Heloísa observou a silhueta de Leônidas naquele nascer do sol. Nem sabia o que estava fazendo acordada naquele horário, quando nem mesmo Manuela e Augusta estavam de pé ainda. Os primeiros raios ainda não eram capazes de iluminar Leônidas a ponto de Heloísa ver sua expressão, mas a julgar pelos ombros tensos, ele estava preocupado, contemplativo.
Não era uma novidade, se ela fosse sincera. Leônidas estava assim desde que voltou com Matias do Rio de Janeiro. Ele parecia sempre distante, preocupado, sobrecarregado. Matias estava pior do que nunca, com surtos quase que diários, e Heloísa sabia que Leônidas estava cansado. As olheiras e olhos mais profundos diziam isso todos os dias.
Deveria se perguntar em que momento passou a observá-lo tão bem, mas na realidade sabia que foi ao longo daqueles dez anos. Durante todos aqueles anos de cuidado, de Leônidas prestando atenção nela. Ele havia salvado Clarinha e o coração de Heloísa batia mais rápido só de pensar naquela situação. E então Leônidas passou semanas longe e Heloísa simplesmente percebeu que sentia falta dele.
Mesmo assim ela havia perdido a cabeça quando Leônidas apareceu com Matias no engenho. Havia gritado, discutido, culpado Leônidas, enquanto ele se desculpava e dizia que não podia deixar Matias naquela situação. E, mesmo que ela não fosse admitir para ninguém, era encantadora a forma como Leônidas se importava com todos à volta dele.
Talvez fosse esse o motivo de servir uma xícara de café para si mesma e uma para ele e saiu pela porta da cozinha, sentindo o vento frio em seu corpo. Sentou-se ao lado dele no começo das escadas, bebendo em seguida um gole do próprio café para esquentar-se.
- Já de pé, minha rosa? – Leônidas perguntou, aceitando a xícara que ela oferecia.
- Perdi o sono cedo. – ela deu de ombros, observando o horizonte. – Você parece preocupado.
Ele deu uma risada sem humor, ficando em silêncio em seguida. Heloísa quis olhar para ele, mas de repente ficou ciente demais sobre o braço que tocava o dele, sobre o joelho de Leônidas esbarrando no dela.
- Não é nada, minha rosa. – ele disse, bebendo um gole do líquido quente.
Heloísa sorriu ao ouvir novamente aquele apelido. Não lembrava quando o ouvira pela primeira vez, ou quantas vezes implicou por Leônidas chama-la daquele jeito. Mas ele nunca desistiu e parte dela gostava daquilo. Gostava de ser a rosa dele.
- Desde que o conheci você sempre esteve pronto para ajudar à todos. – ela disse, batendo propositalmente o ombro no dele. – Nem sei quantas noites passou acordado cuidado dos surtos do Matias ou da Clarinha.
Ela repousou a mão livre no antebraço de Leônidas.
- Me diz o que é. – pediu. – Dorinha diz que sou excelente conselheira quando quero.
- Eu não duvido e agradeço muito, minha rosa. – Leônidas suspirou. – Mas tem assunto que é melhor nem tocar.
Heloísa assentiu, sentindo Leônidas entrelaçar seus dedos nos dela e levar sua mão até os lábios em um beijo delicado. Ela poderia entender aquele sentimento. O que quer que estivesse perturbando Leônidas era algo que o machucava, e Heloísa se identificava com aquela realidade.
- Sua mão está gelada. – ele disse, encostando a xícara de café na pele dela.
- São os ventos do outono. – Heloísa sorriu. – As manhãs e noites são frias nestas bandas.
- Não quero que fique resfriada. – ele disse. – Deveria entrar. Ainda é cedo.
- Me quer pelas costas? – ela brincou, mas a pergunta tinha um tom de verdade.
- Eu adoro a sua companhia, minha rosa. – Leônidas sorriu. – Só não quero que adoeça.
- Eu tenho uma saúde de ferro. – Heloísa respondeu.
A verdade é que não queria sair dali. Queria aquele amanhecer no engenho, o cheiro de café misturado com o cheiro dele, o calor do corpo de Leônidas ao lado do dela, seus dedos entrelaçados enquanto ele acariciava suavemente sua mão. Heloísa suspirou, deixando a cabeça tombar para o lado e encostar no ombro de Leônidas.
- O coronel ficava impressionado quando éramos crianças. Violeta caia doente a cada mudança de estação, mas eu me mantinha firme.
- Deve ter sido uma infância e tanto nessas terras tão vastas.
- Foi. – Heloísa sorriu com as lembranças que a inundaram. – Manuela e nosso pai quase perdiam a cabeça com tantas estripulias.
- E sua mãe? – Leônidas perguntou, com curiosidade genuína na voz.
- Morreu quando eu ainda era muito jovem. – Heloísa suspirou. – Eu não tenho muitas lembranças.
- Sinto muito. – ele girou a cabeça e depositou um beijo nos cabelos dela. – Me desculpe por perguntar.
- Não precisa se desculpar. – ela prendeu a respiração. – É melhor não ter lembranças do que ter lembranças desagradáveis.
Leônidas assentiu.
- Como está a Clarinha? – ele perguntou.
- Ótima. – Heloísa sorriu. – Sinto falta dela aqui, mas não era seguro com Matias... e ela sentia falta de Inácio.
- Sinto muito por isso também, minha rosa. – Leônidas suspirou pesadamente. – Não queria tirar a menina de você.
- Oras bolas, Leônidas. A menina não era minha. – Heloísa sentiu o peito afundar. Eu sempre soube que ela voltaria para a família dela.
- Mesmo assim... – ele apertou a mão dela. – Sei o quanto estava apegada.
- Leônidas, Leônidas... vim aqui para falar dos seus problemas, não dos meus.
Ele respondeu com uma risada que fez seu peito vibrar, mas ficou em silêncio em seguida. Heloísa sentiu-se confortável ao lado dele. O sol despontava no céu, os animais começavam a acordar, e aos poucos o engenho ganhava vida. Até mesmo a cantoria de Manuela chegou aos ouvidos deles, indicando que o resto da casa iniciava seu dia.
- Eu preciso entrar. – ele disse, contrariado. – Logo o doutor acorda e teremos um longo dia pela frente.
Heloísa assentiu, afastando-se dele. Levantaram-se com as xícaras já vazias e o olhar de Leônidas capturou o dela. Ele parecia menos preocupado, mas ainda parecia ter tanto a dizer. Heloísa suspirou, aproximando-se dele e acariciando seu rosto.
- Quando quiser conversar pode me chamar. – ela deu um sorriso pequeno. – De verdade.
- Obrigado, minha rosa. – Leônidas também sorriu, virando o rosto para beijar a palma da mão dela. – Me sinto melhor apenas por sua presença.
- Você é especial, Leônidas. – Heloísa disse, sincera. – Obrigada por tudo o que faz por nós. Tudo o que faz por mim.
- Eu faria qualquer coisa pela senhora. – ele alargou o sorriso.
Ela também sorriu, balançando a cabeça. Colocou-se na ponta dos pés e depositou um beijo na bochecha dele, demorando-se um pouco de forma não intencional.
- Tenha um bom dia, Leônidas. – disse ao se afastar.
- Bom dia, minha rosa. – Leônidas piscou. – Bom dia.