Carolaine

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Sempre fui um menino de saude muito frágil, ficava doente e com febre por qualquer coisa, o médico disse que eu tinha um sistema de defesa muito baixo, e aqui na roça, exposto a vários perigos, mal podia sair de casa. Minha vida se percorreu assim, na sala de casa, na maior parte do tempo. Quando eu era criança os dias nublados me causavam aflição, eu passava horas observando as nuvens, e a luz q entrava pela janela, aquilo me encantava, o jeito como tudo mudava de cor, o tom, o sentimento. Eu me sentia sozinho, mas a minha companhia era boa. Isso é uma daquelas simples experiências de infância marcantes pela vida toda.
O ano era de muita inovação! 1920 a luz elétrica chegou na cidade, e eu ja completava 12 anos, papai disse que iria trazê-la para dentro de casa, que a gente ia apertar um botão, e iria se fazer luz! Eu mal posso esperar por essa magia, ja fiquei ansioso desde que ele deu essa notícia. Conversava com meus irmãos sobre as inovações do mundo e como eu queria fazer parte disso, mas eles não davam muita bola, afinal, eles podiam sair, brincar la fora, eu, apenas ficar aqui dentro e sonhar. Mas eu sonhava alto, e como era bom! As vezes eu passava mais tempo no meu imaginário do que na realidade, e mimha mãe dizia que eu vivia mesmo, era no mundo da lua.
Só que meus sonhos, apesar de altos e ambiciosos, onde todos diziam ser apenas bobagens de adolescente, eram todos simples, porque no final, eu apenas gostava da liberdade, e de me sentir bem com isso.
Meu pai nunca conseguiu trazer a luz elétrica para casa. Ele foi infectado pelo vírus da pandemia de gripe espanhola, ficou doente, passou para todos aqui de casa, e morreu. Desde que ele se foi, a casa parece ter ficado ainda mais escura. E eu, que tinha a saúde mais frágil, fui o mais afetado, desde que eu peguei aquela doença, não fui mais o mesmo, eu me sinto diferente, os dias se passam como se fossem noites, estou sempre tonto, e sei lá... meio distante talvez. Me lembro de noites e noites de muita febre alta, com meus irmãos carregando panos com água quente para por em minha testa, e minha mãe rezando ao pé da cama.
Após essa doença, nada foi igual, e minha mãe proibiu todos meus irmãos de sair de casa também, ela disse que estamos todos com saúde frágil agora, e que precisamos nos unir e nos tratar. Então a vida tem sido assim, brincar na sala com meus irmãos, conversar com a minha mãe sobre papai do céu, porque ela ja leu toda a Bíblia e sabe certinho como Deus quer as coisas nesse mundo, e me sentir sozinho, observando os dias nublados. Sonhando e sempre sonhando, coisas simples, que não deveriam ser difíceis de realizar.
Mas de repente, tudo começou a mudar, e a ficar mais estranho, o ambiente estava diferente, e um certo dia, eu vi no espelho do meu quarto, o reflexo de uma menina!! Uma menina que eu não conhecia e nunca tinha visto na minha vida, não sei da onde ela tinha vindo, não sei porque estava ali, e de começo, fiquei assustado, contei para a minha mãe, e ela decidiu cobrir os espelhos, disse que a casa estava sendo assombrada por fantasmas! E que deveríamos rezar para eles irem embora. E assim o fizemos, nós todos os dias rezavamos, eu e meus quatro irmãos.
Aquele reflexo, aquela imagem feminina não saia da minha cabeça, pois me lembrava de uma lembrança que eu tinha, da minha mãe usando um vestido vermelho, ela era parecida com a minha mãe, mas aparentava ter a minha idade. E essa aparição ficou guardada na minha cabeça assim, como um sonho distante, que saiu de sei la onde, da criatividade da mente talvez? E assim ficou guardado, como um retrato familiar, tipo ver o tom vermelho do por do Sol, ou como a sensação de se molhar em água fria. Eu sei que conheço, mas não sei da onde vem, por algum motivo me é familiar. Com o tempo fui ficando mais curioso a respeito dessa imagem que eu tenho certeza que eu vi! Achei com tempo que estava me esquecendo, até mesmo duvidando se era verdade, mas não, Eu vi! Eu vi mesmo e foi real!
Eu nunca tinha tido nenhum contato com uma garota antes, e ela apesar de ser uma fantasma, não me parecia querer fazer mal, era uma garota de tamanho médio, com o rosto bonito, o vestido vermelho, e uma presença encantadora, qie me desperta algo, mas não sei o que, uma admiração, ou uma curiosidade talvez, eu sei que senti vontade de me aproximar e de conhecer. E se fosse uma fantasma do bem? Será que existe isso? Então comecei a pensar assim, talvez ela possa ser do bem, e tomando esse pensamento como verdade eu perdi o medo. E se caso ela fosse mesmo do mal, era só eu rezar que ela iria embora, porque minha mãe disse que fantasmas não podem fazer mal para quem reza para Deus. Então comecei a andar sempre com uma cruz.
Certo dia, todo confuso, porque depois da gripe espanhola, que levou embora meu pai, todos os dias eram confusos. Eu olhei para o chão, e vi que os pisos mudaram!! Que coisa mais estranha! Como que mudaram assim, de repente? Mas não quis questionar, tudo bem, não interfere em nada mesmo. Nesse dia eu me lembrei da imagem da fantasma, fiquei tão curioso a respeito dela, que eu quis descobrir o seu nome, então tive uma ideia, eu descobri um dos espelhos, acendi uma vela, fiz uma oração, e escrevi numa folha de papel, "qual o seu nome?" e deixei lá.
No dia seguinte tive resposta, ela escreveu embaixo!! Seu nome era Carolaine. Que nome lindo! Agora eu sei o nome de um fantasma! Uau, que fantástico! Ninguém nunca iria acreditar em mim, então não contei para ninguém. Escrevi mais coisas para Carolaine. Percebi também que todo papel que eu colocava dentro da Bíblia aparecia para ela ler. Escrevemos e contamos algumas histórias um para o outro, mas nunca mencionando nada de sobrenatural. Era uma relação de respeito, uma certa amizade, e também de muita curiosidade. E tudo escondido, para que ninguém soubesse.
Até que um dia marcamos um encontro! Se nós tínhamos nos visto pelo espelho da última vez, então seria pelo espelho que nos veríamos de novo, combinamos um horário a noite para aparecermos em frente ao espelho segurando uma vela em uma das mãos. Meu primeiro encontro com uma garota! Hahaha e ela era tão linda, pelo que eu lembrava dela. Eu passei a noite toda sonhando com seu vestido vermelho, imagem que me remetia ao da minha mãe na infância, na colheita de morangos, onde tudo era vermelho. Que imagem familiar é essa, parece ter saída de sonhos que não são meus...
Que loucura! Só eu mesmo para fazer essas coisas, ter um encontro com uma fantasma! Surreal! Não estou acreditando! Mas só estou fazendo isso porque sei que ela é uma alma boa.
O horário chegou! É agora! Vou ver Carolaine, chamá-la pelo nome, e fazer perguntas, uauu...
Me coloquei em frente ao espelho, segurando a vela. O relógio marcou o horário, pronto, la vem, ela apareceu! Foi quando vi ela, que garota linda! Eu estava encantado, admirado, bobo alegre sonhando acordado, queria ouvir a sua voz, conhecer tudo sobre ela, poder dizer que sua imagem e seu vestido nunca saíram da minha cabeça, que ela é a lembrança mais carinhosa e estranha que guardei nesse mundo, a aparição de uma fantasma! Algo sobrenatural que eu estava tendo a chance de conhecer e que ninguém mais iria acreditar, esse sim era um sonho que não era simples e que eu nunca sonhei que estava se realizando! Uma realização tão grande com um valor único e inestimável! Era o que me dizia que todos os outros sonhos eram sim possíveis. Uma verdadeira experiência sobrenatural o que estava acontecendo ali, bem diante dos meus olhos.
Agora que pude ver com mais clareza, sem o espanto do medo, minha mente podia raciocinar melhor, avaliar sua aparência, e constatei que ela havia mudado, estava mais velha! Parecia ter agora, uns 17 anos. Era como se de uma noite para a outra, anos tivessem se passado...
E como sou educado neh, eu deixei que ela fizesse a primeira pergunta, e também porque eu estava ansioso para ouvir sua voz e constatar de que ela era real. Foi quando ela perguntou "como você morreu?"
Só então eu percebi, que não estava vendo meu próprio reflexo no espelho, apenas pelos olhos dela, que o fantasma era eu...

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