O SONHO DE ALICE

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Tudo que eu queria é dormir. Passar o dia entrevistando usuários para receber os benefícios do governo e mais uma vez ter que trazer papeladas e mais papeladas para serem preenchidas em casa é um porre. Porque esse prefeito nunca coloca computadores em todas as salas? Só faz um mês que voltei a trabalhar depois que me recuperei do acidente de carro que tive com a minha família, mas já dá vontade de xingar todo dia ele. Ele só sabe enganar igual os outros, independente se aqui é cidade pequena ou não.

— Quer que eu faça café amor? — perguntou Carlos.

Acredito que foi sorte. De tantos relacionamentos que eu já tive na vida, ter casado com um homem com perfil cuidador e que está sempre de prontidão para me ajudar foi muita sorte. Oito anos vendo esse lindo de um e oitenta de altura, cabelos negros, barba bem desenhada, olhos castanhos fazendo almoço, jantar e até café para mim, é de muitas formas, sexy.

— Não amor, obrigada! — Não tive como conter o sorriso.

Ele me deu um beijo rápido enquanto eu estava terminando de preencher os papeis na mesa após o jantar e saiu da cozinha quando escutou nossa menininha de sete anos que do banheiro falava que tinha terminado o banho.

Quando terminei com aquela papelada toda fui dar o meu boa noite para ela. Carlos já terminou de enxugar a Larissa e estava vestindo o pijaminha nela, depois ele deitou ela na cama de tema menina mundo mágico rosa que ele comprou. Lembro muito bem esse dia. Eu estava de férias e foi lindo ver a reação da nossa garotinha quando chegou da escola e encontrou no quarto a cama que ela tanto queria. Ela gostou mais do que as roupinhas que dei para ela, mas não tanto quanto a boneca de pano que minha irmã deu para ela. Eu particularmente não gosto muito daquela boneca, me dá calafrios às vezes, mas ela adora. Foi um dia das crianças maravilhoso.

— Cadê o meu abraço? — pedi já abrindo os braços.

Pequenos braços não se demoraram a se fecharem na minha cintura, olhando com um sorriso gostoso para cima um mágico te amo mãe preencheu com um pouco mais de ânimo o meu corpo exausto.

— Te amo papai! — falou ela se aninhando de baixo dos lençóis.

Carlos respondeu acariciando os cabelos encaracolados de Larissa, em seguida ligou o pequeno ventilador em cima da mesa de cabeceira branca e desligou a luz enquanto eu estava saindo e fechou a porta do quarto.

A dor na minha cabeça não para de latejar. Fui tomar um banho e logo depois passei na cozinha para tomar algum remédio. Indo finalmente dormir escutei o se mexer de minha filha na cama. Quase que extintivamente me virei e abri a porta do quarto dela e lá estava ela agarrada com a boneca de pano. Uma paz cresce em mim quando vejo ela dormindo.

— Ei! O encontro com o travesseiro vai atrasar — disse Carlos encostado na porta do nosso quarto.

— Já tou indo bestão! — respondi fechando a porta do quarto de nossa filha.

Na cama um boa noite embriagado de sono fugiu da minha boca e encontrou um te amo. Quando eu ia respondendo fui calada com um beijo. Saudades daquele calor. Eu queria mais, mas meu corpo não deixava.

— Também te amo — respondi me virando na direção dele.

A luz da lua que entra pela janela ilumina  um pouco o nosso quarto, dando contorno a ele. Lentamente os olhos dele caíram. Ele adormeceu de barriga para cima.

Meus olhos pesados caíram sem pena. A dor de cabeça se fazendo presente pulsa mais lentamente. Os sons exteriores se tornam mudos. A respiração invade minha mente e com dor ou não o mundo se apaga.

***

Na cozinha o barulho da faca cortando a cenoura parece uma chamada de tambores... pá, pá, pá, pá... pá, pá, pá, pá... pá, pá, pá, pá. Uma risada de Larissa do quarto me chama a atenção, limpando a mão com um pano de prato caminho para ver o motivo daquela alegria. Ao entrar a luz da manhã que até aquele momento refletia o tom amarelado das paredes se torna azulada, sombria. Ela está conversando com a boneca de pano sentada em sua cama.

O Sonho de Alice (um conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora