A Jornada

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Quando acordamos de um pesadelo levamos de segundos a um minuto para nos situarmos a realidade novamente. Observamos o ambiente a nossa volta, abrimos e fechamos os olhos, ouvimos os movimentos da rotina e naturalmente logo tudo volta ao normal. Com o decorrer do dia o sonho ruim nos acompanha desejando fazer parte da rotina, mas em sã consciência sabemos que já estamos acordados e que aquilo não passa de uma perturbação temporária, logo vai passar. Assim é quando nossa mente projeta no sono o medo ou o desejo entranhado em nosso subconsciente. Todos têm medo, até o corajoso em sua valentia é aterrorizado por aquilo com que a sua bravura não pode lidar. Bem, no meu caso, acordei em um dia comum e descobri que o fim do mundo havia chegado. Mas não foi com o proclamado apocalipse bíblico há tempos mencionado, ao menos não era o que parecia. Foi com a chegada de uma inexplicável solidão com a qual fui obrigado a lidar durante certo tempo. Após dias caminhando em busca de uma explicação plausível pude entender que parecia ser o último ser humano na Terra. A partir daí os pensamentos eram tudo o que eu tinha.

Quando refletimos com profundidade sobre nossas tendências acabamos por perceber que a tal busca incessante por alguma coisa é sempre um fim para o início de um novo propósito. Logo uma nova jornada começa e um novo sonho é colocado em pauta, pois dizem nossas tendências que o homem não pode parar de sonhar, caso contrário já estará morto. Precisei encarar a solidão para compreender que estar acordado é tão valioso quanto à possibilidade do sonho. Além disto, a realidade que me encarava não podia ser ignorada de modo algum. Ao acordar na maca de uma ambulância com apenas a companhia do soro injetado em minha veia percebi que precisava seguir em frente, pois o pesadelo era real. Caminhar e pensar fruto de todo bom homem ao longo da história, mas pouco compreendido, pouco valorizado. Era mesmo tudo o que eu tinha.

Quando saí da ambulância tentei imediatamente me situar no mundo, mas o evento não apresentava lógica. Todavia a lógica é apenas um padrão das coisas e é um fato irrefutável que tudo sempre pode mudar. Eu estava sem telefone, então não tive como tentar uma ligação para ninguém. Observei estupefato ao meu redor um silêncio sepulcral. Não havia barulho, não havia movimentos e nem vozes, não havia pessoas. Devo dizer que sou apenas um homem comum, alguém que nunca se perguntou o que faria em tal situação desfavorável. Mas é na falta da pergunta correta ou de uma direção a seguir que o instinto de sobrevivência toma as rédeas. Compelido por este instinto e uma enorme fome e sede precisei com certa urgência buscar por alimentos. Retirei cuidadosamente a agulha injetada em mim e livrei-me do soro. Olhei para o banco do motorista e não vi ninguém. As portas laterais e traseiras estavam fechadas, então puxei a da lateral para sair. A ambulância em que estava havia parado próximo a um antes povoado centro urbano. Precisei andar pouco até encontrar um supermercado. Diferente do que se possa imaginar de um mundo pós-apocalíptico, não havia racionamento de comida. Os mercados e lojas não pareciam ter sido saqueados e ao contrário disto tirando o arrebatamento das pessoas tudo estava absolutamente normal. As prateleiras dos estabelecimentos estavam bem preenchidas e pude encher um carrinho com tudo o que precisava. Subtraí do lugar algumas coisas práticas que pude comer na hora para saciar minha fome. Coloquei água gelada e alguns refrigerantes no carrinho também. Ao sair do mercado por força do hábito me dirigi a um dos caixas, mas logo fui lembrado de que não havia pessoas. Mesmo naquela situação eu quase me vi roubando as compras pelas quais não paguei. Antes de deixar o lugar fitei uma câmera no alto do teto na saída da porta, estaria alguém ali me vigiando? Acenei para a câmera, fiz isto por quase dois minutos e esperei. Ninguém veio.

Após sair do mercado retornei a ambulância e coloquei as compras na parte traseira de onde saí. Tentei acomodar tudo em cima e embaixo da maca, porém ao perceber que o espaço foi mal administrado desmontei a maca e coloquei tudo no assoalho. Fechei a porta lateral e olhei para o carrinho de compras vazio do lado de fora. Talvez ele pudesse ser útil. Então abri as portas traseiras e o coloquei lá onde havia espaço. Em seguida parti para frente do veículo e sentei no banco do motorista. A chave estava na ignição. Dei partida no motor e já tinha em mente o lugar para onde iria em seguida. Eu precisava saber se todos haviam mesmo partido. Poucos minutos depois eu seguia o trajeto rumo a minha segunda busca daquele dia, eu estava indo para casa.

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