Recife, Pernambuco, Brasil – novembro de 2014


— Oh, doce Nia, quão suave são os teus lábios e quão doce é o teu cheiro! — Henrique exclamou com a voz aconchegante e rouca — A maior angústia que abrigo em meu peito é a consciência desse abismo entre nós. Há tempos o destino tenta nos separar, e até mesmo os cegos podem enxergar tal fato, mas nada pode negar o anseio que arrebenta meu peito e clama por teu olhar a cada novo amanhecer. Minha querida não pode ter-te, mas prometo te amar e te cuidar enquanto ainda existir vida em meus pulmões.

Olhei para ele. Seus olhos eram intensos, brilhantes e verdes.

Bem, isso foi profundo.

Mas meloso demais.

O relógio ao lado da porta marcava 17:45. Estávamos todos espremidos em uma salinha pequena com paredes descascando e sem ar condicionado. Enquanto eu e Henrique permanecíamos em pé no centro, nossos colegas de elenco espalhavam-se pelo chão à nossa volta, alguns encostados na parede, outros deitados sobre os cotovelos. A atmosfera beirava cinquenta graus – ninguém pode negar isso. Esperei Henrique se aproximar de mim e segurar minhas mãos antes de ditar a minha fala. Estávamos na última semana de ensaios para XVI Festival Recife do Teatro Nacional e ninguém mais podia conter os próprios nervos.

A peça que iríamos apresentar seria uma adaptação do livro Laços Perdidos de Francisco da Silva, poeta e escritor pernambucano que morrera recentemente. O produtor da peça, o senhor Antônio Cunha, estudara alguns anos com ele e resolveu fazer uma saudosa homenagem. Eu não tinha muito conhecimento a respeito do autor antes de fazer o teste para a protagonista, mas sabia que esse livro era um dos preferidos da minha mãe, então cada ato era extremamente carregado de valor sentimental.

Por um tempo houve certa resistência da parte de alguns dos atores porque esta seria a primeira peça de Francisco da Silva já apresentada. Por si só isso já era algo meio arriscado, somando ao fato havia alguns boatos de que um dos melhores produtores do Brasil, Marcos Nicolau, estaria aqui no dia à procura de atores para sua mais nova produção. Tentamos argumentar, mas dona Beca, nossa professora de teatro / diretora / esposa do senhor Antônio, não era do tipo que cedia fácil, e era por esse motivo que estávamos ali, a menos de duas semanas para o grande dia e a poucos passos de finalmente arranjarmos uma grande oportunidade, com uma peça que quase ninguém conhecia.

Minhas costas estavam molhadas de suor. Fiz de tudo para ignorar o calor e pensar nas minhas falas. Desde que uma parede da nossa sala – que tinha ar condicionado ­­– havia rachado e precisaram interditá-la para reformar, estávamos nesse sufoco. Dona Beca dizia que um bom ator ignorava essas situações, encontrava inspiração no âmago da alma e encarnava o personagem de tal forma que situações externas eram insuficientes para trazer distração, mas ela dizia isso com um ventilador soprando na cara dela.

Respirei fundo, tentei desgrudar disfarçadamente a camisa do suor das minhas costas e ditei a última fala. Henrique se aproximou ainda mais de mim, ele era apenas alguns centímetros mais alto e eu não precisava levantar muito a minha cabeça para olhar diretamente em seus olhos. Ele tinha a pele branca e seus cabelos ondulados estavam penteados para o lado direito. Pude sentir o cheiro amadeirado do seu perfume quando apenas alguns centímetros nos separavam. Ele segurou meu queixo e levantou delicadamente minha cabeça para logo em seguida me beijar levemente.

Assim que nos afastamos, José, o homem que fazia o papel do pai da minha personagem, começou a nos aplaudir do lugar que estava sentado e logo todos os nossos colegas se juntaram a ele. Henrique colocou o braço na altura da barriga e se curvou em um agradecimento exagerado.

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⏰ Última atualização: Mar 31, 2022 ⏰

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