Unico capitulo

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Gostaria aqui de fazer um desabafo público, porém anônimo e portanto mais sincero.
Nunca fui aluna problema, perfeitamente domesticada, sempre fui aquela aluna que os professores gostavam. Disciplinada, quieta, parada, boa ouvinte.
Posso dizer isso dos meus primeiros anos escolares. Ao mesmo tempo, sempre fui uma aluna com dificuldades, em especial nas matérias de exatas, mas não só. Sempre fui a "atrasadinha esforçada" a qual os professores dado o bom comportamento, sempre perdoavam os erros de português, de lógica e em especial os de cálculo.
Com o passar dos anos fui demonstrando uma enorme aptidão para matérias de história e geografia política.
Todavia, quando se estuda história, se sabemos ler, escutar e interpretar os acontecimentos, vamos criando uma visão crítica sobre o mundo.
Criamos opiniões as quais botamos a prova o tempo todo, e depois, as reformulamos.
A escola sempre foi uma tortura, todas aquelas interações sociais as quais eu não queria e não tinha vontade de ter.
Em grande parte, porque eu desprezava a visão de mundo da maior parte dos meus colegas de classe média alta, que eram expressadas em colocações despretenciosas no dia a dia, tais quais "você está está sempre com a mesma roupa", "fulaninho é gay"," fulaninha é homem", "ciclaninho é retardado", ciclaninha não dá pra pegar porque é muito preta"
Minhas opiniões e visão de vida não apenas não combinavam com a deles, como eu não as entendia. E daí que fulaninho é gay, e daí que Mariazinha gosta de meninas, o que eu tenho a ver com essas coisas e porque caberia a terceiros fazer qualquer julgamento!?Nao vou nem me referir aos inúmeros casos de racismo como os da frase citada a cima, mesmo hoje, para mim é complicado e causa arrepios.
Até que em certo ponto eu mesma comecei a sofrer o chamado bullying. E o que me salvou?
A benevolência dos professores. Em especial nas matérias as quais eu me saía melhor.
E fica a questão, eu me saia melhor que os meus colegas porque eu teria algum tipo de aptidão ou porque por já ter tido este estímulo em casa, e por ser uma aluna "quieta" meu bom desempenho era desejado e estimulado por esses professores?
Eu sei a resposta. Eu não tenho mais aptidão para nada do que ninguém. Ninguém tem.
Com o passar do tempo me desvencilhei de minha família materna, com a qual vivia em São Paulo é com a qual a relação nunca foi boa. Depois volto nisso.
Outra coisa que me poupou foi que, apesar de minhas dificuldades, vim de uma família de professores, fui alfabetizada antes de entrar na escola pela minha querida avó, a base de muito sofrimento tanto meu quanto dela, desesperada para que eu escrevesse um s ao invés de um 5. Nesta época, levantou-se a possibilidade de eu ter dislexia, mas minha mãe negou até os ossos a possibilidade e minha avó milagrosamente me alfabetizou.
Logo, o sofrimento da alfabetização na escola também foi poupado.
Apesar de ler muito devagar, sempre gostei de ler. Não, minto. Até os 11 anos eu não via utilidade nenhuma nisso, até que uma tia muito querida me jogou um livro durante as férias, despretenciosamente dizendo " esse você vai gostar". Não minto, comecei a ler para agradá-la, até hoje gosto muito dela, depois, esse virou meu livro favorito por anos.
No final, a verdade é que eu nunca gostei de história, mas da história das pessoas, dos comuns.
O texto tá confuso, mas foda- se eu sei que só eu vou ler. Então vamos lá.
Depois que entrei na faculdade, sem o auxílio financeiro de minha mãe (pouparei meus leitores imaginários de uma longa história na qual sou expula da casa de minha mãe durante o curso) a realidade bateu a minha porta.
Antes que me perguntem, não, não seria melhor voltar para a casa de minha mãe. Preferi passar dificuldades a ponto de ter que escolher entre transporte público e comida do que voltar, se é que isso passa a gravidade da situação.
Trabalhando, não havia tempo suficiente para os estudos, eu, que sempre li devagar me deparei com uma quantidade absurda de volume de leitura em um tempo mínimo, dependendo da exigência do professor, até desrespeitoso.
Depois de muito tentar, depois de muitos fracassos e notas baixas, por mais que eu estudasse não tinha o mesmo ânimo.
Meus professores não eram os mesmos, e a aula que antes era muito mais falada que lida passou a depender muito mais da minha leitura de textos extensos e difíceis do que da fala acalorada dos professores.
Sempre aprendi melhor escutando.  Mas e aí? Sou alfabetizada desde os 4 anos, como tinha tanta dificuldade para ler e absorver a informação?
A verdade, é que apesar de eu ler bastante, sempre pude ler no meu tempo, e apesar de trocar algumas sílabas, ler muitas palavras erradas, ou ler muitas palavras corretamente e ainda assim escrevê-las erradas nada disso nunca foi pesquisado a fundo e minha capacidade de leitura nunca foi posta à prova.
Fui tirada como burra diversas vezes por conta disso, é verdade, e por mais que eu tivesse um vocabulário rico em minha cabeça, nem sempre eu tinha tempo de organiza-ló com calma antes de situações vexatórias.
Hoje, jubilando na faculdade, me deparo novamente, depois de um atendimento psicológico dado pelo sus, com o diagnóstico de dislexia.
Diagnóstico pelo qual não posso pagar para ter e não é oferecido pelo sus, que apenas pode sugerir a possibilidade.
Este problema me torna uma empregada pior, uma aluna vista como desleixada, vagabunda, aquela que nada faz na faculdade, apesar de meu continuo esforço.
Minha auto estima vem caindo drasticamente. Visto, que já no meu primeiro estágio, por falta de instrução (preciso de ordens extremamente claras, de uma forma que não possa haver falhas de interpretação quanto as expectativas do empregador) eu não correspondia às expectativas e escutava frases como "você quer fazer trabalho de burro de carga a vida toda?". Na faculdade não era diferem: "vocês não sabem ler", "se não for ler o artigo, nem aparece na minha aula", "se vocês não entenderam isso e estão no curso, já podem sair pela porta", " vocês estão na usp, tem o mínimo de habilidade que eu espero de vocês por estarem aqui" etc....
Percebi que haviam outros alunos com dificuldades, a grande maioria acabou por largar o curso. Depois de muito bater murro em ponta de faca, o curso desistiu de mim e eu estou jubilando. Não há mais nada que eu possa fazer, fui classificada como uma aluna ruim.
Me tornei mão de obra barata, lugar no qual se encontra 90% da população.
Hoje, sou secretária e uso o restante dos rendimentos da universidade, que irão até o final do semestre, para pagar algum tratamento psicológico e juntar os cacos. Achar um objetivo de vida dentro do que a sociedade me permite.
Convenhamos, o que é o sistema de ensino hoje? Para que estudamos?
Me parece que estudamos para que possamos vender nossa mão de obra por um pouco mais de dinheiro para poder comprar nossos direitos básicos (saúde, moradia, comida, educação formal)
Estou mais do que cansada por ser olhada de forma torta por não ter tido a capacidade de terminar a faculdade, afinal, quem quer consegue né?
Não vou me alongar aqui sobre como as questões econômicas, sociais e psicológicas influenciam nossa relação com a educação formal. Nem no fato de que essa educação privilegia uma cultura a qual quem tem acesso são os mais abastados, enquanto outras vivências sao deixadas de lado, ate porque, até o final do ensino médio esse nunca foi o meu caso.
Me parece muito que trabalhamos para viver e vivemos para trabalhar. Que há uma classe, melhor paga é que conseguiu prolongar os estudos, que acha que não é burro de carga porque ganha uns trocados a mais para ter bons serviços básicos e lazer, e por isso se acha superior, mas seguem com um cabresto de ouro trabalhando para uma instituição a qual não os valoriza e que está muito longe de chegar a real classe burguesa desse país (não digo elite, porque além de não trabalhar e se utilizarem da mão de obra de outros, também não estudam).
A escola faz questão de separar os melhores alunos daqueles que vão mal, e pronto, seu destino está traçado aí. Ninguém se importa em estimular nada, nenhuma aptidão, muito menos aquelas que não tem tanta chance de um sucesso financeiro. Depois que essa classificação é feita é difícil de mudá-la dentro da instituição, e assim é criada uma massa que trabalhará para outra. Não vou nem falar sobre as diferenças de "qualidade de ensino" ou cobrança entre escolas particulares caras, de classe média e escola pública que por si só já faz essa divisão. Trabalhadores braçais ou gestores, acadêmicos e afins.
O que estão estudando os "estudados" que não estão no mínimo com raiva. Será que eles acham que estão protegidos por vender uma mão de obra especializada e mais cara? Não tem medo de ficarem anos doentes, e sem o fruto de seu trabalho não terem o mínimo para viver?
Os recursos são melhores para essas pessoas, e a solução dos problemas mais fáceis, o que talvez tenha amenizado seu descontentamento(espero eu que ele exista).
Me pergunto para onde vai a educação que não nos ensina nada sobre a vida no período escolar, mas qualifica nossa mão de obra para que possamos vendê-la e comprarmos aquilo que nos faz falta aprender. Não aprendemos a ter uma boa alimentação, mas compramos o tratamento para as consequências, dentre outros vários exemplos que poderiam ser citados.
A própria educação virou um produto a ser vendido para consumidores que não tem o tempo para estudá-la, visto que estão vendendo seu trabalho para comprá-la. O mesmo vale para a saúde e outras áreas da vida.
Criamos produtos (mão de obra) que geram mercadoria, sendo necessário para o trabalhador (ainda um produto) comprar a mercadoria que ele mesmo ajuda a produzir.
Porque ninguém está falando sobre isso? Porque não tem ninguém indignado? Onde estão aqueles que eruditos que falam sobre os pobres e os "defendem".
Não coloco essa responsabilidade sobre a massa trabalhadora mais pobre, pois eles mesmos são vítimas de explicação simplórias e ofensivas a respeito de seu fracasso. Muitos acreditam que não tem a mesma capacidade de seu patrão e que a culpa é deles e não de um sistema que favorece os mais abastados. Ainda que os mais abastados que não pertencem a alta burguesia sejam burros o suficiente para acreditar que este sistema os beneficia, ou pior, que são especiais, merecedores ou mais esforçados.
Cansada, simplesmente cansada.

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⏰ Última atualização: Mar 12, 2023 ⏰

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