O veneno

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Senti quando o veneno invadiu meus sentidos. Eu já não tinha mais dúvidas. Existem substâncias que são capazes de contaminar mais rápido do que a gente imagina. E ali, no meio da mata, eu percebi que meu fim estava próximo.

Tem gente que diz que a vida passa diante dos olhos. A minha passou também. Mas não foi como um filme, parecia mais uma peça de teatro, com apenas uma personagem, com apenas uma cena. Um único ato fatal. Era um ato cheio de dentes.

Minhas pernas estremeceram e meu estômago começou a revirar. Ah, os primeiros efeitos. Deu uma vontade súbita de chorar. Chorar pelo quê? Não sei. Mas ela veio como uma onda e eu não conseguia evitar as lágrimas nos olhos. E eu não queria lágrimas, porque ainda queria aproveitar os últimos segundos que me restavam de sã consciência para ver o mundo. Para ver meu mundo.

Havia uma árvore próxima e eu me encostei nela. Respirei fundo, mas até o ar já não me preenchia por completo, como se eu constantemente precisasse de mais, de mais, de mais. Até que nada mais pudesse me preencher direito, nem mesmo o ar. Porque no fundo o que eu queria era ser preenchido de vida, mas ela estava indo embora.

E eu sabia que não haveria jeito de trazê-la pra mim. O veneno já havia se apoderado do meu corpo, agora era só uma questão de tempo. E, ao mesmo tempo, o tempo estava quase parado. Ela, digo, ele se movia devagar. Me encarava, zombava de mim. O tempo era amigo do veneno. 

Um animal passou gritando, eu estava bem no meio da selva e não percebi que ele se aproximava. Era por causa do veneno. Cambaleei para um lugar seguro e sentei-me. Sem conseguir tirar os olhos do tempo, do veneno, do vento. Sim, o vento. Porque ele balançava os limites da realidade – e isso só foi deixando ainda mais claro que eu estava realmente envenenado. 

Por que o veneno tem que nos matar? De onde diabos vem uma substância que é capaz de tirar a vida com tanta eficiência? Que mundo é esse em que não se pode mais nem andar na rua, tranquilo a caminho do trabalho, tentando cuidar da sua própria vida, quando de repente vem aquilo que a gente já julgava esquecido pra sempre, mas não, estava ali e agora é tarde porque ela disse:

– Roberto? É você mesmo?

Ai! Desfaleço! Me acudam! É o veneno!

O livro dos textos despretensiososOnde histórias criam vida. Descubra agora