[00] . capítulo único

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1 ano.

Já fazia 1 ano desde que tudo aconteceu, dolorosos 12 meses os quais Tiffany não aguentava mais, enorme era o vazio em seu peito, em sua vida, estava sendo difícil lutar e tentar se manter de pé quando as lembranças bastante vívidas em sua mente lhe revisitavam diariamente, fazendo questão de fazê-la sofrer. Os demônios internos que viviam em seu inferno pessoal não a deixavam em paz, a escuridão que abrangeu todo o seu ser, sem deixar um único resquício de luz, de felicidade, de cores vivas, absolutamente nada, lhe matava por dentro a cada mês, semana, dia, hora, minuto e segundo. “Não há mais lágrimas para chorar” era a maior mentira que contava à si mesma, porque todas as noites o soar de seus soluços perturbava o cômodo quieto no meio do breu que o encobria, junto das gotas que escorriam por sua face de uma forma tão desesperada que fazia sua cabeça doer como nunca, assim a fazendo adormecer para despertar na próxima manhã torturante.

Virou rotina: acordar, passear pela casa, lembrar-se de tudo, todos os momentos bons, todas as lembranças que teimavam em viver em sua mente por mais que tentasse expulsá-las, os cheiros, os sons. Tudo era vívido, até demais para seu gosto.

Admirando o rosto de quem tanto amava, naquele dia em especial, e com o coração apertado e já partido há muito tempo, Tiffany visitava novamente tais lembranças dolorosas, a fim de sentir-se um pouco em paz na presença de sua amada. Pelo menos um pouquinho, porque sabia que no dia seguinte, estaria novamente a cinco passos de cometer uma loucura.

— Dia 14 de Fevereiro de 2020. Se lembra dessa data, meu amor? Porque eu lembro. Mora em minha mente até hoje, tão viva quanto nunca.

Fev. 14, 2020.

“Vamos, amor. Iremos nos atrasar!” O grito familiar soou tão alto quanto nunca, não demorou até avistar o sorriso aberto, tão certinho e branquinho, brilhava tanto que serviria para ser um modelo de comerciais de pasta de dente. Era apenas uma das coisas que mais amava em sua esposa. Então, antes que a mulher pudesse lhe chamar novamente, Tiffany se levantou do sofá, deixando de lado o livro que havia pegado para ler enquanto sua amada se arrumava, retirou do rosto os óculos de leitura quadrados e os deixou acima da mesinha junto com o amontoado de folhas.

Caminhou até a mulher dos olhos mais azuis que já havia visto em toda sua vida, tão magníficos, celestiais, eles eram únicos, como dois pedaços de safira, os quais pertenciam à Nica Pierce, e bom, à ela mesma também – como sua esposa sempre dizia.

“Eu que tenho as roupas complicadas, e você que demora a se arrumar usando... Isso” Apontou para as vestes de sua mulher.

“Ei, isso é o mais confortável que achei pra usar. Não esqueça de que o nosso bebê está me impedindo de vestir o que eu mais amo: calças jeans e regatas.”

“Os meus vestidos floridos combinam com você, amor” Inclinou-se em frente à Nica, segurando com delicadeza sua barriga de 5 meses. “Muito obrigada por fazer sua mamãe ter que vestir as minhas roupas, ficam lindas nela.”

“Não vejo a hora de voltar a usar os meus jeans.”

“Você é linda com qualquer roupa, benzinho” Voltou a olhá-la nos olhos, inclinando o rosto para beijá-la. “Vamos, eu quero saber logo se teremos a Lilith ou o Apolo.”

A loira saiu puxando sua amada pela mão, a guiando até a porta que levaria ambas até a garagem.

“Não seria Glenda ou Glen?” Nica indagou, confusa. Sua esposa falava tanto naqueles nomes que achou que seriam aqueles.

“Glenda e Glen seriam os nomes dos gêmeos que eu sonhava em gerar, nunca tive a chance, você sabe. Talvez em outra vida.”

Nica acariciou a mão grudada na sua que ainda lhe puxava pela casa enorme para chegarem na garagem. Sabia o quanto Tiffany sonhava em formar uma família, ser mãe, gerar uma criança, algo que nunca tivera a oportunidade de fazer durante os anos em que esteve casada com seu ex-marido; então seu tempo fora se passando e se esgotando cada vez mais, tornando quase que impossível para ela de gerar as crianças que tanto queria. Bom, juntaram o útil ao agradável em seu relacionamento, pois Nica também queria ter filhos, então aceitou gerar seu bebê e o de sua esposa sem problema algum, e toda a dor que passara pelo processo da FIV valeu a pena.

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