Capítulo 7: "Os artistas convidados"

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Álvaro não conseguia acreditar que estava sozinho num quarto de luxo de uma casa de hóspedes de uma mansão do Jardins. Tocava todos os móveis, sentia o efeito que a riqueza ostensiva tinha sobre ele. A mesa de canto, as duas poltronas, a cabeceira da cama... tudo parecia feito à mão, com o maior esmero possível. O papel de parede, de detalhes sutis em marrom claro, não tinha uma mínima falha de continuidade. Uma garrafa de água personalizada repousava sobre uma escrivaninha, ao lado de um dos copos mais bonitos que ele já tinha visto em toda a sua vida.

Nem chegou a hesitar, após tomar um ótimo banho quente, em colocar a roupa que estava pendurada num cabideiro de madeira escura. Não hesitou porque sabia que a roupa estava separada para ele mesmo. Era o traje de gala de seus sonhos, e um que ele nunca acreditou que fosse vestir: camisa preta de linho, com a quantidade perfeita de botões; calça cor de chumbo, terminando pouco acima dos tornozelos; blazer de mesma tonalidade, com botões deslocados para o lado esquerdo; e sapatos de couro verdadeiro e sem cadarço, com pequenos bordados nas laterais do calcanhar.

Achou impossível desviar os olhos do espelho, mesmo enquanto posicionava as abotoaduras nas mangas. Álvaro tinha certeza de que seu momento tinha chegado. Depois de hoje, nada mais me tira dessa vida, ele repetia para si próprio. Penteou os cabelos no mínimo quatro vezes, até se sentir preparado. Um homem impecável.

Estava prestes a girar a maçaneta quando enfim percebeu que nem tudo estava perfeito no cômodo. E os dois defeitos o incomodaram mais do que ele poderia acreditar. Havia duas molduras penduradas nas paredes, uma de frente para a outra. E era só o que havia, molduras e nada mais. Nem espelhos, nem fotografias, nem quadros.

Retornou para olhar mais de perto. As molduras eram de uma bela madeira talhada num estilo moderno, mas não tinham efeito sem algo para envolver. Pensou estar tendo algum tipo de delírio, antes de esticar as mãos e tocar o que realmente era o papel de parede, ao invés de uma obra. Talvez seja minha...

Batidas na porta o retiraram dos pensamentos, ainda que não tenham sido fortes o suficiente para assustar. Foi até ela e a abriu, sem nem pensar em perguntar quem batia.

Lopes estava de pé do lado de fora, e também estava bem arrumado. Não tanto quanto ele mesmo, mas as roupas também tinham sido bem escolhidas para o motorista. Um conjunto verde escuro, de gola alta e mangas longas, com quatro botões laterais. Segurava em suas mãos outro tecido, dobrado, que Álvaro não reconheceu. Também tinha posto um pouco de maquiagem, especificamente sobre o hematoma e a cicatriz na têmpora.

— Diferente, sua roupa de gala — comentou para o motorista, com um tom cortês, até elogioso. — Também já estava escolhida para você?

— Não... tinha um armário cheio. Roupas parecidas, todas, pelo menos em estilo. — Ergueu a mão e estendeu o que trazia. — E esses aventais combinando. Parece uma vestimenta de...

Parou de falar quando dois dos mascarados se aproximaram. Os mesmos dois que os tinham trazido, como Álvaro pôde sentir em seu âmago.

— Vamos. — A comunicação não verbal do dono de Dínamus chegou até ele, outra vez de uma forma não identificada.

Fizeram o caminho de volta para a edificação principal, e ambos perceberam que alguns dos convidados silenciosos do lado de fora moveram lentamente as cabeças, como se os olhassem. Alguns até os seguiram, porta adentro.

Álvaro viu uma bandeja flutuante passando próxima. Oferecia um uísque de altíssimo luxo, daqueles que só tinha ouvido falar.

— Posso? — perguntou ao seu acompanhante silencioso.

— Com certeza.

A garrafa levitou sozinha e encheu um copo. Duas pedras de gelo também passearam no ar e se depositaram em meio ao líquido amarronzado. O conjunto se descolou da bandeja e repousou na mão do empreendedor, que observou, curioso. Curioso, não mais amedrontado; tinha desistido de tentar compreender, e, ao aceitar que estava diante de algo que não teria como explicar, decidiu apreciar cada pequeno ocorrido.

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