I

42 2 0
                                    

*Sem revisão.

Corro para atravessar a rua.
Olho no relógio e percebo que faltam apenas cinco minutos para o Fórum fechar.
Os papéis em minha pasta precisam ser entregues com urgência.
O Marcos me disse que o prazo final é hoje.
Acelero o passo e, mesmo com pressa, uma cena chama a minha atenção.
Uma menina está totalmente distraída tomando sorvete na calçada.
Ela não olha para os lados nem à sua volta, senão perceberia um moleque de olho nela e no celular preso na lateral de sua mochila.
Ando mais rápido ao encontro dela.
O menino finge esbarrar e sem que ela perceba ele retira facilmente o celular da mochila e foge.
Rapidamente cerco o garoto, antes que ele atravesse a rua.

--Me devolve o celular. --digo segurando o braço magrelo dele.

--Eu não peguei nada, moço. Me solta.

--Pegou sim. Eu vi você furtando o celular da menina.

Algumas pessoas aglomeram perto de nós e o garoto olha em volta, assustado.

--Se você não me devolver o celular eu vou chamar a polícia.

No mesmo instante, ele enfia a mão em seu agasalho e me entrega o celular.
Olho o aparelho e fico perplexo por ser um telefone de última geração.
O menino puxa o braço do meu aperto e sai correndo.

As pessoas que estão próximas ficam indignadas ao vê-lo se afastando e comentam do perigo que está a área e o crescimento do número de assaltos na região.

A dona do celular se aproxima com os olhos arregalados atrás das lentes do óculos de grau.

--Fica atenta moça. Ele estava de olho em você.

--Obrigada. --agradece com os olhos lacrimejando.

Quando ela toca a tela do celular, vejo que meus cinco minutos passaram.
Desvio das pessoas e corro até a entrada do fórum.
O rapaz da portaria estava fechando as grades do portão.
Subo as escadas aos tropeços.

--Por favor. Deixe-me entrar. Hoje é meu último dia de prazo.

--Você não é fácil, hein. Entra logo porque eu já fechei e você estava aqui dentro, no banheiro. --ele fala baixo e sorri.

Enxugo  o suor da testa e paro no balcão de protocolo.

--Por favor, não me xinga. Eu prometo que serão poucos papéis.

A atendente ri de lado e estende a mão.
Ufa!
Consegui!
Se eu voltasse com os documentos para o escritório, o Marcos iria me matar e ainda falaria com meu pai que eu não sirvo para trabalhar com ele.

Mais de seis meses que estou trabalhando no escritório e estou adorando.
Estou passando por todos os setores.
Fiquei na recepção, no atendimento on line, no RH, no setor de compras, no marketing e agora faço serviços de rua.
De todos esses, o marketing e os serviços bancários foram os que eu mais gostei de fazer.
Lembro-me de quando sugeri fazer uma publicação nas redes sociais e por causa dela apareceram novos clientes para o escritório, o Marcos me parabenizou na frente de todos os funcionários e o melhor de tudo foi receber o elogio do meu pai.
Ele disse que estava orgulhoso de mim.
Minha mãe me encheu de beijos e disse que eu tinha muito talento.
Foi a melhor recompensa que eu poderia ter.

--Pronto. Dá próxima vez, chegue mais cedo viu. --a moça me passa os recibos de protocolo.

--Prometo que não chego mais em cima da hora. Muito obrigado. Desculpa moça. --pisco pra ela.

--Tchau. --ela sorri.

Mais aliviado saio do Fórum com passos lentos.
Agradeço também o rapaz da portaria.

Assim que chego na calçada procuro a menina do celular.
Olho na porta da sorveteria e não a vejo.
Que pena!
Queria saber se estava tudo bem com ela.
Não deu tempo nem de perguntar o nome dela.
Caminho de volta para o escritório.
Talvez amanhã eu a vejo no mesmo lugar.
Vou tentar passar aqui no mesmo horário.

Meu coração ainda está disparado.
Nem percebi que o menino tinha pego meu celular na mochila.
Foi tão rápido.
Seguro forte o aparelho sobre o meu peito.
Não quero nem pensar se ele tivesse sido levado.
Eu iria chorar muito.
Eu queria tanto esse celular e ganhei semana passada no meu aniversário de dezoito anos. É o modelo que eu sonhava.

--Tudo bem, princesa? --papai pergunta.

--Sim. --respondo num fio de voz.

--Você está com medo de alguma coisa? Porque está com a carinha de assustada.

Ajeito o óculos no rosto antes de responder.

--Não, papai. É... é que estou com vontade de ir ao banheiro. --invento.

--Estamos quase chegando. Como foi a aula hoje?

Meu pai começa a perguntar.
A única coisa que eu queria agora é chegar em casa e me esconder em meu quarto.
Mas papai, como sempre, faz o seu interrogatório.

Assim que entramos em casa corro para o quarto. Com o celular nas mãos, vou para o banheiro e me tranco.

--Filha? Rafa? Tudo bem meu amor? --mamãe bate de leve na porta.

--Sim, mãe. Vou tomar banho. --respondo sentada no sanitário.

Ela não diz mais nada e ouço se afastar.

Olho para o aparelho em minhas mãos e uma lágrima escapa dos meus olhos.
--Por pouco eu te perdia, lindo. Não faz isso comigo. --converso com meu celular.

À noite tenho pesadelos.
Sonho que estou sendo assaltada, que há tiros. Vejo o rapaz que me salvou ser baleado e morrer em meus braços.

--Haaa. --acordo sobressaltada.

--Rafa? Está tudo bem. Estou aqui. Foi só um pesadelo. --sinto minha irmã me abraçando.

Meus pais entram no quarto e minha mãe me abriga em seus braços e desliza as mãos nas minhas costas.

--O que houve?

--Acho que ela teve um pesadelo, pai. E acordou gritando e chorando.

--Já passou, meu amor. Mamãe está aqui. Foi só um sonho ruim.

Eu não sei porque estava chorando como uma criança pequena.
Só sei que me deu vontade de chorar.
Apertei a minha mãe e escondi o rosto em seu peito até pegar no sono outra vez.

À primeira vistaOnde histórias criam vida. Descubra agora