O barulho do despertador é o primeiro som que me atinge, a melodia animada de uma batida de jazz – que supostamente devia me animar – faz com que um gemido escape pelos meus lábios. Enganado está quem acredita que o som é de prazer.
— Merda. — Sem o mínimo ânimo, me ponho de pé, bocejando, enquanto os sons de buzinas, burburinhos e cantar de pássaros ecoam do lado de fora.
A dois anos atrás seria impossível ser agraciada por tais barulhos, já que toda a porcaria da França estava enterrada em escombros, os lagos cheios de sangue e a Torre Eiffel enfeitada com cadáveres.
Os sobreviventes do vírus pandêmico, que destruiu todo o mundo, como eu, se esconderam nos antigos túneis subterrâneos, as tão famosas catacumbas de Paris. Dos em média, 65 milhões de habitantes da França, 28 milhões continuam vivos.
Devastador, certo? Mas isso é passado, não quero me relembrar do que tivemos que fazer para sobreviver, quero pensar no agora, e no fato de estar a salvo.
Abro o registro da água e adentro na banheira escaldante, me permito relaxar por seguidos minutos, antes de me enrolar na toalha felpuda e ir para minhas araras de roupas, escolho uma meia calça, saia, blusa de manga longa e botas. Como a boa parisiense, ao descer as escadas do prédio em que vivo, passo em um bistrô, pegando um croissant e caminhando até meu trabalho.
A loja de cerâmicas está com a fachada praticamente aberta, mesmo que ninguém tenha a aberto ainda. Outro bônus do quase fim mundial apocalíptico. Ninguém mais rouba, ou mata... bom, quase ninguém.
Uso minhas chaves para destrancar as portas, me ocupo em abrir as janelas, arrumar as estreantes e ligar os computadores. Não demora muito para que minha chefe chegue, com seus cabelos esvoaçantes vermelhos, de dar inveja. Os olhos azuis brilhantes não escondem sua... particularidade.
— Bom dia, Naomi, dormiu bem?
— Bom dia, chefe, feito uma pedra! — Não cometo o erro de perguntar se ela dormiu bem, já que pessoas com o vírus, bom, não costumam dormir.
A ruiva sorri em resposta, antes de seguir para sua sala, me deixando sozinha. Alguns clientes chegam, e os atento com a maior calma do mundo, o bom dos que restaram é que a maioria se tornou bem educada, impressionante como precisamos de uma quase extinção para que as pessoas passem a ter respeito.
Quando termino de atender um casal de adolescentes ela com o vírus e ele sem – que pasmem, levaram canecas combinando – Bastien atravessa as portas de vidro, fazendo o comum som de sino reverberar pelo lugar.
— Olá docinho, — ele faz questão de passar a mão no cabelo pintado de verde, e dar uma picadinha para mim — solteira?
Prendendo a risada, e dando meu sorriso mais sedutor, o respondo. — Para você? É claro que sim. — Nenhum de nós consegue segurar a gargalhada, e o mesmo ultrapassa o balcão, se postando ao meu lado para me ajudar.
— Sabe, gata? Sua cara está péssima, vai assustar os clientes. — Ao terminar sua fala, ergo meu dedo do meio para ele, resmungando sobre como já vendi seis cerâmicas em duas horas.
— Continuando, tenho ingressos para uma balada, hoje a noite, – abro a boca para negar, mas o mesmo é mais rápido que eu – e isso não é um convite, é uma intimação.
— Vou pensar no seu caso. — Respondo no instante que o som do sino soa, e logo nos preocupamos em atender o cliente e atualizar os recebimentos dos materiais, para que nossa chefe faça mais cerâmicas.
[...]
Termino de comer o éclair, lambendo os dedos, não é atoa que meu rosto está todo oleoso, vou precisar de uma boa base.
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After the Apocalypse
FanfictionOs dias que sucederam o fim do caos, a queda dos muros, a volta da civilização, eram para ser a maior conquista daqueles que sobreviveram, mas é claro que as pessoas sempre são fodidamente ingratas. O mundo ainda se divide em duas vertentes, os que...