Oi , sou a Vanessa. Espero que vocês gostem deste meu conto. Deixem seus comentários, quero saber o que vocês pensam sobre essa
Vida de escritora
"O Sol batia forte na janela...."
Não, não, que começo mais brega, não vai funcionar. Ou será que pode render? Começar é sempre difícil, eu sei. Começar um conto então, nossa, parece um parto. Não, comparação mais exagerada, um parto é infinitamente mais difícil. Se bem que minha filha quase nasceu no elevador. Foi rápido. Mas a dor foi tanta que cravei minha unha no braço da ascensorista, coitada. Ela estava lá só para apertar o botão do oitavo andar e acabou com o braço roxo, olhando inconformada para mim. Bom, acho até que ela já estivesse acostumada aos gritos de mulherada parindo. Afinal, aquele era um elevador da maternidade, certo? Fiquei com dó da moça, mas realmente minha filha estava nascendo, meu marido estacionando o carro, entrei sozinha no elevador, achei que a dor não viria, mas veio, tinha que me segurar em alguém...
Opa, foco, foco. Vamos lá.
"O vidro da janela refletia raios coloridos de um Sol já muito forte àquela hora da manhã."
Será que melhorou? Eu achei a frase bonita... Bom, mas só vai valer a pena começar falando dessa cena na janela se ela fizer sentido na ação. A protagonista vai olhar pela janela e observar o homem que ela ama indo embora. Mas então se é essa a ideia, acho que este cenário solar, alegre e colorido não se encaixa. O homem que ela ama está indo embora, é uma situação triste demais, tenho que estar atenta a isso, não posso colocar essa tristeza em um cenário tão colorido. Se bem que tristeza não muda a cara do mundo para as outras pessoas, eu já senti meu estômago gritando de mágoa profunda e as pessoas à minha volta sorrindo, sem perceberem a minha dor. Sei disso por experiência própria.
Além do mais, quando Rodolfo foi embora, quase morri e eu nem estava olhando pela janela. Acordei com o barulho da porta batendo. Covarde, deixou bilhete, não teve coragem de olhar nos meus olhos para dizer que tudo estava acabado. Tudo ia mal, discutimos sobre o distanciamento entre nós muitas vezes. Depois que nossa filha nasceu o relacionamento esfriou mesmo, eu nem conseguia olhar para ele e, preciso confessar, nem para ela. Pronto, lá vem a culpa de novo, sei que tinha que amar e, na verdade, amo demais essa coisa pequenininha, que só berra, faz cocô e rasga meu seio tentando sugar leite que eu não tenho. Tive muita dificuldade de aceitar tudo desde o começo e eu só queria ficar sozinha um pouquinho, descansar quietinha no meu canto. Ele lá, inteiraço, bonitão, corpão ainda bronzeado do último verão, sem as estrias que eu carregava na barriga e seios, depois de engordar 20 quilos com uma gravidez que eu não queria.
Claro que o relacionamento iria esfriar. Quem é capaz de beijar um homem que infernizou a vida da mulher pedindo um filho, mas quando o bebê chega ele se mostra incapaz de trocar uma fralda, de passar a noite acordado tentando fazer essa menina parar de berrar. E ainda veio me dizer que eu estava com depressão pós-parto. Estou é com sono, cansada, me sentindo mal, dói tudo, gritei para ele em nossa última briga. Pensando bem, não deveria ter atirado aquela xícara de chá quente em cima dele depois de ter gritado.
Mas vamos lá, preciso começar esse conto para enviar para a editora, então vamos tirar o Sol, a janela com raios coloridos, afinal estado de abandono é como a noite mais escura mesmo. Pronto, é isso! Vou começar assim:
"A noite estava escura e fria, não havia luar, nem estrelas ou uma cigarra cantando, somente ruídos sinistros pareciam ecoar pelas frestas de sua janela."
Eita, estou eu de novo às voltas com a janela, parece ideia fixa. Tudo bem, foi olhando pela janela que resolvi procurar terapia, talvez fosse depressão pós-parto mesmo. Ficava horas com a bebê em meu colo, olhando pela janela. Será que Rodolfo vai voltar? Esperava eu. E ele nunca voltava. Ok, telefonou alguma vezes para saber como eu estava. Mas isso não ajuda, vamos combinar que quando uma criança está chorando para mamar, com fralda de cocô, você não comeu nada ainda, já são onze da manhã e o telefone toca insistentemente, você não vai atender como se fosse a pessoa mais simpática do mundo. Ah, Rodolfo, quando se está do lado de fora, tudo é mais fácil.
Boa, essa frase tem efeito.
"Do lado de fora tudo é fácil."
Fora da casa, fora do drama, fora da responsabilidade, fora do corpo. Vou pensar nessa personagem alheia a tudo e a todos. Mas, espera aí, esta seria a personagem secundária ou a protagonista? Ai, caramba, estou confusa. Já nem sei mais sobre quem eu quero falar. É, na terapia também foi assim, cheguei lá, com a bebê nos braços, já explicando que não tinha com quem deixar, que ela mamava toda hora, que eu não tinha conseguido entrar no ritmo ainda, que estava mesmo um tantinho difícil, tudo culpa do Rodolfo. Ele é que queria filho, ele tinha uma carreira brilhante pela frente, ele sugeriu que eu saísse do trabalho para cuidar da bebê, ele estava ganhando bem, ele, ele, ele, ele...
A terapeuta olhou para mim, pediu que deixasse o cestinho da bebê no sofá, pois ela dormia tranquilamente e me orientou em um exercício de respiração. Fui me acalmando, embora olhasse o tempo todo para a nenê. "Agora, vamos falar de você" sugeriu ela, depois que consegui colocar corretamente o ar em meus pulmões. Não falei muito de mim, Rodolfo invadia minhas palavras o tempo todo, mas a terapeuta foi me conduzindo, com a calma e a paciência de um bicho-preguiça. Não sabia que respirar direito trazia certa tranquilidade.
Cheguei a quase me sentir feliz.
Sentir-se feliz. Sim, é isso! A protagonista vai ter que encontrar felicidade, essa é a razão do conto, quero falar de superação, de recomeço, de descoberta. Ela vive a dor do abandono até que consegue deixar isso tudo para trás, tentar esquecer o marido, se redescobrir, passar a amar a sua nova vida, embora ainda sofra ao olhar pela janela nas manhãs ensolaradas. É isso!
Droga, está na hora do almoço da nenê. Vou ter que parar por aqui. Como é que vou conseguir ser escritora se essa menina não para de chorar!!!
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Vida de Escritora
Short StoryEste conto traz uma autora em pleno desafio de encarar a maternidade recente, a separação com o marido e o compromisso de escrever um romance, que está sendo cobrado por sua editora. Uma reflexão bem-humorada e, ao mesmo tempo, dolorosa, desta jovem...