Encontro à meia noite

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Quando a porta se abriu, foi uma confusão de braços e bocas. O homem alto, de terno caro, tinha sua gravata sendo jogada no assoalho pelas mãos ágeis da acompanhante, ao passo que ele tocava uma de suas coxas, aprofundando um pouco mais a fenda do vestido dourado. Agarravam-se de forma violenta, interrompendo apenas para retomar o fôlego para a nova investida.

A casa estava bem escura e silenciosa. Os empregados tinham ido embora há horas, afinal, era quase meia noite. Sem desgrudarem os lábios, empurrou a porta com um dos pés. Esbarraram no piano e uma nota musical solitária interrompeu a sequência de carícias. Ele jogou a chave do carro, enquanto a mulher soltou uma pequena gargalhada, movendo a cabeça para trás. A exposição de seu pescoço despertou um novo desejo em seu companheiro. Agora os lábios desciam e subiam pela pele nua e macia, antes de retornarem à boca sedenta.

Não esperou mais. Pegou-a no colo. Sentiu as pernas femininas agarrarem seu quadril e dedos finos se aventurarem por seus cabelos. Nesse enroscado de toques e línguas seguiu até o sofá. Largou-se entre as almofadas, pronto para ser cavalgado pela sedutora mulher que estava sentada sob seu corpo. Pop! - um estalo inesperado fez o casal congelar. Olharam para o lado, procurando a origem do barulho. Ao bater de duas palmas, as luzes da sala se acenderam, revelando uma espectadora incomum.

Uma menina baixinha, prostrada na outra ponta do comprido sofá, tinha acabado de estourar uma bola de chiclete. Não parecia surpresa com as cenas quentes que presenciara, seu semblante era puro tédio. O homem ergueu-se de forma desajeitada, quase levando sua parceira ao chão. Tentou arrumar a roupa amassada e abotoar novamente a camisa, antes de encarar a jovem. 

Com um salto gracioso, ela levantou e encurtou a distância entre eles. Séria, observou a mulher de dourado. Tinha marcas de chupão no ombro e uma das alças do vestido estava caída. O batom não existia mais, bem como seu penteado. Era uma bagunça, embora permanecesse bela em sua tentativa de manter o orgulho, quando tinha acabado de ser pega em uma situação constrangedora. A garota passou, então, a analisar o homem. Agora, melhor composto, tentava pronunciar algo ininteligível. 

— Appa! – A baixinha chamou, com um sorriso vitorioso. — Ela será minha nova mamãe? – Sua voz era doce ao se virar para a mulher desconhecida.

A companheira engoliu em seco, sem entender nada. A menina aproveitou a confusão para se aproximar mais. Fez aegyo e repetiu incansavelmente a palavra "omma". A mulher foi andando para trás, batendo em alguns móveis, mas a jovem a seguia de perto, dando abraços e beijos. Elogiava a beleza e para tudo completava: "sempre quis uma mãe assim". Quando a mulher deu por si, já estava na entrada da casa.

— Omma, desculpe, mas ele é só meu. – A garota pegou a chave do carro em cima do piano e entregou nas mãos da mulher. Sorriu e bateu a porta, deixando a outra para fora.

O homem continuava na sala, pateticamente. Estava de pé, furioso e constrangido. Tentava organizar seus pensamentos, contudo tudo que conseguiu dizer foi: "Alice!". O tom bravo na voz de seu pai fez a menina perder o sorriso. Tornou a sentar no sofá. A seu lado havia uma mala de rodinhas rosa. 

— Então esse foi o motivo para adiar meu retorno, Kang Jong-su? – Fixou os olhos verdes e desafiadores nos de seu pai. Antes que qualquer desculpa pudesse ser pronunciada, ela continuou: — Sei que essa não foi a razão, mas já estava entediada no Brasil. As aulas da faculdade aqui começaram esta semana, não queria perder mais um segundo. – Fez uma pausa dramática, tentando captar alguma reação positiva do homem. 

Jong-su havia sentado a seu lado. Pela primeira vez percebeu a pilha de malas e caixas junto à estante de vidro. Tocou o topo da cabeça da menina, o que a surpreendeu. Estava feliz pelo retorno, entretanto, um ano sem se verem tinha criado um abismo entre os dois. Ele nunca foi um pai tão presente, embora nada faltasse à filha. Quando ela tinha 10 anos, Jong-su precisou voltar a Coreia definitivamente. A criança ficou entregue a diferentes internatos: dos EUA para o Brasil, país de sua mãe. Dali para Argentina, até retornar a solos nortistas. 

— Dinsu – as bochechas coraram ao pronunciar o apelido que dera ao pai quando pequenina. — Estou feliz em finalmente poder morar com você.

Ele a abraçou, sussurrando um meigo: "Eu também!". Depois, guiou a garota para o segundo andar da casa. Explicou que ela precisaria ficar no quarto principal, já que o dela ainda não tinha sido preparado para sua chegada. Alice não se importava. Levou sua malinha rosa e se despediu, ia dormir. O  homem se encaminhou para o escritório, local que serviria de dormitório por esta noite. Suspirou fundo. Durante algum tempo ficou perdido a fitar o teto. Lembrou, finalmente, de mandar mensagem ao secretário: "Cancele minha viagem ao Brasil".

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