01|CAPÍTULO UM
--Encontraram Finley esta noite, nos arredores da Floresta Sangrenta,morto.
Tirei os olhos das cartas, passando pela superfície pintada de vermelho, e olhei para os três homens sentados à mesa. Tive um motivo para escolher aquele lugar. Eu... não senti nada emanando deles conforme caminhava por entre as mesas lotadas mais cedo.
Nenhuma dor, física ou emocional.
Geralmente, eu não insistia para ver se havia alguém sofrendo. Fazer isso sem motivo me parecia incrivelmente invasivo, porém, no meio de uma multidão era difícil controlar o quanto eu me permitia sentir. Havia sempre
alguém cuja dor era tão profunda, tão crua, que a angústia se tornava uma entidade palpável que eu nem precisava aguçar os sentidos para perceber, que não conseguia evitar nem me distanciar. Aquelas pessoas projetavam
agonia no mundo à sua volta.
Eu era proibida de fazer qualquer coisa além de ignorar. De falar sobre o dom que os Deuses me concederam e de nunca, jamais, agir a respeito do que senti.
Não que eu sempre fizesse o que deveria.
É óbvio.
Mas aqueles homens estavam bem quando agucei os sentidos para evitar as pessoas em sofrimento profundo, o que era surpreendente em vista de sua profissão. Eram guardas da Colina, a muralha montanhosa construída a
partir do calcário e do ferro minerados dos Picos Elísios. Desde o término da Guerra dos Dois Reis, havia quatro séculos, a Colina cercava todo o Território da Masadônia, e todas as cidades do Reino de Solis foram protegidas por uma Colina. Versões menores rodeavam vilarejos e postos de treinamento, comunidades agrícolas e outras cidades parcamente povoadas.
As coisas que os guardas testemunhavam diariamente, assim como as que eram obrigados a fazer, muitas vezes os deixavam angustiados, fosse pelos ferimentos ou pelo que ultrapassava a pele machucada e os ossos quebrados.
Nesta noite, além da ausência de angústia, eles também não vestiam suas armaduras e uniformes. Em vez disso, usavam camisas folgadas e calças de camurça. Ainda assim, eu sabia que, mesmo fora de serviço, eles se
mantinham atentos aos sinais da temida névoa e dos terrores que a acompanhavam, e alertas àqueles que se empenhavam contra o futuro do reino. Permaneciam armados até os dentes.
E eu também.
Oculto sob as dobras da capa e do vestido fino que eu usava por baixo, o punho frio da adaga que nunca esquentava com o calor da minha pele estava embainhado contra a coxa. Presente do meu aniversário de dezesseis
anos, aquela não era a única arma que eu tinha, nem era a mais letal, mas era a minha favorita. O punho era forjado com os ossos de um lupino extinto há muito tempo - uma criatura que não era nem homem nem fera, mas ambas as coisas -, e a lâmina era feita com uma pedra de sangue
amolada até ficar fatalmente afiada.
Posso estar prestes a fazer algo incrivelmente imprudente, inapropriado e absolutamente proibido mais uma vez, mas não sou tola o bastante para entrar em um lugar como o Pérola Vermelha sem proteção, a habilidade para usá-la e os meios necessários para sacar a arma e empregá-la sem a mínima hesitação.
- Morto? - perguntou o outro guarda, um mais jovem, com cabelos castanho-claros e um rosto simpático. Acho que ele se chamava Airrick, e não podia ser muito mais velho que os meus dezoito anos.
- Ele não estava apenas morto. Finley teve o sangue drenado e a pele mastigada como se cães selvagens o tivessem abocanhado e o deixado em pedacinhos.
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𝐷𝑒 𝑠𝑎𝑛𝑔𝑢𝑒 𝑒 𝑐𝑖𝑛𝑧𝑎𝑠
FantasiaLIVRO 1 Em meio a uma história de tantas reviravoltas e dilemas, o futuro de Poppy está cada vez mais incerto e perigoso. A vida de dois reinos está em suas mãos. Até onde ela e Hawke terão coragem de ultrapassar o proibido para se aventurar em novo...