Todos reclamavam da comida por aqui, cada almoço é uma surpresa, já viu algum estrogonofe ruim?? Bem aqui é insuportável. O gosto dessa carne é amargo, áspero e duro. Consigo lembrar o sabor como se fosse hoje, bem talvez seja. Tenho a eternidade para contar essa história, então não os pouparei dos detalhes. Tudo começa naquela ideia maluca, eu costumava ser tão estupido aquela época.
- Joe, vamos pegar suco na cantina antes do intervalo.
- Eu diria que isso é errado, mas essa é a única coisa que consigo comer aqui.
- Vem, ninguém verá.
Bem eu tenho quase certeza que esse dialogo foi assim, mas faz tanto tempo, não sou capaz de me lembrar. Bem sei que procuramos malucamente os sucos, mas não estavam lá. Quando o mais ingênuo que eu, Joe, encontrou uma escada, A Escada. Meu eu sempre foi tão impulsivo, dava pra ver a felicidade em meu rosto ao correr até aquele porão. Um corredor estreito e obscuro com quadro de alunos formandos do ano passado e ao fim uma porta grande com uma parte de vidro.
Olhei no fundo dos olhos dele e foi mutuo o sentimento de necessidade de entrar, parecia um lugar misterioso, uma nova descoberta, a porta estava destrancada, então decidimos ser rápidos para evitar que alguém nos visse. Os primeiros cinco minutos lá foram deslumbrantes, uma espécie de cozinha industrial com painéis automatizados e freezer ultra potentes, mas ainda me pergunto porque não fomos embora ali.
- Ei Breno, vamos abrir aqui, ta quase na hora de subirmos né!
Fator que deveríamos ter pensado antes, mas abrimos, e não sei como descrever, não tinha cheiro, não tinha sangue, apenas estalvam ali, pendurados, cerca de 10 corpos, todos visivelmente pálidos.
- Jo..joe, esse não é o Thomas?
- Breno... esse é o Juan?
Estavam ali, mortos. Eles estudavam, ou estudam na faculdade que divide prédio com a nossa escola, onde estavam ali, no freezer. Eu provavelmente iria tocá-los para ter certeza que eram reais, mas ouvimos um barulho das merendeiras entrando naquela cozinha do subsolo, eu fechei o freezer e puxei ele pra atrás de um balcão.
Eu sinto muito por te contar o que vi aquele dia, algumas coisas na vida são tristes mesmo, lide com isso. Maria, a menrendeira que hoje, sei ser de caráter duvidoso, puxou os 4 corpos para uma esteira, e ali ela juntamente com mais 3 mulheres aparenrementes sem expressão facial e em processo de hipnose, começaram o trabalho.
Num modelo Fordista de produção de carne humana, eu e meu amigo assistimos cada processo, primeiro a pele era retirada, depois a cabeça e orgãos internos, ao final o fatiamento da carne para temperar e concluir o preparo. As palavras ditas eram única e exclusivamente de Maria, sempre usando verbos imperativos questionando a ineficácia das outras moças.
Segurei a mão de Joe e olhei no fundo dos olhos dele, o choro foi silencioso e árduo.
- Vamos Garotas, avisaremos a senhora Machado que a turma ADM 2019 acabou, e entraremos com o pedido da carne EM 2019.
Quando tudo pareceu seguro agarrei a mão de JJ e corri, corri o mais rápido possível, entramos no banheiro e tentamos não colapsar. Aquele diálogo foi o mais inexplicável que ja tive em toda minha vida, considerando que agora nem sei mais a minha idade real.
Era impossivel eles estarem mortos, minha mente ainda não estava pronta. Eu havia conversado com eles naquele mesmo dia, enquanto aqueles corpos pareciam estar ali a meses. Maldito seja o bom espirito jovem tomado pelo desejo de consertar tudo a sua volta e explorar todas as coisas. Naquele dia voltei pra casa e chamei Jj para "dormir" lá, passamos a noite toda planejando a volta a cozinha metida a carneficina.
Decidimos ir no dia seguinte de madrugada, entramos fácil e absurdamente despreparados, com esperança de tudo ser uma piada de muito mal gosto. JJ me emplorou aquele dia pra que ele entrasse sozinho pq ele odiava vigiar e queria me protejer. Sabe ele sempre foi um anjo, e eu deixei... É tudo culpa minha, talvez tudo que no meu presente seja punição divina.
Eu esperei uma hora e ele não tinha voltado, eu decidi entrar na cantina então desci lentamente a escada, quando vi Joe do otro lado da porta, ele estava sangrando, tossindo sangue e com sua mão toralmente vermelha desesperado escreveu na porta "Run" com seu próprio sangue. E eu.... eu fui, corri o mais rápido possivel sem olhar para trás. Eu o deixei lá, só.
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Em Memória de Joe
Mystery / ThrillerDois alunos de uma escola técnica, ao tentar roubar sucos da merenda descobrem um segredo obscuro na escola e dos ex-alunos.