Começou como uma brincadeira. Eugénio havia lido uma história em que a protagonista lhe lembrara absurdamente de Violeta. Tudo lhe lembrava absurdamente de Violeta. Ruby. Era assim que a heroína do livro se chamava. Era uma revistinha que um dia pegara para matar o tempo enquanto esperava o comboio chegar. Foi assim que começou. O seu apelido carinhoso para ela passara a ser Ruby. As cartas secretas que nunca teriam remetente, os poemas que lhe escrevia em noites de insónia (todas causadas por ela)...tudo vinha com o nome Ruby. Ruby era muito semelhante a rubi, cor na qual a sua amada lhe roubava completamente o ar. Então ele passou a usar com ainda mais veemência. Ela era a sua Ruby, a sua heroína, a protagonista da sua história.
Quando viajaram para o Rio de Janeiro, nos momentos em que estavam abraçados à luz da lua, banhados naquela atmosfera de amor e desejo, Eugénio deixara, vez ou outra, escapar alguns versos de uma canção que compusera para ela. Ela sorria-lhe, abraçando-o com mais ímpeto e ele percebera por fim que jóia alguma era tão valiosa quanto aquele sorriso.
Aquela felicidade fora tão profunda e simultaneamente fugaz. A realidade mergulhara-os num mar de tormenta e nenhum dos dois sabia que direção tomar para não cair no abismo. Contudo, ele sabia que por mais perdido que estivesse, era com ela que queria estar perdido. Era ela. Estava perdido por ela. E só assim tinha sentido perder-se. Mas ela tinha medo. E partiu. A sua Violeta, a sua flor flamejante. O seu rubi. A sua Ruby. Acima de tudo, o seu amor.
O reencontro no casino estava a ser doloroso de uma forma que facada alguma poderia ser. Era forçado a ficar ali, fingir indiferença quando tudo o que queria era atravessar o salão e tomá-la nos braços, beijá-la até não poder mais. Ah, minha doce Ruby. E foi aí que teve uma ideia.
Pediu a Constantino se poderia cantar uma singela música para os presentes. A verdade é que era para ela. Só para ela. Sentando-se no piano, começou. O seu olhar jamais a abandonou. Existiam olhos mais belos do que os dela? Se existiam, Eugénio não conhecia. Precisou de um auto controle que não tem para não perder a fala ao mirá-la. Deu início à música. À música que tinha feito para ela. A sua Ruby.
"They say, Ruby you're like a dream
Not always what you seem
And though my heart may break when I awake
Let it be so, I only know
Ruby, it's you"
Os olhos de Violeta brilharam, ofuscando todos os candeeiros naquele local e subitamente, eram só eles ali. Na troca de olhares, dançavam um com o outro, abraçados, lentamente. Ai, como é duro amar. Como é doce amar. Vendo a emoção espelhada nos olhos da mulher amada, Eugénio concluiu que nada mais valia a pena a não ser amar."I hear your voice and I must come to you (must come to you)
I have no choice, so what else can I do? (what else can I do?)"
A emoção toma-lhe conta da voz e é tão difícil vê-la tão perto e não poder tê-la nos seus braços. É a dor de todos aqueles 10 anos redobrada. Porque agora sabe como é tê-la, senti-la, amá-la. E não há nada mais que o faça sentir vivo. Só ela. A sua Violeta, a sua chata de galocha. A sua amante, amiga, a dona dos seus sonhos. A sua heroína. Nunca lhe tinha dito, mas Violeta salvara a sua vida. Quando a viu entrar na sala daquela fazenda, de cabelos molhados e língua afiada, soube como era ter um coração a bater dentro do peito. Violeta despertou-o para a vida como nunca ninguém tinha feito antes. Violeta salvara-o. Da mesmice, da indiferença. Violeta não o fez apenas sentir. Violeta deu-lhe um sentido para viver.
"They say, Ruby you're like a flame
Into my life you came
And though I should beware, still I just don't care
You thrill me so, I only know
Ruby, it's you"
Ela é isso. A chama dos seus dias, a euforia de todas as horas. Nas discussões, nos abraços, nos beijos, nos olhares. Como é bom amá-la. Como é bom poder fitá-la nos fins da tarde e ver o pôr do sol beijar-lhe os olhos, tornando-os dourados. Como é bom poder ver o vento do Outono brincar com os seus cabelos, os mesmos por que mataria para poder embrenhar as suas mãos mais uma vez. Ali está ela, o amor da sua vida, vestida a rigor na cor do amor. Ela é o amor. O seu amor.
"They say, Ruby you're like a flame
Into my life you came
And though I should beware, still I don't care
You thrill me so, I only know
Ruby, it's you"
Ele sabe que ela sabe que esta canção é para ela. Naquele mundo criado pelos olhares que sustentam entre ambos, não existe mais nada. São só eles e a meia-luz da sala que testemunha o momento. O último verso sai-lhe custoso dos lábios e cheio de significado. Porque é ela. Sempre foi. Sempre será. Ele deveria ter tido cuidado e aos olhos do mundo aquele sentimento é uma inconsciência, uma loucura. Contudo, nos olhos mareados dos dois vê-se claramente que isso não tem a menor importância. Porque eles são a euforia um do outro. Eles são a chama que alimenta o espírito um do outro. Não importa se não faz sentido para os outros. O amor não tem de fazer sentido. Ele dá sentido.Foi assim com eles. O amor que sentem trouxe sentido às suas vidas e esta música é mais que uma declaração do irrevogável amor que Eugénio sente por Violeta. É uma afirmação. Pois mesmo que tudo termine mal entre eles, a verdade é que ele estará para sempre encantado de tê-la conhecido.
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Ruby
FanfictionInspirada na música "Ruby" do Ray Charles, que neste universo foi o Eugénio que criou para a Violeta. P.S. Ouçam a música enquanto lêem para dar um toque mais romântico ao momento 🌹