– Vá logo. Eu sei que você não vai aguentar. Eu já percebi essa sua vontade a horas.
– Eu não posso. Tenho que ser forte.
– Você é fraco.
Ao escutar essas palavras caio de joelhos ao chão e começo a lamúriar, em seguida:
– Eu não vou, eu sei que o desejo é forte, mas se eu fizer isso todo meu esforço e tempo de treinamento vai ser jogado fora.
O outro guarda vira-se de costa e diz: – Pare! E sai andando em direção a barraca.
Ver ele agindo me deixa mais agoniado ainda. Eu estou diante do meu maior desafio: resistir ao desejo. E pra piorar ele come na minha frente. Isso é como se eu estivesse em território inimigo encurralado, recebendo rajadas de disparos. Bato com as mãos no meu próprio rosto e repito comigo mesmo: – Preciso me acalmar. Respiro fundo. Encaro a barraca e me recuso a ceder.
Procuro me distrair com a paisagem. Sou privilegiado de ter um posto de frente para a praia, observo as ondas do mar e tento relaxar. Fico alguns minutos tentando me concentrar. A brisa é suave e vem direto até minha face, procuro afastar o pensamento da mente, até que me sinto irritado de tanta frustração por não ter resultado e grito: – Aaaaaaaaa tá fodaaaaa. Que cheiro gostoso da porra!
O vendedor e meu companheiro caem na gargalhada. O vendedor chega para mim e também tenta me convencer a consumir suas delícias. Como um incentivo, ele me oferece um caldo de cana de graça. Quando se trata de comida grátis a situação se torna mais séria. Não consegui resistir. Bebi aquele caldo de cana em uma só golada. E logo em seguida pensei: Caraí esse caldo tá com gosto estranho bem no finalzinho, parece bunda suada. Não tá tão gostoso quanto pensei que seria. Tá bom não. Se eu tivesse comprado essa merda ia tá puto. Há fodase. Foi de graça mesmo. Ainda bem que não comprei. Mas namoral o cheiro do pastel tá bonzão, deve tá gostosão. Se eu fosse comprar ia comprar só o pastel.
Mas agora tô pensando aqui. Não sei se esse caldo foi bebível por conta da minha vontade extrema e acabou abalando meu paladar ou se isso realmente tava bom apesar do gosto estranho no final.
Agradeci pelo caldo e me afastei da barraca, meu amigo já tinha terminado o seu lanche. Agora eu tinha que passar o resto da tarde resistindo à minha vontade de comer pastel. Eu repetia mentalmente esse mantra: Não posso comer essas besteiras na rua. Os treinos da academia vão pro ralo se eu fizer isso. Só aceitei aquele caldo porque foi de graça. Não preciso do pastel. Tenho que seguir a minha dieta.
– Para com o drama, cara, vai logo comer seu pastel e acaba com isso.
– Quero que você entenda Jeremias, as mudanças não acontecem repentinamente. Se eu ceder isso vai me corromper lentamente e todos os dias vou fraquejar diante dos meus desejos alimentícios. É assim que com pequenos gestos você começa a relaxar na rotina de treino e alimentação regulada. É um fator tão pequeno que nem consegue notar. E quando você percebe já tá uma bola enorme gigante. Um saco de banha viciado em comida gordurosa. E quando chega aí já não tem mais volta.
– Cara é só um pastel, isso não vai te engordar de uma hora pra outra.
– Não é só um pastel, entenda que desde dos primórdios aquele que deseja um corpo escultural vive em uma luta eterna com a beleza e a comida.
– Ta cara, fica aí então se remoendo por vaidade. Eu quero é ser feliz. Vou comer um pastel quando der vontade e acabou.
Como até dois se quiser mais um.
– Mas esse tava bom ?
– Sinceramente?
– Sim, me diga a verdade se realmente tiver maravilhoso eu compro um e mato logo essa vontade.
– Tava parecendo borracha, só que eu tava com tanta fome que comi dois. Só te instiguei pra te zuar, mas perdeu o sentido da brincadeira.
– Ainda bem que não comprei essa merda!
E assim acabou meu dia de serviço, sem arrependimentos e fui vitorioso em resistir comer o pastel.
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Se você quer ser bombado, não coma fritura.
HumorCrônica que retrata um homem atlético lutando contra sua vontade de comer besteira.