Trilha de migalhas

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Uma noite decidi seguir minha amada em uma das suas descidas furtivas à terra - Cria no meu desconhecimento. Ela sempre gostou de tocar o mar, mas esse não era o motivo de suas visitas recentes. Vinha observar meus filhos. Irônico, não? Os rejeitei por a ofenderem e ela nunca deixou de protegê-los. Ela até conseguiu fazer a companheira do deus da justiça de sangue parar a vingança por ter sentido a mágoa em meu coração. Aquela divindade não sabia cultivar o rancor ou conseguia ver minha saudade?

Pensei que seria a aparição mais feliz da minha existência. Não foi. Filhos ingratos. Humanos insolentes. Só porque eu e ela somos deusas nos rejeitaram. Rejeitaram nossa união. Quase transformei minhas chamas em azul escaldante. Aquela deusa; aquela lua; aquele brilho na escuridão; A minha amada me impediu. Como ser tão incorrupto podia me amar? Outro ser tão oposto. Tão propícia a criar vida quando destruí-la em uma explosão. Será por isso que meus filhos eram capazes de bondades e crueldades? Minha dualidade os turvou? Não sei. Só sei que não os queimei até os ossos, em meu surto de ira, mas agora eles não podiam me olhar sem perder o dom da visão. Ainda alimentaria suas peles - Era sua mãe, afinal -, mas não poderiam mais me ver.

Observei de longe ela andando naquilo que escolheram chamar de: ruas da cidade. Eu sei que ela sabia que eu a seguia - É difícil não sentir a radiação que crio. -, mas decidiu me ignorar. Estava, eu, seguindo migalhas de uma trilha? Oh minha amada, não precisa disso. Eu mudaria todas ass órbitas astrais se me pedisse. Vê-la caminhar tão relaxada e feliz era satisfatório. Depois dos problemas envolvendo nossos filhos o seu sorriso se tornava cada vez mais inverídico. A tranquilidade transmitida por ela nunca vacilou, mas se tornou melancólica. Uma visão linda e triste.

Só percebi sua parada ao chegar do seu lado. Me olhou de rabo de olho e convidou a seguir seus lindos olhos claros. Ela investigava dentro de um apartamento. O que sobrou de seu coração - Já que tinha doada cinco partes dele para criar a alma de seus filhos. - batia rápido e triste; O meu - Inteiro, mas todo entregue a ela. - bombeava ainda mais rápido, em desespero. O sangue de uma de minhas filhas começava a cobrir azulejos amarelos. A pele perdia a cor, antes tão escura quanto a minha. Em concomitância meu sangue fervia. O que poderia ser tão doloroso para uma de minhas crianças desistir do meu calor?

Enquanto corria para o banheiro maldito agradecia minha companheira. Eu ainda os amava, ainda eram meus filhos. Minha mágoa havia dissipado? Acho que nunca me perdoaria se justiça os tivesse dizimado por conta do rancor que deixei florescer. Minha filha, Minha criança, não desista. Eu apoiei sua cabeça em meu colo, deixando meu calor curar seu corpo. Mas ... Como ... Como curar uma alma que não deseja viver? Coloquei minha pequena na cama, ainda inconsciente, depois de seu corpo estar bem. Ficou assim por horas.

Araci me olhava, com suas orbes gentis, buscando no meu rosto o que passava em meu coração. No segundo que conheci sua existência me apaixonei. Nenhum outro amante fazia sentido. Ela refletia minha luz com delicadeza. Absorvia tudo que entregava e transformava em algo mais bonito. Dava rumo aos andarilhos perdidos. Desabrochava as Dama-da-noite, inundando o mundo com maravilhoso cheiro. Ocasionalmente se escondia de mim. As vezes de forma total, outras tentava me espionar - O que trazia um tom lindo avermelhado a ela. - saindo levemente da umbra. Não me cansava de observá-la.

Ouvimos barulhos de alguém acordando, seguido por um grito. Irritante. Devia sentir-se mais honrada que assustada com a nossa presença. Por mais irritante que o som fosse, era minha culpa. Eu os abandonei e retirei sua magia. Como ela não se assustaria com duas deusas em seu quarto? Tive que rir daquela situação, apesar do aperto em meu peito. Minha criança parecia tão frágil. Seus olhos mostravam cansaço e seus pulso à prova de que aquela noite não foi sua primeira tentativa. Raiva. Raiva era o que me consumia agora. Quem? Quem ousou deixar minha filha assim?

Quando o sol toca a terra.Onde histórias criam vida. Descubra agora