Pertencimento

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"Não desespereis na desgraça, ela é frequentes vezes uma transição necessária para a boa fortuna."
                                                                                           — Marquês de Maricá



Agora



Na noite anterior, Noya dormiu abraçado a si. Eles haviam criado um laço único. Asahi sentia que algumas coisas faltavam aqui e ali, entretanto tudo se encaixava no fim.

Abriu os olhos devagar, com a claridade do quarto o incomodando. O lado da cama estava frio, sinal de que Yuu já havia levantado há algum tempo. Alisou a face espantando o restante do sono e deixou a cama alongando-se. Saiu do quarto indo até o banheiro, lavou o rosto, escovou os dentes e tentou arrumar o ninho de pássaro que era seu cabelo.

Seu cabelo estava bem maior, Yuu pediu para deixar crescer mais. Estava bonito, concordava, mas desse jeito era mais trabalhoso de cuidar. Realmente, tudo na vida tem seus prós e contras.

A casa estava silenciosa, tirando o barulho de algum desenho animado que passava na TV. Um jovem estava sentado de frente para o eletrodoméstico, comendo cereal em uma vasilha grande demais para aquilo. Nada de novo até então.

— Bom dia, Yuu — beijou sua testa recebendo um aceno animado em resposta — dormiu bem?

— Sim! — mesmo de boca cheia ele conseguiu responder — E você, Asahi-san?

Ele já tinha notado que a fada repetia seu nome com muita frequência. Quando perguntou a Yuu sobre isso, ele apenas disse que gostava de como soava.

— Sim. Estou de folga hoje, quer fazer algo?

Yuu não respondeu imediatamente. Continuou encarando a TV, e Asahi imaginou que ele deveria estar pensando em alguma coisa. Resolveu, por fim, fazer um chá para o desjejum.

Mas quando Nishinoya permanecia quieto demais, algo havia de errado. Quando pensou em lhe questionar se estava tudo bem, viu a fada voar até a cozinha e deixar a vasilha no balcão. O olhar sério em seu rosto era incomum. Ele andou até Asahi e tirou a caneca de sua mão. Uniu seus dedos, brincando com eles. Azumane tinha medo de perguntar o que estava acontecendo, mas Yuu interrompeu a quietude.

— Asahi-san, você vem embora comigo.

Não era um pedido, nem era uma pergunta. Era uma clara afirmação. O tom de Noya não demonstrava nada, era quase como se ele estivesse dizendo que queria pizza para o jantar.

— Ir embora para onde, Yuu?

— Você sabe para onde — sorriu, carinhoso — você não acha que passamos tempo demais aqui?

— O quê? Do que você está falando, Yuu? — indagou o maior, confuso.

— Venha comigo, Asahi-san.... Você vai conhecer o mundo! Chegou a hora de você ter a liberdade!

Nishinoya não disse mais nada. Permaneceu em silêncio enquanto passava os braços em torno da cintura de Asahi. Pousou seu rosto em seu peito, sentindo o maior ficar parado, perplexo, antes de lhe devolver o carinho. Alisou os cabelos da fada devagar, naquele momento tudo fez sentido. Ele fechou os olhos e sorriu.

— Sim, Yuu. Vamos.

***

— Hora exata da morte: 09h34min. — disse o homem de jaleco branco ao lado da maca — É uma pena. Ele lutou tanto...

O quarto era claro e arejado. O homem deitado na cama devia ter em torno de 26 anos. Os cabelos longos espalhados no travesseiro, um corpo que já não havia vida. Ele era jovem demais.

— Você acha que ele sofreu, doutor? — a enfermeira perguntou com a voz triste — Ele estava em coma por 3 anos... o acidente foi realmente grave.

O homem sofreu um acidente de carro enquanto voltava do trabalho em um dia de nevasca. Seu veículo derrapou na pista, atingindo uma locadora. Diversos filmes foram espalhados com o impacto. E ao lado do corpo do jovem, o policial relatou que estava um dos filmes de 007.

— Provavelmente, não — o médico respondeu — olhe bem para sua expressão, ele parece tranquilo.

Realmente parecia. A tez pálida pela falta de contato com o sol, a boca estava rachada, mas nada disso tirou a beleza natural do homem. Ele só era jovem demais, e como todo jovem, ele deveria ter sonhos que agora, acreditavam que ele não poderia mais realizar.

— Avise por favor a família Azumane que ele não resistiu.

Esse tipo de notícia nunca era fácil de se dar, o médico pensou, mas agora o homem estava livre do coma que o prendia.

Ninguém havia notado, tampouco ela fez algo para mudar a situação, mas alguns metros de distância uma borboleta de asas violetas pousou no parapeito da janela. As asas mexiam-se de forma vagarosa, como alguém que espera algo chegar.

Ninguém viu.

Todavia tudo estava tranquilo, de forma que sempre deveria.

A borboleta de asas violetas preparou-se para voar, assim que uma outra borboleta se aproximou de si.

Essa possuía grandes asas verdes. Tão vívidas quanto a grama na primavera.

Elas voaram para a liberdade do céu azul, seu destino era voltar para onde pertenciam. 





that's all folks :D

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