Capítulo Único

82 9 10
                                    

{2276 palavras}

O meu quarto parecia ter virado uma sala de reuniões.

Tudo bem, eu entendia que minha mãe e meu pai queriam participar desse momento tão importante na minha vida. Mas eles não tinham me perguntado se eu queria a presença do resto da família. E de vizinhos. E dos amigos deles.

Mas, enfim, eu não tinha como expulsá-los dali naquele momento, então prestei atenção na minha tarefa.

O site do governo estava exatamente do jeito que o tutorial do YouTube tinha me ensinado um pouco mais cedo naquele dia. Uma parte vermelha da tela indicava o tempo que faltava para o encerramento das inscrições no SiSU. Outra parte da tela pedia o número da minha inscrição do ENEM e a minha senha. Eu sabia exatamente o que fazer.

Todos naquele quarto também pareciam saber o que eu iria fazer.

Depois de confirmar que não, eu não era um robô, inseri os dados anotados em um Post-It amarelo colado na parede atrás do computador. O site carregou para uma tela com as duas opções de curso ainda vazias.

Não coloquei o curso imediatamente. Não sabia o que estava esperando, mas sabia que queria esperar mais um pouco.

Aquilo estava acontecendo muito rápido. Era uma decisão importante demais.

Eu só queria um tempo para pensar sozinha, na verdade.

Mas os convidados não pareciam estar tão pacientes.

─ Vai logo, Dani ─ disse meu pai, meio de brincadeira, meio falando sério.

Finalmente, cliquei na primeira opção e escolhi Medicina na USP.

O cursor do mouse tremia com a minha mão. Eu não sabia por que estava tão nervosa. A nota era suficiente. Claro que era, sempre foi.

─ Nossa, 857 pontos ─ disse a filha do meu vizinho.

Eu nunca tinha falado com ela. Não sabia o motivo de ela ter sido convidada.

Mesmo assim, sorri para o elogio implícito. Não porque estava feliz, mas porque meu nervosismo não justificaria minha grosseria. Por mais que aquele, tecnicamente, fosse o meu momento.

Aparentemente não era. Não era como se eu pudesse simplesmente escolher o curso que eu quisesse. Todos estavam olhando. Era importante que ficassem surpresos, orgulhosos de mim. Era importante impressionar os outros.

Ou pelo menos era o que tinham me dito ao longo da minha vida.

─ Dani, tudo bem aí? ─ perguntou minha mãe. Não porque estava preocupada, mas porque queria que eu escolhesse a segunda opção logo.

─ Sim ─ eu respondi. ─ Só estou pensando se eu coloco Medicina em outro lugar, ou se escolho Direito na USP mesmo.

Minha mãe e a sala inteira responderam à minha dúvida. Como se eu tivesse perguntado para eles.

─ Melhor colocar Medicina mesmo, para garantir ─ disseram.

E foi exatamente o que eu fiz. Medicina na UFRJ. Todos já esperavam aquilo, não tinha surpresa nenhuma.

Mesmo assim, o quarto inteiro tremeu com os pulos e os gritos de animação dos convidados. Eu pulei junto, é claro. Como se eu já tivesse passado. Como se aquela fosse uma ação permanente.

Como se eu realmente quisesse aquilo. Como se a escolha realmente tivesse sido minha.

Assim que se acalmaram, um a um, todos os convidados saíram pela porta, desceram as escadas e foram embora. Tão rápido quanto tinham chegado. Meus pais foram se despedir e ficaram algum tempo conversando.

Bifurcação na EstradaOnde histórias criam vida. Descubra agora