until my heart is black and blue

379 31 16
                                    

O carro estava um silêncio sepulcral no caminho de volta para a mansão. Odailson não tinha se atrevido nem a ligar o rádio. Daniel, ao lado dele, no banco do passageiro, olhava preocupado para 'Guilherme', penalizado com a expressão ansiosa no rosto do 'filho'. 'Flávia', calada e carrancuda, olhava a paisagem externa pela janela, sem nem mesmo se dignar a dar um olhar que fosse para o 'noivo'.

O advogado até podia entender. Embora a 'nora' tivesse sido presa, seu 'filho' não estava na igreja quando a 'noiva' havia chegado para o casamento e, quando chegou, estava completamente desarrumado, usando um roupão. Entre os dois entraves para a união, inquestionavelmente o de 'Guilherme' era pior do que o de 'Flávia'.

Não pela primeira vez naquele dia, Daniel foi atormentado pela desconfiança de que o atraso de 'Guilherme' tinha o dedo de Celina. Sua esposa tinha sido violentamente contra a união do 'herdeiro' com a 'dançarina', apesar da evidente felicidade do médico na nova relação, e, conhecendo a esposa como conhecia, Daniel sabia-a capaz de tudo para proteger 'Guilherme' do que ela considerava prejudicial ao 'filho'.

Quando chegaram à mansão, Odailson foi direto para a cozinha, Daniel para seu quarto, e Guilherme, sufocando a vontade de chorar, foi para o próprio quarto. Flávia foi atrás dele, ansiosa e preocupada com o silêncio e a barreira que sentia entre ela e o noivo. Conhecia Guilherme muito bem e, embora acreditasse de olhos fechados no amor dele, sabia que os dois contratempos – a prisão dele e o atraso dela – seriam um golpe duro para o seu doutor das galáxias.

Pela primeira vez, não sabia o que fazer. O que dizer. Como convencer Guilherme a não agir sem pensar, a não fazer o que ele evidentemente queria fazer – afinal, se ele quisesse a presença dela, não teria colocado aquela intransponível parede de gelo abstrata entre eles. Sentiu os olhos ardendo de lágrimas, por ele, por ela, por eles, e mordeu o lábio inferior, tentando, inutilmente, sufocar as lágrimas.

O som do soluço sufocado de Flávia fez com que Guilherme, mais ocupado tentando tirar o vestido de noiva com as mãos trêmulas, erguesse abruptamente a cabeça. Vendo a expressão angustiada em seu próprio rosto, sentiu abrandar a raiva em seu coração e se aproximou de Flávia, tocando carinhosamente a pele dela e enxugando a umidade ali.

– Não chora – sussurrou ele.

– Eu só bebi cerveja – respondeu ela com a voz rouca, apoiando a bochecha na palma da mão dele – Eu juro, a Paula, o Odailson e o seu pai podem confirmar. Não sei o que aconteceu.

Olhando nos próprios olhos, vendo a sinceridade dentro deles, Guilherme acreditou. Flávia tinha tanta consciência quanto ele da importância daquela data, e não colocaria em risco o sonho deles.

– Aconteceu alguma coisa de diferente? Alguém inesperado apareceu? – Ele perguntou.

Flávia revirou os olhos e tirou o rosto da mão de Guilherme, enxugando os olhos marejados. Só de lembrar sentiu a boca amarga.

– Só a Teca – ela disse o nome como se o cuspisse – Ela está de olho no seu corpinho desde que botou os olhos em você, você sabe – a garota murmurou, e Guilherme não pôde evitar um calor no coração diante do evidente ciúme da sua amada.

Depois de dezoito anos de casamento com Rose, que não demonstrava qualquer sentimento por ele, fosse ele negativo ou positivo, conviver com Flávia, que desde o começo era sincera e honesta com os próprios sentimentos em relação a ele, era uma mudança muito bem-vinda. E o ciúme dela era extremamente agradável, pois demonstrava o quanto ele era importante para ela.

Mas...

– E o que exatamente ela fez? – Perguntou ele, curioso, com a testa levemente franzida. Da única vez que viu Teca interagindo com seu corpo, a periguete havia alisado seu peito de modo excessivamente íntimo. Seria possível...?

until my heart is black and blueOnde histórias criam vida. Descubra agora