Sentado na cadeira de balanço, leio meu livro enquanto a chuva cai forte lá fora. Tento me manter focado em meio ao turbilhão sonoro provocado pelo bombardeio incessante das gotas que atingem com voracidade as paredes e o telhado em minha volta, como se a natureza quisesse derrubar minha casa e me expor àquela artilharia gélida e reclamar para si o que quer que tenha sobrado de mim. Caminho pelas palavras na estrada esburacada esculpida pelos golpes pluviais que pareciam odiar o mundo inteiro naquele momento. Embora tendo que reler alguns trechos, sigo focado.
Esses sons nada mais são como a gota fria que escorre por dentro da manga de um suéter: Incomoda, mas dá para viver com isso. Barulhos dos mais variados pareciam se misturar ao pé de minha janela, distorcendo um ao outro a medida que lutavam entre si para disputar o título de qual conseguiria atrapalhar a minha leitura e rindo maliciosamente quando me percebem voltar ao começo da página. Mas mesmo com isso tudo, sigo focado.
Depois de meia hora, ou cinco, a chuva parecia ter sentido pena de mim (ou apenas não sentia mais graça das perturbações que provocou incessantemente), e se acalmou, talvez recuperando o fôlego entre as gargalhadas sádicas, para se preparar para novamente atingir sem dó o mundo inteiro a minha volta. Mas por enquanto, posso focar sem muitas dificuldades.
Exceto pela batida singular e rítmica atingindo a janela atrás de mim. Do lado de fora, apenas a escuridão profunda, impossível de ser representada em qualquer obra de arte por não haver tinta escura o suficiente produzida na rudimentar natureza ou no mais sofisticado laboratório. Suspeito que uma goteira no lado de fora esteja produzindo gotas grossas que são arremessadas no vidro pelo vento impiedoso. Mas não havia som de vento. Tendo de fundo o som ritmado batendo contra o vidro, como um metrônomo cruel que buscava desarmonizar minha leitura através da harmonia de suas batidas, sigo focado. Noto que o som não surgiu ao fim da chuva: sempre estivera lá. Em meio aos choques cruéis das gotas de chuva, ao farfalhar dos galhos das sofridas árvores que se sustentavam com suas últimas forças, aos rugidos animalescos dos trovões que vinham sem ser anunciados por relâmpagos brilhantes que iluminariam toda aquela escuridão, ela estava lá: a batida ritmada guiando toda essa orquestra caótica.
Não consigo mais manter o foco se não entender logo o que estava produzindo essas batidas. Decido acender a luz da casa, já que o abajur que me auxilia na leitura emite uma luz fraca que serve apenas para me revelar as palavras que se manifestavam nas folhas alvas que seguro com cuidado em minhas mãos. A escuridão da sala tem sua imponência desrespeitada pelos fracos feixes que saíam do pequeno abajur, o que me facilitou atravessá-la em direção ao interruptor do outro lado da sala. Acendo a luz e espero meus olhos se adaptarem à nova claridade reconfortante que me abraçara com pena. Foi só quando consegui abrir os olhos, que entendi o que causava o barulho. Do outro lado da janela em que me sentei diante por horas, não havia mais apenas escuridão.
O som que me acompanhou durante toda uma noite de leitura, tinha rosto. E esse rosto estava até agora me observando pacientemente, enquanto o vidro trincava com suas batidas.
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Os sons lá fora
Short StoryUm curto conto sobre uma leitura intranquila em uma noite chuvosa.