...

8 0 0
                                    

Quando saiu de casa naquela manhã ela ainda pensou no futuro. Não sabia o pouco de presente que restava.
Creme de abóbora para o almoço. Vinho quente com laranja. Limos e Dionísio de mãos dadas.
O vento estava cortando até a alma. Precisava cortar o cabelo.
Um passo após o outro. Frio.
A cidade cinza. As pessoas cinza.
Um espelho quebrado. Ele pode refletir mais sóis, se Apolo der o ar da graça.
Mãos nos bolsos. Vozes na cabeça.
O homem dorme na calçada e ela pensa que a morte não espera a burocracia do repasse de recursos.
O gari varre as folhas sorrindo. Ártemis.
Que horas abre a papelaria? 10 minutos.
As luzes do semáforo.
Palavras cruzadas na banca de revista. Temos café. E o amor, onde está?
Percebe a brecha no guarda-corpo da trincheira. O vento mais forte. Éolo.
Os carros, lá embaixo parecem desacelerar.
Cantarola Sereníssima e apóia o pé esquerdo. O direito alcança mais devagar. O metal frio nas canelas.
Braços abertos.
Foi pra ela que Cronos acenou? Não. Não tinha mais tempo.
Na memória vê aquela fotografia.
Um sopro.
Tudo parando.
O escuro.
E enquanto espalha-se como um dente-de-leão no ar percebe que não era Cronos quem acenava, era Morfeu.
Ninguém pode ser infeliz dormindo.

É trincheira ou travessia? Onde histórias criam vida. Descubra agora