Refúgio na Casa da Família Marino

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Um bocejo se fez ouvir, no quarto do filho de Nedda, na Tijuca.

O homem à frente de Paula olhou na direção dela, surpreso. Isso era incomum. A empresária quase sempre parecia estar no controle dessas reações básicas do corpo humano. Praticamente uma super mulher. Que permitia só uma espiada através da sua armadura. E somente de vez em quando. Armadura calculadamente construída em torno de si mesma.

Neném pode presenciar Paula assim poucas vezes. E essas raras ocorrências sempre tinham a capacidade de deixar o jogador sem palavras. Instintivamente queria descobrir mais a fundo essa Paula. Saber cada pequena coisinha, cada mágoa e coração partido.

Abafando essa linha de pensamento, Neném respirou fundo e decidiu uma coisa.

Levantando da borda da cama, o homem respirou fundo, esfregando a testa com uma mão, enquanto virava de costas pra Paula. Se apoiando com a outra mão na parede, finalmente falou:

- Paula, acho melhor você dormir aqui essa noite. Acho que você não tem condição de voltar sozinha a essa hora. 

- Realmente, agora eu não tenho condição de ser útil pra muita coisa. - A voz de Paula saiu um pouco aérea, desligada de si própria. A mera ideia de saber que a sua filha estava do outro lado da linha, conversando com Neném, viva e respirando. Se sentia como um aparelho desligado da tomada.

Ao ouvir o tom de voz da mulher, Neném sentiu visceralmente que tristeza não combinava com Paula Terrare. Como um jogador fora de ritmo com o time todo, era algo que qualquer um conseguiria ver de longe quão errado era.

Uma parte do jogador que ele tentava ignorar, sentia falta da expressão maliciosa no rosto de Paula, se ouvisse um convite desse tipo. Parecia coisa de uma outra vida. Antes da troca de corpos, antes do fracasso que foi o casamento deles e antes da mulher do seu passado entrar novamente, e de vez, em sua vida.

Se aproximando da mulher de blusa roxa, depositou um beijo na testa dela, o cheiro único do shampoo dela vindo no nariz dele sem permissão. Ao mesmo tempo que dizia:

- Eu vou pegar uma roupa pra você.

Paula respirou fundo, e exalou o ar lentamente, como que despertando de um transe. 

- Está bem. - Respondeu lentamente, reerguendo o rosto. Neném sentiu o peso do olhar de um inconfundível tom de castanho, do lugar em que a empresária se encontrava na cama. A expressão triste que encarou Marino, foi logo seguida por um melancólico sorriso nos lábios delicadamente desenhados.

Depois de entregar uma de suas camisetas e shorts para Paula. Neném tratou de arrumar o colchão à frente da sua cama.

Estava terminando de ajeitar o lençol, quando Paula voltou do banheiro, já pronta para dormir. Não pode evitar de se lembrar quantas vezes não tinha vestido aquele corpo com roupas iguais aquela, durante a troca de corpos. 

- Paula, você dorme na minha cama. Eu vou ficar aqui no colchão. Se..se eu for pro sofá, a mulherada vai perceber logo cedo.

- Obrigado Neném, de verdade. - Paula agradeceu, com a voz fraca ainda.

Passando por ele pra poder chegar até a cama, a empresária posou um simples beijo de gratidão na bochecha de Luca.

Quase que inconscientemente, ele encostou as costas dos dedos no local, deixando cair a mão logo depois, como se tivesse sido queimado.

Balançando positivamente a cabeça na direção geral do cômodo, Neném pigarreou, tratando logo em seguida de apagar as luzes do quarto.

Já acomodado no chão a algum tempo, e depois do seu papo diário com São Judas, Neném finalmente tentou organizar para si próprio uma coisa que tinha notado.

Paula estava diferente. Falava sobre o que sentia com menos reservas. Com menos raiva de si própria, por se permitir sentir tanto quanto qualquer outro morador do planeta terra. Seu rosto encontrava mais facilidade em demonstrar afeição em geral.

Pela respiração, Paula parecia ter apagado imediatamente. Mas o sono estava custando a vir pra ele.

Depois de algum tempo se revirando, foi quando ouviu um quase choro. Exclamações desconexas de pânico. A mola da cama do lado se juntou à cacofonia de ruídos com um rangido.

Pesadelo.

Neném se levantou. Confirmou que os sons vinham da mulher dormindo à sua frente, que revirava o corpo de um lado para o outro. 

- Não... Eu não consigo... - As únicas palavras reconhecíveis por Neném no choro dela.

A meia luz vinda da janela mal ajudava a enxergar Paula. Se aproximando suavemente para que não a acordasse de repente, ele procurou sentar o mais delicadamente possível na ponta do colchão, perto do rosto da empresária. Hesitou um pouco, mas enfim tomou coragem, esticando o braço na direção dos fios de cabelo da mulher à sua frente. Acariciou suavemente, sem ritmo certo. A textura das mechas, macias nos dedos dele. Pousou a mão na cabeça de Paula, que ainda emitia alguns poucos sons abafados de angústia. Continuou com o cafuné, até o silêncio total voltar a imperar no cômodo. Neném tinha perdido a noção do hora, ali empoleirado na beira da sua própria cama, esperando espantar os sonhos ruins do sono de Paula.

Quando parecia que a paz tinha retornado ao mundo dela, finalmente se levantou. Procurou alongar os músculos, que protestavam por estarem parados na mesma posição por tanto tempo.

Já instalado de volta à sua cama, considerou a revelação da noite. Não pode evitar as palavras que saíram da sua boca, soltas no ar ocupado pelos dois naquela noite: 

- A nossa Flávia, quem diria!

Com todos os acontecimentos da noite ainda em mente, Luca finalmente adormeceu. Um ligeiro sorriso nos lábios no semblante.

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Já acordado a algum tempo, finalizava uma caneca cheia de café do Flamengo. Considerava o dia que teria pela frente, como técnico do time de Tina. Quem sabe não teria algum futuro por esse caminho. Uma luz no fim do túnel parecia que tinha surgido.

Apoiado no batente e virado para o corredor, foi quando viu suas duas filhas saindo do próprio quarto e se encaminhando sorrateiras na direção do quarto dele. Onde Paula ainda dormia.

Sem pensar, ele deixou o resto da bebida que tomava em cima da mesa com rapidez, correndo atrás das meninas.

Adentrou o cômodo correndo, desacelerando ao mesmo tempo que vomitava as palavras: 

- Não é o que vocês estão pensando!

Foi recebido pelo doce sorriso de Tina, e a expressão de descrença de Bibi, misturado com uma indiscutível vontade de rir de ambas. Paula recém desperta, exibia uma cara de sono, de quem preferia morrer do que acordar e sair do aconchego da cama. A regata cinza dando um charme adicional a coisa toda.

- Uhum. - Suas filhas responderam, juntas.

O retrato daquele momento dava um conforto a Neném, que o homem não sabia bem explicar.

A luz da manhã refletia suavemente na fronha e cobertores, ajudando a desenhar a cena.

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⏰ Última atualização: May 04, 2022 ⏰

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Cenas Deletadas: NERRARE EditionOnde histórias criam vida. Descubra agora