O Suéter

Finalmente era sábado.
Não que ir para a escola fosse um tormento para Charlie — pelo menos não mais —, entretanto, semana de provas é algo cansativo até mesmo para aqueles que, como ele, têm um bom domínio sobre as disciplinas.
Em seu caso, ir bem nas provas era mais uma cobrança sua consigo mesmo do que uma necessidade de conseguir boas notas. Então, tratava de reforçar o empenho nos estudos e isso acabava se tornando desgastante.
Naquele período em específico, queixava-se menos… na verdade, quase não havia queixas: isso porque a recente aproximação entre ele e Nick acabou levando-os a estudarem juntos. Por mais que aquilo não fosse um pretexto para passarem mais tempo juntos porque eles realmente estudavam, ainda assim era um tempo a mais que aproveitavam a companhia um do outro e se conheciam um pouco mais — para além dos estereótipos do garoto nerd-gay-frágil e do heterotop-popular-capitãodotimederugby.
Nunca havia sido tão leve e descontraído fazer cálculos complexos, dissertar sobre os acontecimentos históricos mundiais e ainda falar sobre comida, sobre arte, sobre a vida — que, inclusive, foi o que mais fizeram na noite de sexta.

Convidara Nick para ir até sua casa e ficarem de bobeira lá; apesar do convite despretensioso, aquilo tinha um significado muito grande para Charlie: era a primeira vez que levaria alguém para casa. Desconsiderando, é claro, seus amigos, porque era diferente. Ainda que entre ele e Nick, até o momento, não houvesse nada além de uma amizade — uma amizade com grande potencial para se tornar colorida, mas ainda somente uma amizade. Mesmo assim, era diferente.
Aceito de imediato, o convite gerou a primeira noite que passaram sozinhos sem que passassem o tempo estudando. As partidas de vídeo-game foram poucas, pois Nick logo desistiu de tentar vencer Charlie em qualquer jogo; a maratona de filmes passou, em sua maioria, sem que prestassem muita atenção aos acontecimentos, pois os comentários que soltavam entre as cenas transformavam-se em conversas sem que percebessem, perdendo longos minutos de filme. Ainda assim, continuavam — os filmes e as conversas.
No último da trilogia, a conversa diminuiu porque o cansaço já tomava conta deles. Com o silêncio, Charlie acabou adormecendo e Nick só percebeu quando sentiu a cabeça do outro repousar em seu ombro. Apesar da vontade de tocar os fios enrolados do cabelo de Charlie e acariciá-los, não queria acordá-lo: contentou-se apenas em inspirar fundo e apreciar o agradável e suave odor que dali emanava enquanto ainda podia, pois já estava tarde e precisava ir embora.

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A primeira coisa que Charlie fez, ao acordar na manhã de sábado, foi reclamar: queria ter dormido até tarde. Embora já se aproximasse do meio-dia, para ele, finais de semana — principalmente aqueles após o período de provas — não eram feitos para se acordar antes das duas da tarde.
O momento de queixa ao ver no celular que ainda era cedo logo findou ao perceber que havia uma mensagem de Nick, desejando-lhe um bom dia, enviada há algumas horas.

[11:36] Charlie Spring: Bom dia!!

[11:36] Charlie Spring: Mas vem cá, acordar cedo é coisa da disciplina de atleta ou o quê?

Depois de responder Nick, Charlie escovou os dentes e desceu para comer alguma coisa. Antes de chegar à cozinha, avistou o suéter de Nick pendurado ao lado da porta. Aproximou-se e o pegou com uma estranha cautela, como se aquilo fosse um objeto frágil, e em seguida levou-o em direção ao nariz.
O perfume de Nick estava impregnado no suéter e mais um pouco ficaria também no rosto de Charlie, não fosse o inesperado surgimento de Tori, sua irmã, que olhou a cena com certa curiosidade.

— Cuidado com a rinite atacar — comentou ela.

Charlie queria enfiar seu rosto ainda mais sobre o suéter, mas desta vez para se esconder diante do constrangimento de ter sido pego naquele momento. Entretanto, inventou uma desculpa rápida e disse que apenas queria saber se aquele seu casaco novo estava fedido, pois iria vesti-lo — e assim o fez.
Não vestiu apenas para reforçar a mentira que contara, pois de qualquer forma já tinha pensado em fazê-lo. Era mais confortável do que imaginava: a maciez do tecido, o tamanho consideravelmente maior do que suas próprias peças de roupa e, é claro, aquele cheiro inebriante que tanto adorava.
Só de se sentar ao lado de Nick já era possível sentir e se deliciar com aquele aroma; quando se abraçavam, em cumprimento ou despedida, era mais forte, mas ainda mais rápido. Vestir o suéter dele era diferente, pois havia um certo aconchego naquilo. Era o mais perto e mais duradouro tempo em que chegara a ficar com aquele cheiro. E, de certa forma, naquela cabeça cientemente apaixonada, era como se o próprio Nick estivesse junto de si. O tempo inteiro. Por onde fosse.
Seu celular tocou, indicando a chegada de novas mensagens. Era ele.

[11:49] Nick Nelson: Deve ser

[11:49] Nick Nelson: Você também tem que começar né

[11:50] Nick Nelson: Agora que entrou pro time de rugby xD

[11:50] Charlie Spring: Sou só o reserva, isso nem conta

[11:50] Nick Nelson: Conta sim

[11:50] Charlie Spring: Não, não

[11:50] Nick Nelson: Claro que conta

[11:50] Nick Nelson: É meio que um acordo entre o time

[11:51] Charlie Spring: Eu não assinei nenhum contrato sobre isso

[11:51] Nick Nelson: Mas e se for um pedido do capitão?

[11:51] Charlie Spring: Hm… aí o Sr. Capitão vai ter que pedir com jeitinho…

"Nick Nelson está digitando…" ficou aparecendo e desaparecendo da tela do celular de Charlie, enquanto este era tomado pela ansiedade na espera de uma resposta para aquela sua tímida tentativa de flerte.
A ansiedade também se fazia presente do outro lado da linha, num Nick completamente indeciso e inseguro sobre a resposta que daria. Cem ideias passaram pela sua cabeça, outras duzentas por seus dedos, mas nenhuma parecia ser boa o suficiente.
Embora já fosse possível perceber uma grande diferença na interação entre eles, onde cada vez mais se sentiam mais à vontade um com o outro, ainda assim haviam momentos em que Nick ficava meio bobo, sem saber direito o que dizer ou fazer.
Depois de poucos minutos que pareceram uma eternidade, Nick respondeu a mensagem enviando um áudio.

— Por favor… Char?