when all hope is gone

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Flávia acordou naquela manhã com a perna direita jogada sobre as pernas do marido, enquanto o braço dele estava estendido sobre ela e Thaís, a qual dormia aninhada no calor dos corpos dos pais. Desde o nascimento de sua pequena, eles haviam descartado o berço cuidadosamente escolhido durante a gravidez, os dois cada vez mais conscientes do quão perto estavam de ter o cristal de sua felicidade espatifado.

E o dia tão temido pelo doutor das galáxias estava ali, na porta. Aquele dia podia marcar as últimas 24 horas de Flávia com sua família inteira (ela, o marido, a mãe, o padrasto), pois, a qualquer hora do dia seguinte, alguém a quem ela amava lhe seria roubado pela Morte.

Sentiu um aperto no coração ao pensar naquilo. Havia passado 23 anos sem a presença da mãe, de Guilherme, de Neném em sua vida; porém, não conseguia como conseguiria viver dali para a frente caso um deles fosse o escolhido para partir.

Especialmente Guilherme.

Abriu os olhos e olhou o rosto ainda adormecido do marido. Nas últimas semanas, ele estava sendo atormentado por pesadelos, nos quais ela era a escolhida e o deixava sozinho para criar a filha deles, ainda recém-nascida. Não foram poucas as vezes em que ela havia acordado no meio da noite, com Thaís aninhada em seu corpo, e Guilherme sentado na poltrona, olhando para as duas com um desespero nos olhos que a fazia pular da cama e se atirar nos braços dele.

Ela sentia emoções similares; porém, era mais otimista do que ele. Haviam enfrentado tantas coisas por sua felicidade, desde eles mesmos até Celina, Cora e Roni, que ela se recusava a acreditar que um deles seria escolhido. Eles eram pais de uma menina recém-nascida, com a qual Guilherme sonhou anos e Flávia desejou o momento em que se apaixonou por ele. A Morte não ia ser cruel de tirar um deles de Thaís, seria?

(Flávia não sabia o que faria se Guilherme fosse o destinado. Se fosse ela, ia armar um barraco daqueles. Ou talvez implorar à Morte para não fazer aquilo com a sua filha, com a sua família. Guilherme não suportaria. Nem mesmo por Thaís. Ele mesmo tinha lhe dito isso no dia do parto da menina.)

No mountain's too high for you to climb

All you have to do is have some climbing faith, oh yeah

No river's too wide for you to make it across

All you have to do is believe it when you pray

And then, you will see, the morning will come

And every day will be bright as the sun

All of your fears, cast them on me

I just want you to see

A abusada levou a mão até o rosto do marido e acariciou a pele quente e levemente barbada. Há nove meses acordava todos os dias para aquela visão, e queria continuar acordando. Queria ver mais fios brancos surgindo nos cabelos negros do marido, rugas engilhando os cantos de seus olhos, a voz enrouquecendo com o passar dos anos.

Queria continuar sua vida ao lado de Guilherme, criando sua princesa e tendo outro príncipe.

Seus olhos se encheram de lágrimas e ela aproximou o corpo do marido o máximo possível, considerando o pacotinho delicado e perfumado entre eles. Fechou as piscinas negras, sentindo duas lágrimas rolarem por seu rosto. Embora não fosse uma pessoa de fé (invejava Neném nesse ponto, ele continuava tão devoto quanto sempre de São Judas Tadeu), se permitiu uma oração silenciosa para que não fossem eles os escolhidos.

(E, se ela também pediu para nenhum dos quatro ser escolhido, só ela e os santos e as forças superiores e as entidades espirituais saberiam)

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