Permissão concedida ao ENTARDECER

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Se sentir perdida, estar sufocando a cada respiração, querendo sumir no mundo. Se as pessoas soubessem o motivo que me faz sentir e ter esses pensamentos poderiam achar uma tremenda bobagem, claro, se realmente nunca se apaixonaram perdidamente por alguém assim como eu.
Me vejo totalmente sem saída e sofrendo a cada minuto por um amor impossível. E não, ele não é casado e nem mora em outro planeta, a impossibilidade de viver uma história de amor com ele é a minha aparência mesmo. É mais do que óbvio que um cara como Hugo, forte e na moda jamais se interessaria por uma garota gorda e sem graça como eu.
Sim, eu falo a verdade, sou gorda, desajeitada,nada em mim fica bom, e não me venha uma parcela por aí dizer que é só ter dinheiro que qualquer mulher encontra sua beleza escondida, pois dinheiro pra mim não é problema, venho de família que possui boas condições financeiras.
Já fiz dezenas de dietas desde a infância, já me consultei com diversos profissionais e nada me faz chegar ao peso que almejo ter.
Nos últimos dois anos minha mãe me obriga a consultar uma psicóloga, a Dra Patrícia, já que querem tirar da minha cabeça a ideia fixa que tenho de fazer uma bariátrica que médico algum concordaria para uma pessoa de 23 anos e pesando 80kg.
Eu sei que é totalmente fora de série esse meu pensamento, estou quase surtando e todos devem me achar louca mesmo.
Eu tenho espelho no quarto e o evito quase sempre, tenho plena consciência que estou fora dos padrões de mulheres que arrasam por aí, ou seja, fora dos padrões de Hugo. Minha amiga Kamila me falou pra eu tentar uma aproximação com Hugo e eu tentei, não só uma, mas várias vezes. A última foi quando o pai dele, seu Jorge,  me chamou para ver uma vaca prenhe que poderia estar em trabalho de parto antes do tempo já que o animal havia sido retirado de um local para outro e estava num alto nível de estresse e dor. Hugo estava lá com algumas “amigas" na varanda da sede da fazenda. Desde que me formei em veterinária decidir morar na fazenda dos meus pais que faz divisa com a deles. Eu quem cuido de tudo por lá já que meus pais agora preferem morar na capital e virem aqui somente de férias ou à passeio. Tentar uma conversação com Hugo é apenas ouvi -lo dizer “É, foi, sim, não, talvez, não sei, não vi...”.
Não estou exagerando.
Com as amigas lindas ele dá atenção e comigo é por esse caminho.
Sou realista, minhas roupas grandes demais são para esconder partes do meu corpo que se eu tivesse uma varinha mágica faria serem perfeitas.
Não vivo, despertar toda manhã pra mim é lembrar exatamente quem sou e como sou. É complicado aceitar que talvez eu esteja doente e o que penso sobre mim é consequência dessa doença. Meu maior problema é meu próprio reflexo que não me deixa ser feliz e estar com Hugo.
Hoje é mais uma manhã, mais um dia, acordei cedo nesse sábado, mas não consigo me levantar da cama, fixo fazendo hora olhando pro teto. Preciso fazer algumas coisas importantes hoje na fazenda, tenho de acompanhar a entrega das rações e liberar depois os funcionários para o fim de semana. Tenho que ir visitar uma égua arredia que está em tratamento.
Logo de cara ao chegar nas baias vejo o tal Marcel fazendo a limpeza das fezes dos animais. Aquilo me irritou profundamente pois ele estava atrasado para um serviço que já deveria ter sido feito para que o ambiente limpo estando limpo deixasse mais calma a égua para as aplicações dos medicamentos do tratamento dela.

-Por qual motivo o senhor se atrasou hoje?

Perguntei com a impaciência estampada na cara e na voz. E claro que o fato de eu não suportar este funcionário em especial que começou a trabalhar aqui há quatro meses, me faz ter o máximo de raiva em tudo que ele possa fazer que me desagrada.

- Não me atrasei, a senhora que não apareceu para receber as entregas das rações. Eu que tive de fazer a contagem e dar o OK no recebimento das sacas. Logo depois todo mundo saiu por conta própria já que a senhora não havia comentado sobre horas extras hoje.

Na mesma hora o rubor da vergonha queimou minhas bochechas, depois a raiva. Droga! Fui eu quem ficou fazendo hora na cama à toa.
E o infeliz falou sem nem me dar bom dia ou parar o que estava fazendo para falar diretamente pra mim. Se bem que... eu também não dei bom dia pra ele e fui logo chamando atenção quanto ao suposto atraso e quem havia errado era eu.

-Desculpa!

Não tive como falar outra coisa e isso me foi um soco moral.

Esse cara sempre me incomodou desde que chegou aqui, a aparente calma que me respondia sempre que eu reclamava de algo não condizia com as expressões faciais que ele deixava transparecer nessas ocasiões. Ele enrugava a testa, mordia os lábios, virava de costas, demorava a responder, me deixava do mal humor ao pior.
Do pedido de desculpas não obtive nenhuma palavra vinda da parte dele.

- Eu te pedi desculpas.
Falei.

- Aham, tá de boa.

- “Aham, tá de boa" O que? Poderia ter acontecido algo diferente disso?

Questionei no auge da irritação.
Eu sei que exagerei e tenho plena consciência disso. Na verdade as minhas frustrações estão saindo de dentro de mim para atingir um funcionário que nada tem a ver com elas.

-Senhora Bruna, jamais poderia ter acontecido algo diferente disso. A senhora é quem manda e eu como funcionário obedeço, nada de diferente poderia acontecer. Me desculpe se pareceu que eu lhe respondi mal, não foi minha intenção.

Não falei mais nada, fiz o que tinha que fazer e com o auxílio dele em completo silêncio tratei do animal em questão.
Mais tarde voltei pra sede e almocei. Ficar sozinha no quarto seria pensar em Hugo, chorar, me encarar, me lamentar.
Fui para o escritório de papai para pesquisar na internet, ler, estudar alguns temas, até que lá pelas cinco da tarde decidir sair à cavalo. Eu mesma coloquei a cela, saí cavalgando em direção aos limites com a fazenda vizinha, pensando num cara que me desprezava.
Tomei um susto quando subir um pouco o relevo e vi Marcel montado num cavalo dando de cara comigo. Sentir medo e no impulso de fazer meu cavalo dar meia volta me desequilibrei do animal e quase caí não fosse a rapidez de Marcel ao desmontar e me segurar mantendo meu equilíbrio no dorso do bicho.
Tudo foi tão rápido que o toque dele em minha coxa sobre a calça de montaria fez desaparecer num piscar de olhos qualquer resquício daquele medo momentâneo.

- Cuidado, moça! Não vou fazer mal a senhora.

Decidir descer e ele me ajudou.
- Obrigada Marcel.

O toque, a presença diferente, a voz, o jeito dele naquele momento, tudo isso estava me fazendo sentir cócegas na barriga. O mundo parou, eu o puxei e beijei, isso, assim mesmo, do nada, sem pensar, sem me cobrar.
Ele retribuiu. Um beijo de verdade, na boca, de homem e mulher, intenso, com gosto de liberdade pra mim. Ele segurou meu rosto para me olhar 1 segundo e me beijou novamente, a barba por fazer roçando minha pele, não me importei com nada, nem com meu corpo e nem com a idade dele provavelmente dez anos mais velho. Eu queria mais, muito mais e quando parei de beija-lo e olhei para o local onde era guardado o material para a manutenção das cercas, ele entendeu tudo.

-Se a senhora me permitir...
Eu o interrompi
- Bruna, fala Bruna.
Eu disse segurando o rosto dele e abaixando para sentir melhor seu cheiro.
- Bruna, se me permite dizer que eu quero você nesse exato momento o que me falaria?
- Eu diria apenas que você tem a permissão concedida pra isso.
Respondi num sussurro no ouvido dele.
- Mas não ali.
Ele falou apontando com o queixo para onde eu teria olhando antes quando insinuei meu desejo.
Montamos em nossos cavalos com pressa e cavalgamos em direção aos dormitórios de alguns funcionários. Entramos pelos fundos para evitar supostos olhares.
Marcel passou a tranca na porta e começamos a nos tocar e despir com um desejo faminto.
- Você é linda!
Ele disse.
Não me sentir incomodada, não me preocupei com nada. Estar vivendo aquele momento com um homem que demonstrava prazer pelo maneira que me conduzia ao ápice da satisfação, pelo toque, e tudo que me fazia sentir e sequer parecia com o garoto ridículo ao qual eu havia perdido minha virgindade anos atrás.
Às sensações com Marcel foram maravilhosas, a maneira como ele me conduzia, tocava, o prazer que o vi sentir sendo proporcionado por mim e a essa altura do campeonato, Hugo passou a ser apenas um babaca que quase toda mulher já perdeu tempo achando que ele valia alguma coisa em algum momento da vida.

PERMISSÃO CONCEDIDA AO ENTARDECEROnde histórias criam vida. Descubra agora