Capítulo Único

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Nossos medos podem nos matar.

Desde a infância, eu sempre tive uma aversão explícita e profunda a aranhas. Com certeza, a fisionomia particular de cada aranha, com muitas patas, pelos e olhos ajudava na obra, mas eram também os movimentos erráticos desses seres, estando em um lugar e de repente em outro, a agilidade, o desconhecido de o que fará depois e o receio do susto, que me desconcertavam em profunda aflição. O medo da picada. O veneno. Eu geralmente perdia os movimentos ao me deparar com uma aranha no mesmo cômodo e até animações e desenhos de aranhas me perturbavam. Fotos, então, me deixavam maluco, suando.

Certa vez, observando a timeline de minhas redes sociais, me deparei com um vídeo do qual não entendi muito bem de cara. Era um formoso gafanhoto forte e robusto, andando sobre um metro quadrado de terra, aparentemente em paz, lindo e sereno. Então, a fatalidade aconteceu numa fração maligna de segundo, me fazendo ficar nauseado e tonto, além de petrificado de pavor.

Nem de cima, nem pelos lados. Foi debaixo da terra onde estava o pobre gafanhoto que emergiu uma gigante – não, uma gigantesca – aranha de patas grossas e laranjas. Aranhas comuns já são tenebrosas... A do vídeo era infernal. Sem entender muito bem onde era a boca daquele artrópode do inferno, e mesmo antes da ação em si ser consumada, eu soube que o gafanhoto fora devorado e, provavelmente, nem tinha percebido, pobrezinho; ao mesmo tempo, senti uma quase dor em meus próprios órgãos, como se tivesse sido eles os perfurados pelas garras quentes do bicho.

Fiquei quase 20 dias em profundo estado de alerta após isso, atingindo um leve nível de paranoia que, de fato, preocupou alguns colegas de trabalho. Durante esse tempo, eu acordava de hora em hora para checar se havia algum monstro aracnídeo debaixo de minha cama e nunca me arrependi tanto de não ter comprado aquela outra cama que não criaria um vão entre ela e o chão.

As coisas foram se acalmando quando o tempo passou e comecei a frequentar terapia para não dissipar, mas dominar meu medo.

Descobri que meu horror poderia estar relacionado a um episódio da infância, em que certa noite, acho que quando tinha uns 6 anos, descobri, por acaso, que dentro do meu colchão havia uma gigantesca ninhada de mais de 500 aranhas, restos podres de outros insetos, usados de refeição para elas, e até mesmo um pequeno lagarto mutilado e carcomido. Lembro bem da sensação, mesmo sendo criança... Um horror, uma aflição, um rompimento tão profundo da alma me acometeu, de forma tão brutal, que tal sensação incômoda em saber que dormi por muito tempo sobre mais de 4000 olhos nunca me deixou, nem por um momento.

Depois de significantes sessões com a Dra. Jardins, comecei a voltar a ter controle de minha vida e deixei de ser um escravo do medo, utilizando, além das sessões de psicoterapia, de meditações, reprogramação da mente e hipnoterapia.

Havia dias melhores, outros piores, mas no geral, tudo parecia estar indo bem.

Certa noite quentíssima demais para a primavera, fruto de fenômenos causados pelo homem e constantemente negados por líderes globais – o que me deixava ainda mais pessimista e preocupado com a vida, sua ignorância e desigualdade – fui colocado frente a meu medo mais uma vez. Essas visitas macabras aconteciam com muito mais frequência no verão, e mesmo que me armasse com formas de espantá-las, uma ou outra sempre surgia e uma batalha acontecia.

Uma aranha muito pequena surgiu na bancada da cozinha, me tencionando um pouco, fazendo com que eu segurasse minha xícara com mais força que o normal, a veia no pescoço saltando. Ao invés de me entregar para a agonia e horror, apenas fechei os olhos e implorei, implorei mesmo para quem quer que pudesse ouvir ou interferir, que tirasse aquele ser de onde estava. Passaram alguns momentos, eu ainda tenso e de olhos fechados, então espiei a bancada. A aranha se fora como mágica. Olhei aos arredores a fim de checar se ela não estava em algum lugar próximo e não encontrei nada; sendo assim, mesmo sabendo que ela poderia estar dentro da casa, graças às sessões com a Dra. Jardins, retomei minha rotina noturna e dormi em paz.

A AranhaOnde histórias criam vida. Descubra agora