uma mulher sentada na fila de trás. Um homem enorme e barbudo, ao lado, ofereceu-lhes uns goles de cerveja.
Roger Clemens impediu que os Yankees marcassem, permitindo apenas três rebatidas em dez arremessos.
A multidão aplaudiu, e Thena latiu. Com uma vitória por 2 X 0 no final, os torcedores começaram a se dispersar.
Mas as meninas permaneceram sentadas, reconstituindo os pontos altos do jogo. O time estava agora, milagrosamente, perto da decisão em Toronto.
- Algum dia teremos ingressos para toda a temporada - comentou Camila. - Bem ali, por trás da base do batedor, na primeira fila.
- Não me importo de ficar no alto da arquibancada - disse Sophie, comendo os últimos amendoins.
- Desde que você e eu estejamos juntas. É isso que torna o beisebol sensacional.
- Sempre vamos jogar bola juntas, Sophie. Não importa o que aconteça.
Às luzes do estádio começaram a apagar. Os funcionários tinham acabado de estender a lona sobre o campo.
- É melhor irmos embora - disse Camila.
As meninas foram para o estacionamento, onde a caminhonete branca estava sozinha. A viagem levaria meia hora. Chegariam em casa por volta das 22h30. A mãe não voltaria antes da meia-noite. A Sra. Pung, na Flórida, nunca saberia.
Viajaram em silêncio por algum tempo, até que Sophie perguntou:
- Quanto tempo vai demorar até eu me tornar crescida?
- Você já é uma menina crescida.
- É sério. Quando deixo de ser uma garotinha?
- Quando fizer 15 anos, você vira Mulher e pode fazer o que quiser.
- Quem disse?
- Eu digo.
- Sou uma Mulher e posso fazer o que quero - declarou Sophie, gostando do som das palavras.
Uma enorme lua cheia pairava sobre o rio Saugus.
Sophie baixou a janela e disse:
- Dê uma olhada. A lua parece maior esta noite. Deve estar mais perto da gente.
- Não é isso - explicou Camila. - É apenas uma ilusão de óptica. A lua continua a uma distância de 363.223 quilômetros.
Ela não tinha a menor dificuldade com números, por isso acrescentou:
- Em nossa velocidade neste momento, levaríamos cerca de 170 dias para chegar lá.
- Mamãe ficaria furiosa - murmurou Sophie.
- E a Sra. Pung não ficaria nem um pouco feliz com a quilometragem.
As meninas riram. Depois, Sophie disse:
- Não é ilusão de óptica. Juro que a lua está mais perto esta noite. Dá até para ver um halo, como se fosse de um anjo.
- Não existe halo nenhum - garantiu Camila. - É apenas uma refração dos cristais de gelo na parte superior da atmosfera.
- Puxa, pensei que fosse uma refração dos cristais de gelo no seu traseiro!
Sophie caiu na gargalhada, e Thena latiu.
Camila verificou os espelhos e lançou um rápido olhar para a direita. A lua cintilava entre as grades de ferro da ponte levadiça, acompanhando o ritmo do carro, enquanto voltavam para casa. Parecia mesmo mais perto que nunca naquela noite. Ela virou a cabeça para ver melhor.Achou que a ponte estava vazia, e por isso acelerou mais um pouco. Entre todas as decisões temerárias daquela noite, essa foi sem dúvida a pior. Camila correu para a lua e, no derradeiro segundo, antes do final, viu a imagem perfeita da felicidade. O rosto inocente de Sophie estava virado em sua direção, com a luva de beisebol na mão.
E, depois, havia apenas vidro quebrando, metal contorcido e escuridão.
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1997
FanfictionPerder alguém que amamos é algo que ninguém nunca imagina o quanto dói até sentir na pele.