Com dezessete anos, eu era descrito por todos como um adolescente soberbo e irresponsável, que não sabia dar valor ao que tinha e só pensava em festas e aventuras. Sim, eu dava motivos para isso. Vivia me envolvendo em escândalos, no colégio minhas notas eram lamentáveis e nele quase todo o corpo docente me odiava. Fotos e vídeos meus, nos quais eu me envolvia em confusões, espalhavam-se pelas manchetes locais e alimentavam as páginas de fofoca no Instagram.
Porém, ser rebelde não era o que me tornava um adolescente “especial” e digno de ser notado, mas sim o fato de ser filho de Michael Gilbert. Meu pai era herdeiro de uma das maiores redes de fast food dos Estados Unidos: a Gilbert’s Burger.
As pessoas costumavam associar meu comportamento a uma vida fácil e abastada, ou seja, aquela velha história do garoto que tem tudo e não valoriza nada. Mas, a verdade é que nenhuma dessas pessoas sabia o que acontecia no interior da nossa casa. Costumávamos aparecer radiantes e sorridentes nas revistas, quando, por dentro, já havíamos chegado a um nível frívolo e resignado sobre o fato de sermos uma família infeliz.
Se, para muitos, minhas atitudes eram absurdas diante de tudo que eu possuía, para mim era a única forma de não ficar tentando lembrar a última vez em que recebi um abraço do meu pai ou mesmo a última vez em que minha mãe parara para me escutar. A verdade é que esses acontecimentos, por terem sido vividos tão poucas vezes e há tanto tempo, tornaram-se como uma fotografia muito antiga. Aquelas em que as marcas do tempo as tornam pouco visíveis, onde mal podemos ver os detalhes.
Quando eu fazia algo de errado, meu pai geralmente dizia: “O que você quer para parar com isso? Não posso ficar sujando minha imagem com suas atitudes”. E eu podia saber que algo novo e caro ganharia, mesmo que não pedisse, pois essa era maneira dele tentar me colocar na linha desde pequeno.
Nunca havia diálogo entre eu e meu pai e, quando conversávamos, na verdade, discutíamos. Um dos assuntos que mais gerava contendas entre nós era sobre a empresa. Ele queria que eu a assumisse logo e viesse me preparando para isso, mas eu me negava a fazê-lo.
Na verdade, eu não sabia se fazia isso mais para irritá-lo ou porque, simplesmente, não desejava seguir aquele caminho. E, se realmente eu não a assumisse, meu primo, Brad LeRoy — um dissimulado ganancioso — ficaria em meu lugar.
Já com minha mãe, Susan Gilbert, não havia discussões e nem gritos; eu apenas falava e ela concordava com a cabeça, enquanto examinava algumas anotações sobre seus pacientes — ela era psicóloga.
Eu sempre era interrompido pelo seu telefone que, na maioria das vezes, não passava mais de meia hora sem tocar, e quase sempre era um paciente ou alguém fazendo um convite para que desse uma palestra. Acontecia, então, o mesmo de sempre: ela ouvia a todos, menos eu. E era nessas horas que eu desejava, de forma mais intensa que o normal, ter Lucy de volta.
Ela era minha babá quando pequeno e também cuidava da casa. Era viúva e não tinha filhos. Talvez fosse por isso que nos dávamos tão bem; ambos preenchíamos o vazio um do outro. A única coisa em que nos diferenciávamos totalmente era na fé. Lucy vivia falando de Deus para mim e do Seu amor, porém eu não conseguia acreditar e ter a mesma fé que ela.
Entretanto, tal diferença não a fez me abandonar e, quando cresci, já tinha se tornado uma mãe para mim. Com toda sua devoção a mim, muitos poderiam pensar que eu era o protagonista de uma daquelas histórias em que uma mulher pobre tem o filho adotado pelos patrões ricos, mas, de fato, essa não era minha realidade.
Eu era extremamente semelhante ao meu pai, com meus cabelos aloirados e os olhos azuis, ainda me restando algumas características exclusivas de minha mãe, como o nariz e a boca, deixando qualquer especulador certo de minhas origens e convencido de que Lucy era mesmo um ser bondoso que me dera a alegria de cruzar meu caminho.
Quando fiz quinze anos, ela teve que ir embora para cuidar da irmã que estava com câncer de mama. Foi um momento muito ruim, pois ela era a única que me conhecia de verdade. Quando dizia às pessoas que eu era um garoto ótimo e cheio de qualidades, elas lhe respondiam com ceticismo.
A ela, eu revelava um lado compassivo e vulnerável e para todo o resto um jeito malcriado e insensível, que transparecia em minha imagem conturbada de roupas pretas, acessórios estranhos e até maquiagens escuras ao redor dos olhos, que lembravam os ídolos medonhos do rock.
Pouco tempo depois de Lucy partir, lembro-me de escutar Carrie, a qual ocupara seu lugar, dizer ao telefone: “A senhora que trabalhava aqui me disse que o filho deles era adorável, mas ele é praticamente um monstro. Usa roupas e maquiagens estranhas e é muito antipático’.’ Não podia negar que tais palavras me incomodavam um pouco, mas elas não iriam fazer diferença na minha vida, seria apenas mais umas das críticas que eu estava acostumado a receber.
Encontrar-me com Lucy era difícil, pois sua irmã morava em Vancouver, no Canadá, e mesmo que fizesse fronteira com os EUA, era muito distante de onde eu morava com meus pais, que era em Savannah, no estado da Geórgia. Desde sua partida, havíamos nos encontrado muito poucas vezes, o que me fazia desejar nunca ter saído de minha cidade natal: Seattle, a qual era bem perto do lugar em que Lucy estava. Entretanto, meus pais se mudaram de lá para Savannah quando eu tinha apenas cinco anos. O motivo era um pouco estranho, a considerar a condição decadente que se encontrava o relacionamento de ambos. Mas falavam que era devido a um sonho romântico.
Se não fosse por esse fato, não seria estranha tal afirmação. Savannah era uma cidade muito bonita e interessante. Na época da Guerra Civil Americana, muitas cidades Georgianas — que tiveram a infelicidade de estarem no caminho do General William Sherman — foram destruídas, tal como a capital Atlanta que fora completamente devorada pelo fogo. Savannah, porém, ficara parcialmente livre do ataque, certamente pelo encanto gerado no quase implacável general, ao se deparar com tamanha beleza. Em vez de fazer do destino de Savannah a destruição, deu-a como presente de natal ao presidente Abraham Lincoln.
Até hoje ela permanece a exibir sua beleza incontestável e, dentre tantas outras histórias existentes sobre a cidade, muitas são contadas em silêncio por meio dos seus diversos remanescentes centenários — casarões, mansões, edifícios públicos... Não é para menos que é tida como um dos maiores distritos históricos dos Estados Unidos. Basta um olhar atencioso para cada detalhe à sua volta e, mesmo sem letras e papel, você lerá um clássico literário de forma excepcionalmente real.
Nós morávamos em um bairro luxuoso de Savannah — não muito distante do Victorian District e próximo ao Ardsley Park — com ruas pacatas e arborizadas, sendo grande parte de bonitos carvalhos, que eram bastante comuns na cidade. Os jardins exibidos nas várias mansões tornavam ainda mais harmonioso o lugar e traziam à tona, garbosamente, uma beleza primaveril que se mantinha presente em quase todas as estações.
Porém, não somente eles atraíam olhares apreciativos, pois as enormes residências também se destacavam por suas características nostálgicas, marcadas pela Era Vitoriana. Mas, se por um lado o lugar exibia todo esse charme, para uma criança de cinco anos era como um vale silencioso que havia sido engolido pelos enormes carvalhos.
Tanta imaginação era pouca para garantir alguma diversão por ali, sendo eu filho único e uma das poucas crianças existentes no bairro naquela época. Por isso, meus melhores momentos de infância eram quando Lucy me levava aos parques para passear e brincar com as outras crianças; algo que ela conseguia com muito esforço, pois meus pais achavam mais conveniente que eu ficasse afundado nas aulas de piano e de idiomas, mesmo tendo apenas cinco anos. As aulas de idiomas, para mim, eram muito fastidiosas, já das de piano, eu até que gostava.
Quando eu entrara na adolescência, renunciara totalmente às aulas particulares que tinha. À medida que eu crescia, elas eram aumentadas pelo meu pai, tendo como principal motivo ocupar todo o meu tempo para que eu não viesse a contestar sua ausência. Por outro lado, ele acreditava que eu seria um grande homem de negócios e cuidaria muito bem da empresa estudando tanto.
Nessa parte, ele pensava como todos os pais, porém o mais surpreendente fora perceber que ficara muito mais inconformado quando decidi parar com as aulas de piano do que quando parei as outras. No entanto, eu estava decidido e não quis voltar atrás e, o piano que outrora fora da minha mãe, tendo sido abandonado por ela, também fora abandonado por mim.
A partir daí, tudo piorou entre mim e meus pais. Estando menos ocupado, pude sentir com ainda mais frequência toda a indiferença com a qual era tratado; pude perceber com mais clareza que eles nunca tiveram tempo para mim. Assim, meu comportamento tornou-se ríspido e avesso ao que todos esperavam de um garoto da alta sociedade.
Comecei a envolver-me em escândalos como vandalismo, desacato a autoridades, em corridas proibidas conhecidas como “rachas” e invasão a propriedades privadas, as quais, quando os donos estavam fora, eu e os garotos do colégio usávamos como local para festas com bebidas alcoólicas. Porém, meu pai, apesar de sempre ter ficado furioso com tudo isso, preferia pagar a multa que precisasse para que sua imagem não ficasse tão denegrida tendo um filho detido numa prisão.
E assim nossa vida ia sendo levada. Nada parecia melhorar ou mesmo piorar. Tudo parecia igual todos os dias. Mas, em 2018, em uma manhã um pouco fria de fevereiro, lembro-me de acordar com a voz estridente de Carrie à porta, sem mesmo imaginar que muitas coisas em minha vida poderiam começar a mudar a partir daquele dia.
— Adam! Acorde! Está na hora — gritou Carrie, para em seguida abrir a porta.
— Ainda tenho cinco minutos — repliquei, colocando o travesseiro em cima da cabeça.
— Pois é melhor levantar de uma vez, seus pais já o estão esperando na mesa para o café.
— Será que dá pra fechar essa porta? Ou eu vou ter que ir até aí trancá-la? — Dei um soco na cama e levantei a cabeça para encará-la.
Ela desviou o olhar e respirou fundo antes de fechar a porta e descer as escadas com passos pesados, resmungando baixo como sempre. Acho que ela pensava que ninguém a escutava, pois eram palavras bem malcriadas para uma mulher da idade dela.
Como já havia perdido o sono e também meus cinco minutos, levantei-me e fui lavar o rosto, mas parei um pouco em frente ao espelho do banheiro. Às vezes, tinha vontade de quebrá-lo, pelo fato de estar sempre me fazendo lembrar meu pai.
Não gostava de ser tão parecido com ele e, apesar de que tivéssemos certa diferença em estatura e massa corporal — sendo eu um pouco mais alto e mais delgado, eu poderia ser declarado sua cópia em uma versão mais nova. Era por isso que eu sempre me escondia atrás de maquiagens escuras nos olhos e arrepiava meu cabelo com gel, pois assim nossas semelhanças já ficavam um pouco “camufladas”.
Ao abrir o guarda-roupa, deparei-me mais uma vez com o ar pesado das roupas escuras — principalmente pretas — reinando sobre as poucas roupas claras que possuía. Peguei uma das camisas pretas e uma calça jeans de cor escura para vestir.
Passados alguns minutos, não muitos por sinal, eu já estava pronto e desci para o café. E, lá estava minha saudosa família: meu pai falando ao celular e minha mãe lendo alguns papéis enquanto comia.
Ambos aparentavam ser tão salubres, naquele momento, que não deixavam transparecer facilmente o cansaço que os envolvia com tantas horas de trabalho. Minha mãe, com sua pele levemente bronzeada — típica da Califórnia, onde nascera e residira durante seus primeiros meses de vida apenas — e seus cabelos castanhos sedosos, ganhava um aspecto juvenil que fazia jus à sua figura esbelta, que se assemelhava à de uma jovem de vinte anos.
Meu pai, apesar da seriedade quase contínua, também tinha uma suavidade na face. Era alto, magro e tinha os modos friamente garbosos, raramente demonstrando qualquer deslize. Sua pele era clara e seus olhos azuis exibiam um brilho quase que invariavelmente concentrado e não deixavam transparecer muito de suas emoções.
— Bom dia — disse minha mãe, de forma automática, sem desviar o olhar dos papéis.
— Bom dia, mãe — disse, sentando-me e colocando um dos pés na beirada da mesa, mesmo sabendo o quanto isso irritava meu pai.
E como o esperado, ele me encarou ainda falando ao celular, mas o ignorei colocando meus fones de ouvido e ligando o som bem alto.
Após desligar seu celular, vi meu pai se direcionar a mim para dizer-me algo, porém qualquer som que pudesse sair de seus lábios era abafado pela música em meus ouvidos. Percebendo isso, ele começou a gesticular com as mãos na frente do meu rosto e, pela sua insistência, tirei um dos fones, não muito amistoso.
— Será que pode ser um pouco civilizado pelo menos na mesa do café? Não entendo suas atitudes. Te dou tudo o que precisa e está sempre tentando me tirar do sério, me fale por quê?
— Por que você mesmo não tenta encontrar a resposta? Para mim, ela é muito clara.
— Do que você está precisando? Já lhe dei as peças que queria pro carro, garanti os melhores lugares para você e seus amigos no jogo de beisebol, dei sua mesada adiantada como me pediu, será que não fica satisfeito com nada?
Como ele podia ser tão cego? Ou será que ele não queria enxergar? A verdade é que eu queria ter um pai que fizesse questão de colocar as peças novas no carro comigo, ou mesmo, que tirasse um tempo para assistir ao jogo ao meu lado, como todos os pais que eu conhecia.
— É desse jeito que pensa em assumir a empresa? — continuou ele, cerrando as mãos sobre a mesa.
— Eu não vou assumir empresa nenhuma — repliquei com desdém, com a naturalidade destemida de quem recusa um copo de suco.
— Parem com isso! Por que não resolvem isso conversando e não discutindo? — disse minha mãe, enquanto o celular começava a tocar. — Ah, não! Esqueci que hoje marquei mais cedo com a Elizabeth. Bom, eu tenho que ir, mas fiquem calmos, por favor — disse ela, levantando-se e dirigindo-se à porta já falando ao celular.
Irritado, decidi fazer o mesmo, encaminhando-me para a garagem da mansão.
A manhã ainda estava cinzenta com a neblina renitente, que mantinha sua força sob o sol fraco e tímido que era ocultado pelas nuvens. Após entrar no carro, ativei os limpadores de para-brisas para aliviar o embaçado trazido pelo fenômeno matinal e dirigi em direção aos portões recém-abertos pelos seguranças.
Em poucos segundos, eu já dirigia rumo à casa de Zac Brent, meu melhor amigo. Nós nos conhecíamos desde crianças, mas tornamo-nos muito mais próximos quando Peter, seu irmão mais velho, morrera em um acidente de carro aos dezesseis anos, depois de sair de uma festa onde havia bebido excessivamente.
Na época, Zac e eu tínhamos doze anos, mas lembro-me perfeitamente de Peter; tinha um sorriso franco e receptivo, gostava de jogar videogame e era um ótimo jogador de basquete. Zac era muito ligado ao irmão e o tinha como seu herói, pois o admirava muito e, assim como a sua família, sofria bastante com a morte dele. Entretanto, não gostava de demonstrar e nem tocar no assunto e pedia a mim que fizesse o mesmo.
Assim como eu utilizava daquelas aventuras para esquecer os problemas, Zac, igualmente, as tinha como uma forma de se distrair desse trágico fato. O que seus pais não poderiam saber de forma alguma, para que não se decepcionassem e não enfrentassem o constante medo de perderem outro filho. Mesmo convivendo com esse dilema, a única coisa que Zac não perdia era seu constante bom humor, apesar de essa ser, na maior parte do tempo, uma forma de se mostrar forte.
Assim que estacionei em frente à sua casa, eu o vi sair às pressas pela porta e, segundos depois, entrar no meu carro e jogar a mochila no banco de trás.
— Até que enfim, cara — disse ele.
Seus cabelos negros estavam num corte baixo e disciplinado como os de um soldado do exército. Ele usava jeans rasgados, tênis brancos e uma camisa polo verde.
— Vê se não reclama, já ouço reclamações suficientes antes de sair de casa — retruquei.
— Brigou com o velho de novo?
— Esqueceu que esse é o hobby preferido do meu pai?
— Ah, cara, esquece isso e pode ir saindo desse mau hu- mor, porque tem um lance legal esperando por nós hoje à noite.
Dei um sorriso no canto da boca e encarei-o de esguelha.
— Creio que não vai dar não, cara, a Lisa pediu pra voltar comigo e, para falar a verdade, estou pensando em aceitar.
Lisa Wilker era minha namorada até algumas semanas atrás, depois de dois anos juntos.
Continuávamos a ser amigos e a sairmos juntos, só que
em grupo, mas ela ainda não havia aceitado o fim do nosso namoro. Eu quem havia terminado com ela, mas não sabia dizer ao certo o motivo. Ela era bonita — tinha os cabelos bem pretos que faziam seus olhos castanhos cintilarem — e muito popular no colégio. E, apesar de sua arrogância natural de quase toda líder de torcida, eu até que gostava da companhia dela.
— Fica tranquilo que não envolve mulheres, mas, pra falar a verdade, bem que você merecia conhecer garotas diferentes — replicou ele.
— Não estou a fim, Zac. Caso eu não volte com a Lisa, você pode até me cobrar, mas fala logo o que disse ter preparado para hoje à noite.
— Tem certeza que não quer conhecê-las?
— Diz logo — falei, ignorando-o.
— Cara, vai ser muito bom, você não faz ideia! — ele comemorava, com um leve dançar em seus movimentos.
— Se não falar, não irei saber mesmo — respondi com um suspiro, como um pai que espera o filho travesso assumir a culpa numa de suas traquinices.
— A gangue dos Walters quer bater outro racha, hoje à noite, às nove horas, não é o máximo?
— Eles ainda querem revanche? Na primeira vez eu até perdi eles de vista atrás de mim.
— Pois é! Agora tá na hora de um replay — disse ele, jogando a cabeça para trás, dando uma gargalhada. — O Alex e o Paul, da nossa turma de Biologia, queriam que organizássemos uma de nossas festas hoje na casa dos Parker, aqueles coroas que viajam durante todo o inverno, mas já dispensei o convite, não podemos perder a chance de ganhar dos Walters outra vez.
— E onde será dessa vez?
— Em Hampton, na Carolina do Sul.
Zac e eu sempre apostávamos corrida com vários outros rapazes de nossa idade, mas geralmente não envolvia dinheiro ou coisa parecida. Porém, a última corrida havia sido apostada com uma gangue perigosa de garotos que eram conhecidos como “Walters”, tendo como inspiração o nome do líder deles.
Após rirmos dos mesmos e afirmarmos que estávamos convencidos de nossa vitória, um deles me desafiou a colocar meu próprio carro como prêmio. Eu possuía uma Maserati GT, sendo essa um dos modelos mais recentes. Com a costumeira soberba com a qual enfrentava os rachas, aceitei sem pestanejar.
Havíamos sido desafiados em uma festa, não somente nós dois, mas também vários outros rapazes do meu bairro, no entanto, a maioria se recusou e os que disseram aceitar não compareceram no dia.
Somente Zac e eu fomos, mas isso não nos surpreendeu. Apesar de todas as aventuras nas quais eles costumavam se infiltrar junto a nós, não tiveram ousadia para aquela. Os Walters tinham uma fama extremamente assombrosa aos olhos dos outros, mas não para os meus e os de Zac, que vivíamos a nos arriscar em nossas peripécias.
Estranhamente, naquele dia, eles não tentaram nada contra nós, nem mesmo trapacearam como costumavam fazer em suas apostas. E, como havíamos previsto, ganhamos a corrida.
— Humm! — Sorri para Zac, já chegando no estacionamento da Martin High School. — Aqueles caras estão mesmo merecendo um massacre, ou melhor, um novo massacre. — Começamos a rir e a empurrar um ao outro para expressarmos nossa felicidade, como de costume, e continuamos enquanto andávamos rumo à entrada do colégio, mas paramos ao ver Lisa vindo em nossa direção.
— Lá vem a rainha oprimida pedir misericórdia ao rei rebelde — balbuciou Zac, num tom irônico, tapando a boca para esconder seu riso.
— Fica quieto.
— Olá, meninos! O que vocês planejaram para hoje à noite? Eu e Janice ficamos esperando vocês nos ligarem — disse ela, com o olhar de um general traído pelos seus próprios soldados.
Janice também fazia parte do nosso grupo de amigos. Apesar de sua personalidade forte e decidida, tinha um ar pueril que encantava a todos. Também era muito bonita e gostava de usar os belos cabelos crespos soltos ou, às vezes, envoltos por um elegante turbante colorido.
Zac e eu nos entreolhamos com hesitação.
— Acho melhor vocês fazerem uma festa do pijama, pois o programa de hoje vai ser somente para nós, os machos! — disse Zac, rindo, mesmo vendo a expressão séria e irritada de Lisa, que o ignorou e olhou para mim esperando uma resposta concreta.
— A gente tem um racha pra vencer, não vai dar.
— Racha? — ressaltou ela, com desdém.
— É isso aí! Um racha, gata! — disse Zac, com ênfase.
— Com quem? — Ela ignorou Zac outra vez, com seu olhar ainda fixo em mim.
— Com os Walters — respondi, ajeitando a alça da mochila nos ombros.
— Vocês estão loucos? Eles podem até matar vocês!
— Se quisessem já teriam matado, pois já os vencemos uma vez e agora eles querem revanche e vão perder de novo, porque o carro do Adam vale por cinco do deles.
— Tá, Janice e eu também vamos no meu carro — disse ela, cruzando os braços.
— Sem chance! Vocês duas ficam fora disso — repreendi-a, sabendo que seria responsabilidade demais tê-las por perto.
— Mas...
— Esquece — interrompi-a, finalizando a conversa e indo para a sala.
Zac e ela vieram logo atrás, mas percebi que a última não havia se dado por vencida e poderia interferir de algum jeito. Naqueles dois anos de namoro, eu a conhecia o suficiente para saber que detestava ficar em segundo plano.
Era aula de Matemática com o senhor Wood e minha principal atividade em sua classe era maquinar traquinagens. O jeito calmo e paciente que ele tinha parecia me desafiar a tirá-lo do sério. Ele era o único professor que ainda não havia gritado comigo. Portanto, estava decidido a conseguir tal coisa naquele dia.
Comecei fazendo bolinhas de papel e pegando minha régua. Ao tentar usá-la como catapulta, a mesma foi arremessada para frente juntamente das bolinhas, caindo perto de seus pés.
— Olha o que temos aqui! — disse ele, abaixando-se para pegar a régua. — Esta régua me lembrou de uma ótima experiência que aprendi estudando Física.
Era quase inacreditável, mas ele iria repetir aquela infantil experiência com a régua pela milionésima vez."Bom trabalho, Adam, eu estava mesmo querendo rever este clássico do senhor Wood", dizia a mensagem de Zac que chegara em meu celular.
Diverti-me e mostrei-lhe um sorriso.
"Quando é que a Beverly irá admitir que está na minha?", dizia outra mensagem de Zac — certamente irônica — que chegara poucos segundos depois da anterior.
Ele se referia a uma das garotas mais inteligentes da sala, a qual sempre chamara para sair, mas nunca havia aceitado. Ela tinha grande desprezo por Zac e eu, pois possuía uma grande soberba intelectual, que a fazia — diante de nossas atitudes — olhar-nos como seres incapazes de usar o cérebro.
Zac começou a simular um beijo na direção de Beverly a sua frente. O senhor Wood, percebendo, levantou um pouco seus óculos e olhou-o com seu jeito sereno, antes de sorrir e dizer:
— Acho que Zac tem algo para nos ensinar.
Todos o observaram e começaram a rir. Inclusive eu. Já Beverly, avermelhara-se de raiva, fuzilando-o com seu olhar de indignação.
Após essa pequena distração, o restante da aula passara de forma bastante tediosa, o que já era esperado. Mas, apesar de eu culpar a serenidade do senhor Wood por isso, as aulas dos outros professores não foram tão diferentes. Eu pude sentir os momentos se arrastarem perante ao meu desejo de ir embora dali e ir fazer qualquer outra coisa que não fosse assistir aulas.
Entretanto, até que eu poderia considerar tudo muito razoável por ali, pois ainda me eram recentes as lembranças das ligeiras e lastimáveis experiências que tivera com colégios particulares. Após o primário, meu pai fizera a tentativa de fazer-me ingressar nas três melhores escolas particulares da região, porém, tudo fora em vão devido à minha resistência às regras rígidas que elas possuíam.
Não eram necessários mais que dois meses para que os diretores convocassem meus pais para uma reunião e lhes expusessem meu “déficit de atenção” e minha rebeldia, deixando claro que o último comportamento era inaceitável. Com isso, a solução era sempre cuidar do meu regresso para o local onde estavam meus “velhos” amigos do primário, o que resultou na resignação do meu pai em me deixar no local onde menos lhe trouxesse problemas.
Quando o sinal da saída tocara, eu estava faminto, pois não havia comido nada no intervalo, uma vez que me ocupei jogando cartas com os garotos da classe de Matemática. Cogitei ir à lanchonete mais próxima, mas desisti da ideia e preferi ir para casa, já que, normalmente, meus pais estavam fora nesse horário. Assim sendo, eu poderia me sentir à vontade em meu quarto, vendo algum filme enquanto comia alguma coisa.
Após dar carona a Zac, fui para casa. No entanto, quando cheguei, tive uma surpresa. Meus pais serviam-se de chá na sala de estar, enquanto conversavam em voz baixa, como se trocassem confidências; não havia celular nem papéis. Dali do vestíbulo, podia-se apenas escutar um ruído baixo, mas quando me aproximei cautelosamente, evitando que notassem minha presença, suas palavras foram se tornando mais inteligíveis.
Eu ainda me lembrava da última discussão que haviam tido e, embora nunca houvessem partido para a violência física, vez ou outra se envolviam numa verdadeira guerra oral, buscando dissimulação em um quarto fechado. Depois saíam com rostos inexpressivos e ombros erguidos, na ilusão de que o mundo lá fora jamais descobriria que um casal tão estimado pelos cidadãos americanos poderia chegar a esse ponto. Por isso, era realmente inusitado vê-los juntos em aparente serenidade, dedicando-se a um diálogo sem interrupções e outras distrações.
— Creio que será melhor assim, Susan — disse meu pai.
Franzi minha testa, atônito. Sobre o que estariam conversando? Minha mãe baixou sua face e suspirou preocupada.
— Já havíamos conversado sobre isso, por que está assim agora? — perguntou meu pai, com certa frivolidade na voz.
— Mas, por que você acha melhor o divórcio, Michael? Poderíamos... — disse minha mãe.
— O quê? Divórcio? — eu disse, em tom audível para os dois.
— Adam, há quanto tempo está aí? — questionou minha mãe com surpresa.
— O suficiente — respondi, voltando-me em direção à saída.
— Adam! — gritou meu pai, mas ignorei-o e continuei andando.
Senti-me aliviado por não ter guardado o carro na garagem e entrei no mesmo para fugir de qualquer tentativa de explicação. Eu precisava ir para um lugar distante, onde pudesse me entregar aos desejos de nunca ter nascido um Gilbert.
— Adam! Volte aqui! — gritou ele novamente, mas o som de sua voz foi desaparecendo à medida que eu me distanciava.
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Ensina-me a Amar
RomanceNa pacata cidade de Savannah, EUA, de estilo vitoriano e belos casarões antigos, vive Adam que, aos 17 anos, não vê outro sentido na vida a não ser aproveitá-la com diversões triviais, ou mesmo, ilegais. Filho de um empresário milionário e de uma fa...