Com um balançar suave em meu ombro, desperto assustada tentando assimilar onde estou. Percebo que acabei adormecendo no banco da barca.
- Senhora? Já chegamos, precisa desembarcar... - Diz o rapaz franzino da tripulação meio sem jeito .
- Ah, sim, desculpa...- Murmuro envergonhada, pegando minha mochila e casaco.
Indo em direção a saída vejo que provavelmente sou a última passageira a sair. Assim que piso em terra a primeira coisa que procuro é uma lanchonete, ou algo do tipo, porque nem lembro a última vez que comi alguma coisa que não saísse de uma máquina.
Não importa se são de delegacias, hospitais ou hotéis baratos, todas tem o mesmo sabor de plástico e papelão. Tenho saudades da minha cozinha... Não, não posso pensar nisso agora. Tenho que me manter viva primeiro, depor no julgamento e recuperar a minha vida. Uma coisa de cada vez, tento pensar...
Primeiro passo para a sobrevivência café da manha, segundo passo encontrar a senhora Mila e descobri qual será a casa que o programa de proteção a testemunha designou para mim. E é claro, achar um trabalho.
Só de pensar nisso estremeço por dentro, afinal terei que começar tudo do zero, "adeus" anos de dedicação na faculdade e incontáveis horas no programa de residência e "olá" senhorita Amélia Rose Dantas, sim esse é meu novo nome, acho que dei sorte, é melhor que o nome que meus pais escolheram....
Ao sair do terminal das barcas vejo a pitoresca cidadezinha que me aguarda. Com pescadores lidando com seus barcos, crianças brincando, pessoas indo para o trabalho, gaivotas gritando ao longe, esse seria meu novo lar por tempo indefinido...
Um pouco mais a frente aninhado entre um loja de presentes e um centro imobiliário, estava o " Jorge bar e restaurante ". De onde vinha um revigorante cheiro de café, ao entrar vi que todas as mesas estavam cheias e me encaminhei ao balcão. Conforme ia andando pude sentir os olhares das pessoas a minha volta, acho que é padrão em cidades com menos de três mil habitantes.
Quando sentei em um dos banquinhos vagos do balcão deixei minhas coisas no chão e fui ler o cardápio, logo fui saudada por um simpático, e devo acrescentar, bonito garçom.
- Bem vinda ao Jorge bar e restaurante, qual o seu pedido?
- Bom dia, um café completo para uma pessoa. Por favor.
- Saindo querida. - Disse se afastando.
Aproveitei para deixar meu olhar vagar ao redor, e perdida em pensamentos me surpreendi quando uma caneca fumegante de café foi empurrada a minha frente.
- Querida você parece distraída. - Disse o garçom.
- Estou, eu acho. Você chama todas as mulheres de querida?
- Só as que eu não sei o nome.
- Amélia, muito prazer. -Disse estendendo minha mão por cima do balcão.
- Bom Amélia, eu sou o Pedro. Está na cidade de passagem?
- Não, vim morar. Por acaso conhece a senhora Mila? Tenho que me encontrar com ela hoje.
- Interessante... E sim, eu conheço. Vai encontrá-la subindo a rua virando a primeira direita, na praça da cidade.
- Obrigada.
- A qualquer hora linda.
Antes que eu pudesse reagir ao seu elogio ele já tinha sido chamado por outro cliente. Me concentrei em tomar meu café, depois paguei a conta e tentei seguir as instruções do Pedro sem me perder. Quando cheguei na praça e vi muitas senhoras em um grupo de yoga, surpresa era o mínimo, e também frustração afinal qual delas seria?
Analisando tudo resolvi sentar em um dos bancos e esperar, seria muito mal educado da minha parte interromper a aula. E comecei fazer o inventario de tudo que tinha, um par de roupas, documentos novos, barrinhas de cereal e um pouco de dinheiro que saquei da minha conta. E nem tão cedo eu poderia mexer nas minhas contas, usar cartão de credito, ou Deus me livre, fazer uma ligação a minha família.
Quase fui morta ao presenciar um terrível crime e o meu único alivio era não ter que falar com meus pais, tive que rir, mas pensando bem não tenho muito para quem ligar além dos meus pacientes, ou melhor ex-pacientes. Sempre fui viciada no meu trabalho e agora estava passando por uma desintoxicação forçada.
A pior coisa que ouvi nos últimos dias foi que não poderiam criar uma nova licença médica para mim. A única coisa na qual eu tinha apego. Vivi e respirei medicina desde meu ensino médio, sempre focada e agora isso.
- Ei! Imagino que você seja a adorável Amélia certo ? Eu sou a Mila, sua senhoria.- Diz uma senhora de idade se aproximando de mim. Com um sorriso gentil no rosto.
-Isso mesmo. Eu fico feliz em encontrar a senhora, estava esperando a aula acabar, mas me distrai.
- Ah, minha jovem não precisa de formalidades, me chame apenas de Mila. Logo iremos ser grande amigas, junte-se a mim, a casa é bem perto daqui como lhe disse por ligação. Uma caminhada rápida de cinco minutos.
- Claro senh....Mila.- Digo sorrindo sem graça e a seguindo pelas ruas da cidade.
Logo chegamos a casa estilo vitoriano com lindas rosas no jardim da frente. Fico admirada com o lugar de cara.
- Entre, o loft é nos fundos, vai indo, vou entrar e pegar seu conjunto de chaves.
Sigo a instrução e vou andando pela lateral da casa ate chegar no loft dos fundos, que basicamente é um garagem reaproveitada. Embora seja modesto, para dizer o mínimo, é o que a policia vai pagar.
Tento a porta e ela abre, vejo que é limpo e muito fofo. Com uma cozinha pequena, uma sala e o banheiro, logo acima vejo uma escada que imagino levar para cama. Ao menos era o que dizia na descrição do lugar, mas a melhor parte é que esta mobilhado.
Esse será meu lar, meu tempo em espera até tudo se resolver em casa.
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A TRANSFORMAÇÃO PARA AMÉLIA
Mystery / ThrillerUma jovem presencia um terrível crime e ao entrar no programa de proteção a testemunha é enviada a uma pequena cidade para se esconder até a data do julgamento para dar seu depoimento decisivo. Nesse tempo terá que se reinventar e viver uma nova vid...