A FARMACÊUTICA

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Com um chumaço de algodão embebido em álcool setenta, ela realizou cuidadosamente a assepsia. Aspirou o medicamento da ampola. Empurrou o êmbolo, bateu levemente com o dedo indicador na extremidade da seringa para retirar todo o ar. Uma gota de líquido vermelho manchou a parede branca sobre a pia. Trocou de agulha. Mediu com o olhar, já treinado pelos anos, o local ideal para a aplicação do injetável e introduziu a agulha na musculatura flácida da nádega do idoso. Soltou o líquido devagar. Sabia o quanto o medicamente era incômodo.

─ Arde um pouco enquanto o líquido se espalha. Não segure a musculatura. Relaxe.

Retirou a agulha e cobriu a área com a pequena bandagem circular.

─ Por isso gosto de vir aqui. Você tem a mão leve, Marina. Nem senti!

Ele sempre repetia a mesma frase, há mais de dez anos.

─ Obrigada seu Antônio. Fico feliz. E retire os tapetes da casa. É a segunda vez que o senhor cai.

Sobre o balcão, o velho deixou para ela uma barra de chocolate de presente.

Marina era farmacêutica há quase quinze anos, mas andava pensando seriamente em mudar de ramo. Não que ela não gostasse de cuidar dos outros, era boa em lidar com as pessoas. Era a parte burocrática que ela detestava. Perdia horas preparando relatórios das drogas controladas. Entrada, saída, produtos fora do prazo de validade.

Além desse inconveniente, sempre que escapava para um cafezinho ou uma passada no Banco, era quase certo que o fiscal do Conselho passaria para a fiscalização de rotina.

"Será que essa criatura fica pelas esquinas me vigiando?" Chegou a pensar.

Que profissão era aquela que a prendia dentro da farmácia durante todo o expediente? Sem condições ainda de contratar um farmacêutico substituto, a pobre almoçava nos fundos do estabelecimento e não sabia, há tempos, o que era ter vida social.

Sobretudo, odiava os plantões do fundo do coração. Já andava misturando os dias da semana. Sábado, domingo, segunda, eram indiferentes para ela. Namoro, romance, em que momento? Talvez, quem sabe, se seu príncipe encantado fosse hipocondríaco.

Mas estava exatamente na sua zona de conforto. E afinal, faria exatamente o quê da vida? Que outra profissão? Que ramo novo seguir? Logo faria trinta e sete anos e não sabia ainda o que realmente gostava de fazer. Mas um dia, quando tomasse coragem, colocaria a farmácia à venda e partiria pra outra.

Vagava por esses pensamentos quando viu, pela primeira vez, o casal. Andavam lado a lado pelo corredor dos shampoos. Ele era bonito, muito bonito, na verdade. Ela, nem tanto. Tinha uma fisionomia azeda e carrancuda e Marina era muito boa em analisar os clientes. Um olhar mais atento e dificilmente ela se enganava. Sua fama já era conhecida entre os colegas de trabalho.

"E esse aí?" Alguém perguntava. "Não é bom pagador. Papudo demais e não faz as contas do que tá comprando."

"Eu não venderia fiado pra ela." Logo, a proprietária da farmácia afirmava. "Vai ser uma das nossas melhores clientes." E acaba mesmo acertando.

─ Tá sendo indiscreta. Pare de secar o homem. A mulherzinha dele é barraqueira ─ sua colaboradora mais antiga advertiu.

 A mulherzinha dele é barraqueira ─ sua colaboradora mais antiga advertiu

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