Prólogo

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13 de Maio

Pedaços do tecido de cor celeste eram puxados por galhos afiados e secos das árvores de outono, arruinando todo o seu vestido manchado em carmim. As mesmas pontas secas riscavam de vermelho a pela sensível onde gotas de gangue escorriam por caminhos trêmulos seguindo a gravidade e os movimentos trêmulos e cambaleantes da corrida pelo terreno acidentado da floresta. Hora terra molhada e folhas podres e úmidas, hora por pedras cobertas por musgos escorregadios.

Era difícil ver por onde seguia, quando a noite formava uma parede escura e intransponível  a sua volta. Uma força escura que conseguia cobrir até mesmo a luz da lua ou de estrelas que não deixavam rastro forte o suficiente para atravessar as nuvens pesadas e estáticas de uma tempestade tão negra que conseguia se fundir com a infinitude da noite. 

O vento que passava pelos troncos era gelado e criava uma resistência gelada ao redor do desespero cego que fazia a garota correr enquanto galhos chicoteavam por todos os lados, seus dentes apertavam quando o ar gélido invadiam suas narinas, ardendo abrindo caminho até o meio de seu peito onde queimava em chamas. E isso doía.

Os cortes e açoites da mata em nada se comprava com a dor que conhecera aquela noite, que se integrara a sua carne e jamais poderia ser curada ou limpa. A dor borbulhava por seus ossos e cravara em seu interior marcas que jamais seriam retiradas, marcas que queimavam. E isso a fazia correr, correr o mais rápido que seu corpo permitia, pisando em buracos, rasgando suas pernas, caindo e se levantando pois nem a escuridão da noite era tão maligna quanto a dor que conhecera aquela noite.

O ventou uivou para o desfiladeiro no fim da vegetação e ela sabia o que encontraria. A salvação. Finalmente.

Seus pés machucados se impulsionaram com mais força, seu pequeno corpo trabalhou com mais empenho, a dor e o medo lhe fornecia o combustível que precisava para por fim ao seu desespero. Pedras e declínios não pareciam obstáculos capazes de fazer com que ela tropeçasse.

Ela viu o caminho se abrindo e ouviu o estrondoso barulho de ondas raivosas quebrando ali por perto e então enche o pulmão de ar, ignorando o ardor, fecha a mão em punho e se impulsiona para frente em encontro aos primeiros pingos de chuva.

Para liberdade.

Os pequenos braços dançaram no ritmo do vento, leves e graciosos. Engolidos pela escuridão da noite, assim como seus cabelos loiros, esvoaçantes, cobrindo todo seu rosto. Assim seu pequeno corpo caiu. Despencou contra o atrito do ar gelado. Batendo e partindo seus delicados ossos contra o mar.

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