Capítulo único.

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A chuva caía no chão e fazia barulho ao atingir o toldo que protegia a janela, fazendo o rapaz se remexer desconfortável na cama de hospital em que se encontrava. Havia um acesso (já vazio) em seu braço e um respirador para anestesia inalatória estava largado na cama. Já não havia mais nada no enorme cilindro caído perto da cama, ao lado das manchas de sangue.

Dois tampões escondiam seus olhos e lhe privavam de ver, mas tinha ouvido tudo, desde o dia em que tudo começou. Primeiro, iniciou com um burburinho do lado de fora de seu quarto do hospital. As duas enfermeiras saíram com pressa e o médico ao menos lhe fez o favor de desfazer as amarras que lhe prendiam na cama, lhe dizendo que voltaria em instantes.

Ainda não haviam tratado seus ferimentos, então não estava enxergando praticamente nada. Esperou pelo que pareceu ser dez minutos, até que começou a ouvir os gritos, que gelaram sua espinha, e que ainda podiam ser ouvidos quando ficava em silêncio, se lembrando daquele dia caótico. Ele ouviu passos e uma correria do lado de fora, mas a anestesia começou a fazer efeito. Em pânico, Minghao apenas rezou para que ninguém entrasse e lhe ferisse.

Acordou tempos depois, sem saber o que aconteceu. Conseguiu desconectar o respirador e arrastar o acesso consigo enquanto cambaleava pelo quarto, chegando na janela. Um dos tampões sequer se moveu, enquanto o outro trouxe sangue e uma crosta estranha consigo, mas as pálpebras infeccionadas do chinês sequer se abriram. Uma simples fresta o deixou enxergar do lado de fora.

Caminhando devagar, as pessoas zumbificadas estavam em volta do prédio inteiro. Restos humanos e pessoas recém-transformadas estavam caídas em todo o chão do lado de fora, que tinha pedaços de cérebro, pele e sangue sujando tudo. Carros explodidos ou ainda em chamas estavam espalhados pela rua. O céu estava nublado, sendo a cereja azeda naquele bolo podre.

Muitos entrariam em pânico e tentariam fugir, mas o ruivo apenas aceitou seu destino e deitou na cama de novo, depois de grudar um novo tampão em seu olho ferido, se deitando na cama e fingindo que nada estava acontecendo do lado de fora. Não soube quanto tempo passou assim, apenas se deixou levar.

Até o dia em que a porta abriu.

Estava tão imerso em sua melancolia que pensou estar delirando, mas ouviu a porta se fechando por dentro e ficou estático. Estava de costas para a pessoa que entrou, então ela não sabia que ele estava acordado e ouvindo tudo. Minghao resolveu fingir estar morto. Não que fosse difícil, em decorrência de seu fedor pelos dias sem banho e a aparência já sugada por sua doença.

Ouviu os passos se aproximando da cama e se arrepiou, pedindo para todos os deuses, santos e entidades que tivessem piedade de si. Uma mão quente tocou seu ombro e o ruivo se entregou sem querer, erguendo os ombros em choque.

— Ei, você… Você tá vivo? Consegue me entender? — Ouviu, ficando surpreso.

O fato de não ser um zumbi não isentava o estranho de ser alguém potencialmente mau. Ainda assim, o enfermo rolou seu corpo de barriga para cima e “encarou” a direção da qual a voz veio, assentindo com a cabeça. Não sabia se conseguia falar, estava com a garganta seca.

— Ah, você é cego. Que ótimo. — A voz do rapaz não parecia carregar ironia. — Quer tomar um banho? Você parece péssimo. Acho que fugiram e deixaram você pra trás.

Ao cheirar sua bata hospitalar, o nariz do chinês se torceu. Ele estendeu seu braço, sentindo a mão quente do outro lhe segurar de novo e o erguer. Gemeu de incômodo pelo acesso em sua veia e então o outro pareceu notar o empecilho, puxando o ar entre os dentes.

— Vou ter que puxar isso, tá bem? — Anunciou, dando a volta no corpo magro e segurando na agulha. — Três, dois, um...

Foi rápido. O sangue sujou o piso já imundo, fazendo o doente grunhir baixinho de dor. Como se pedisse desculpas, o estranho esfregou seus ombros e então tornou a o puxar pelo quarto do hospital, abrindo a porta do que julgou ser o banheiro.

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⏰ Última atualização: Mar 17, 2022 ⏰

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