Prólogo - Logan

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Nas vezes em que tive Rosa Hernandez sob meus olhos foi exatamente como se visse uma flor desabrochar.

Ela era inegavelmente bonita por debaixo daqueles longos cabelos lisos que insistiam em esconder seu rosto, não apenas emoldurá-lo. A franja cheia cobrindo parte de seus olhos castanhos escuros me fazia questionar se ela sabia o quanto aquilo lhe acrescentava um ar misterioso e, não, talvez, uma tentativa vã de se ocultar, manter-se como mais uma dentre tantas outras alunas na Universidade de Cambridge.

Não. Pelo contrário.

Ela se sentava nas carteiras da frente e eu observava os fios pesados escaparem por suas orelhas, seus dedos delicados atravessando a cortina sedosa ao tentar deixá-los disciplinados nas costas enquanto escrevia algo em seu caderno, atenta ao que o professor dizia. Vez ou outra, ela os prendia em um coque e enfiava um lápis entre eles, e eu me demorava admirando sua nuca, o pouco de pele que expunha ao tirar o cachecol e apoiar o queixo à mão.

Os cadernos vinham entre seus braços, os passos apressados pelo corredor como se não soubesse há tempos o que era não estar atrasada. Normalmente usava muitos casacos, um sobre o outro, mas o primeiro que vestia, o que cobria sua pele sem nem ao menos uma camisa por baixo, sempre tinha um capuz que escapulia sobre as outras vestimentas e escondia o pouco da pele que eu gostava de admirar.

Por todo o primeiro semestre, nós nunca trocamos uma palavra e, contraditoriamente, ela não chamaria a minha atenção se não tentasse se esconder tanto.

Eu já estava acostumado com as garotas ao meu redor, caras e bocas assanhadas, olhares fatais e decotes profundos. As que conheciam meu sobrenome e as que ainda não sabiam sempre estavam ao meu lado por um destes dois motivos: o peso da minha coroa ou do meu corpo sobre o delas. Contudo, quando invariavelmente descobriam que eu sou um herdeiro da dinastia Humphrey, eu me tornava mais atraente ainda, o que de modo algum me afetava; não, esse não era meu caso.

Eu pouco me importava.

E até admito que usava o principado a meu favor. Por que não usaria? Eu sou um príncipe e se não se pode fugir desse fato, deveria me render a ele. Eu tinha um berço, tinha um destino. Tinha um fardo.

Durante os primeiros meses, nunca a vi nas festas de fraternidades, ainda que tivesse sido transferida no início do ano letivo e, estranhamente, no penúltimo período da faculdade. Também nunca a via em companhia de ninguém, a não ser de seus livros de segunda mão. Nunca a vi sorrir ao espiar ao redor ou comer algo saudável, além de biscoitos industrializados que carregava na estranha bolsa estampada de flores muito coloridas a tiracolo — talvez a única coisa com cor que usava, ainda que feia.

E, mesmo assim, eu não conseguia parar de observá-la como se carregasse consigo a primavera em qualquer estação.

No começo do semestre seguinte, conforme esquentava, seus casacos iam saindo peça por peça como pétalas, e eu mordia a ponta de meu lápis vendo-a usar camisetas ou vestidos folgados demais para seu corpo muito magro.

Ela devia ter por volta de vinte e um anos, mas mal parecia ter passado dos dezesseis, não fossem seus olhos expressivos e... tristes. Suas roupas diziam claramente que era uma bolsista e seus olhos não a deixavam mentir.

Assim como não mentiam quando me encararam por raros segundos na primeira vez que a vi em uma festa — logo a minha — no fim do penúltimo período, ou quando sussurrei em seu ouvido na manhã seguinte, e em todas as vezes que arranjei um pretexto para estar ao seu lado ou importuná-la com minha presença constante, resultado da estranha atração magnética que ela exercia sobre mim.

Como algo exótico que eu precisava possuir.

Rosa Hernandez arregalava os olhos e os longos cílios negros descortinavam sua alma quando olhávamos pelo telescópio na aula de Astronomia, e eu esquecia que existia qualquer outra pessoa no mundo e me perguntava como poderíamos existir no mesmo universo, sem entender o motivo de tanta atração pelos longos meses que a tive para mim.

Sim, finalmente eu tive Rosa Hernandez para mim.

Quando a toquei pela primeira vez, eu a vi desabrochar sob meus dedos.

E, quando a soltei, mandando-a embora de minha vida, seu olhar árido me jurou que eu nunca mais saberia o que era amor.

Príncipe InsolenteOnde histórias criam vida. Descubra agora