| 01

1.8K 179 32
                                    

love taylor
mar/10, 2pm

Seja qual for o Deus responsável pelas questões climáticas... Alguém o enfureceu pra caralho nos últimos vinte minutos.

O que começou com uma chuvinha fraca e inofensiva virou algo como uma representação realista da merda do dilúvio.

E por isso, fiquei presa na biblioteca do campus depois de passar aqui por cinco minutos. É sério, eu só precisava de um livro minúsculo sobre a fonologia das letras, e provavelmente vou ficar aqui por horas até a chuva diminuir. Isso porque eu não tenho um carro, e uso do meu direito como cidadã de ter um cartão único com acesso grátis a transportes públicos.

Bufando, encontro um lugar no fundo da biblioteca e decido adiantar o meu trabalho que é para, bem, amanhã. Não é exatamente adiantar, então.

Começo a ler, e juro que eu estava me concentrando, mas aí encontrei uma palavra difícil e tive que procurar o significado no dicionário.

O que eu sei é que passei quinze minutos lendo e rindo de palavras novas, estranhas e engraçadas no dicionário castelhano, porque eu peguei o dicionário errado.

TDAH. Não posso fazer muito contra isso.

Eu repeti um ano no ensino fundamental porque não podia prestar atenção na matéria por mais de cinco minutos ininterruptos. Minha mãe procurou ajuda e esse problema melhorou desde então, mas ainda é um problema.

No meio de uma risada histérica depois de ler que a palavra Braga, em castelhano, significa calcinha, eu escuto alguém suspirando forte.

Só então eu me lembro que as pessoas realmente vêm aqui para estudar no dia a dia. E eu aqui fazendo barulho.

Olho ao meu redor, procurando por alguém, mas não vejo nada nítido. No fundo, atrás de uma prateleira, vejo alguém de lado, mas não vejo rosto nem nada.

─ Você é bem barulhenta. ─ a pessoa reclama, e percebo, pela voz, que se trata de um homem. ─ Posso saber o que é tão engraçado? Preciso rir um pouco também.

Não sei se ele falou sério ou apenas está sendo irônico, mas respondo mesmo assim.

─ Calcinha em castelhano é braga. E meias? Los calcetines! Eu juro que pensei que fosse...

─ Você está estudando espanhol por um dicionário desatualizado? ─ o estranho me interrompe.

─ Na verdade, eu deveria estar estudando sobre fonologia, mas encontrei uma palavra difícil e decidi pegar um dicionário, mas aí eu acabei pegando o dicionário de castelhano e...

─ E riu pelos últimos vinte minutos.

─ Exatamente. ─ eu suspiro. ─ Eu atrapalhei seus estudos, não foi? Desculpa, eu esqueci totalmente que não estou sozinha aqui.

─ Não atrapalhou nada, relaxa. ─ ele diz, e ouço o barulho da cadeira raspando no chão. Ele se levantou. ─ Entrei aqui por conta da chuva... que já passou.

─ Já? ─ eu pulo da minha cadeira, olhando pela janela. Não passou totalmente, mas o dilúvio já foi embora. ─ Ah, graças a Deus! Eu estava começando a me perguntar quando o trilhoneto de Noé apareceria.

─ O quê? ─ o estranho pergunta, no meio de uma risada.

─ Aquela chuva era quase um dilúvio do século 21, você não percebeu?

─ Na verdade não, eu entrei logo que começou e me distraí com um livro que eu... ─ o estranho aparece no corredor entre duas estantes e... ele ainda estava falando? O que ele estava falando? Eu deveria responder?

Tudo o que posso fazer é reparar no seu rosto bonito. O cabelo loiro curto, os lábios rosados, a alta estatura e os ombros largos... Eu não ficaria surpresa se ele fosse um deus, qualquer um que fosse.

Aposto em Thoth. O deus da sabedoria e conhecimento.

Ele se calou, e eu percebo que escutei metade das coisas que ele disse. Engulo seco, molhando minha boca seca, e balanço a cabeça em concordância, esperando que funcione.

O deus grego se aproxima e meu corpo fica estático. Ele pega o meu livro na mesa e lê por um momento.

─ Fonologia... Você estuda música ou fonoaudiologia?

Pelo menos isso eu escutei e posso responder.

─ Música. Segundo semestre. ─ eu respondo, sentindo minha alma voltando para o meu corpo.

Homens têm um efeito... estranho, em mim. Bastante estranho. Eu viro uma total idiota, tipo agora.

─ E você?

─ Ciências biológicas com foco em bioforense, quarto semestre. ─ ele responde, colocando o livro de volta na mesa.

Fico boquiaberta por um instante.

─ Isso é... uau! Próxima parada: FBI. ─ o estranho dá risada.

─ Nada tão ousado quanto isso. ─ ele balança a cabeça, mas não diz mais nada. Talvez seja um assunto difícil. ─ Enfim, veja se não há ninguém para incomodar na próxima vez que resolver ter uma crise de riso na biblioteca, ok?

Eu estreito os olhos de brincadeira, e ele dá risada mais uma vez.

O estranho dá as costas e sai da biblioteca. E percebo que não perguntei seu nome.

enchantedOnde histórias criam vida. Descubra agora