Capítulo 1

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Todos nós somos parte de um plano maior, peças de um tabuleiro de xadrez onde o universo e o destino nos jogam, manipulam e descartam constantemente. Somos pequenos pedaços de uma grande história que nunca acaba e sempre renova seus personagens. Nem todas as histórias são justas, nem todas as decisões são fáceis. Fazemos o que fazemos pelo bem daqueles que amamos e vamos além do que podemos, se for necessário.Apesar de preencherem a humanidade com diversas coisas ao longo da vida, sempre procuramos nos completar com o amor, e isso independe da forma que demonstramos, da forma que sentimos, da forma que cuidamos. Nascemos e morremos por causa do amor, damos a nossa vida por quem prezamos pelo bem.Choramos e sentimos dor na esperança de podermos sorrir depois.Choramos e sentimos dor na esperança que nossos amados possam continuar sorrindo.

Anna

O nosso pequeno apartamento havia se tornado gigante desde que meu irmão Taehyung havia partido para a guerra. O quarto dele estava exatamente da maneira que ele havia deixado - organizado e metódico, assim como sua reputação militar-, suas camisas penduradas pela ordem de cores, calças pretas e cinzas organizadas por ocasião ou tempo de uso. Havia um pequeno biombo onde uma calça de pijama preta e uma camisa branca estavam jogados, este escondia uma pequena pia com um espelho, onde ele deixava suas pomadas para o cabelo e outros cosméticos para seus cuidados - sempre foi muito vaidoso e altamente cobiçado nos bailes da cidade.O meu quarto, por outro lado, misturava roupas em uma cadeira, algumas roupas de uso rotineiro estavam jogadas em cima do que deveria ser a minha cama, meus cosméticos e maquiagens perdiam espaço na minha penteadeira para as cartas que eu escrevia para meus irmãos; muitas destas cartas estavam escritas pela metade, outras eram respostas que eu recebia raramente. Havia cartas tão pequenas que mais pareciam bilhetes, e eu sabia que elas eram escritas pelos pais adotivos de Elly. Eu suspeitava que eles nunca lhe deram uma única carta minha.O terceiro quarto estava praticamente vazio, ele aguardava pelas futuras ocupantes. Havia um armário e uma beliche, que era o suficiente para que as duas se instalassem na casa, os outros móveis procuraríamos juntas. Sempre que eu limpava esse quarto, ficava imaginando ele sendo ocupado pelas meninas, repleto das coisas que elas mais gostavam. Não teríamos uma vida tão luxuosa quanto a que tínhamos antes dos nossos pais falecerem, mas poderíamos estar juntos como uma família de novo, e era isso que importava.


Minha rotina era alternar entre a costuraria e a casa. A minha semana quase inteira se resumia em pisar no assoalho do apartamento apenas para comer e dormir. Eu levava muito trabalho para casa - alguns bordados de vestidos, desenhos com modelos de roupas - e acabava por muitas vezes dormir no sofá. Morando sozinha, os outros cômodos só existiam para enfeite. Assim como eu, esses lugares aguardavam a chegada dos meus irmãos.Eu ouvia comentários nas ruas, falando sobre como a guerra já estava se encaminhando para o fim, e que sairíamos vitoriosos. Mães, Tias, Avós, Esposas, Irmãs e FIlhas comentavam sobre a volta de seus parentes para casa, pelotões sendo dispensados e soldados sendo condecorados por seus grandes feitos. Nosso país já estava cessando fogo e preparando os acordos e sanções. Finalmente aqueles momentos de pânico, dor e medo estavam chegando ao fim.Enquanto bebia uma xícara de café, estava lendo a última carta que "Elly" havia me enviado, ela dizia em letras garrafais: "NUNCA MAIS ME PROCURE"Eu sabia que se tratava dos pais adotivos, eu sabia que ela precisava de ajuda naquela casa e que estava sendo mau tratada por aqueles monstros. Eu desejava do fundo do meu coração que naquela época eu tivesse conseguido reunir forças suficientes para parar a minha tia antes que ela arrastasse Elly para aquele orfanato. Queria correr para aquela casa e arrancá-la de lá, mas eu sabia que aquele endereço da carta não era deles. A única informação que eu tinha sobre os pais adotivos de Elly era que o homem da família estava na guerra, como meu irmão. A outra informação era a que minha irmã disse numa das primeiras cartas que eu recebi - e pude notar que depois desta a escrita mudou subitamente - onde ela dizia que eles tratavam ela como uma empregada, que ela devia ser grata por ser salva do orfanato.

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