Muitas coisas que fiz no passado me perseguem até hoje, digamos que sejam demônios trazendo o inferno até mim.
No fundo, eu sabia que não tinha matado os homens no armazém, mas tortura? Aquilo foi brutal, as expressões deles, a dor em seus olhos, não era eu, isso era o que ocorria quando eu ficava sob pressão, a sociedade me preparou pra isso.
Era como se a voz que escuto em momentos de desespero tomasse conta de mim, e não me entenda mal, eu não sou louco, mas experimente tomar uma atitude a sangue frio, com coisas importantes em jogo, não suportaria fazer algo assim novamente.
Aquele momento de quase morte me abriram os olhos, eu confiei demais em outras pessoas, e me apaixonei por alguém no próprio caso, um detetive não faz isso. Eu sempre tentei ser o melhor no que faço, era fácil ser bom em casos pequenos, e confesso, eu estava em um caso onde a maré realmente subiu, como imaginei.
Espero que Millisent esteja bem, ainda estou apaixonado por ela, e preciso encontra-la. Por enquanto, infelizmente, prefiro esquecer esse sentimento.
Admito que fui um péssimo detetive, preciso agir como o tal, e ser a pessoa que meu tio tanto prezava.
Estou em um apartamento, acordei há alguns minutos, os ferimentos no estômago haviam sido costurados. Por quem? Não sei.
Estava em uma cama, o quarto era uma bagunça, em minha observação. Me recordo das vozes misteriosas e de ser levado em um carro, tento me levantar e fugir.
A porta se abre.
Um jovem aparece, corte de cabelo arrumado, bigode bem feito, usava uma camiseta branca, teria aparentemente vinte anos de idade. Quando me viu, saiu gritando pela casa, me levanto e procuro por janelas ou portas.
Outros dois jovens aparecem, um rapaz e uma moça, os dois aparentemente de menos idade que o outro garoto.
Por a expressão facial, tinham medo de mim.
Peço que tenham calma.
O rapaz mais velho volta a ficar presente, dessa vez, tinha um bastão em mãos, ele estava disposto a brigar, e foi aí, que de repente...
Uma voz gritou.
- volte para cama, agora!
Uma mulher apareceu, armada com uma espingarda, obviamente, eu a obedeci.
- já falei pra chamar a polícia, ele claramente é um criminoso.
Gritava aflito o rapaz de cabelo arrumado outra vez.
- não, não é.
Retruca a mulher com o dedo no gatilho.
- como assim não é, não vê? Encontramos ele esfaqueado e quase morto, logo depois daquele tiro ao que eu ouvi ao longe, mas ninguém deu bola.
O rapaz estava desesperado.
- eu não sou um criminoso.
Falo pela primeira vez.
Silêncio.
- por quê cuidou de mim, um desconhecido?
Pergunto para a mulher com a espingarda.
O silêncio continuou.
Alguns segundos se passam e ela manda os jovens saírem do quarto, todos obedecem, até o rapaz aflito, mesmo com relutância.
Em poucos instantes, só ela e eu.
- então, por quê me salvaram?
Pergunto novamente.
- o hospital fica muito longe, você não resistiria.
Ela responde.
parecia entender do assunto.
- você é médica?
Pergunto.
- sim.
Ela me olhava seria, sempre apontando a espingarda em meu rosto.
- por quê não ligou pra polícia?
Silêncio.
Ela se aproxima da porta.
Me encarando nos olhos.
A mulher respira fundo e continua.
- sendo cinsera, eu ainda não sei, apesar de ter considerado muito essa opção, talvez tive pena e esperei você acordar.
- ninguém faz isso.
Ri ironicamente.
- ainda cogito ligar para a polícia.
Retrucou ela, falava sério.
- você precisa me deixar sair.
Ela sorri.
- e porquê eu faria isso?
Começo a conversar com seriedade, o clima da conversa muda implicitamente.
- eu estou correndo perigo, e quem anda comigo também corre. Eu não sou um bandido, eu juro, isso eu posso te prometer, precisa me deixar ir.
Ela segura forte a espingarda.
- Me diga quem você é, ou eu chamarei a polícia.
Se eu continuasse enrolando, ela ligaria pra polícia, e eu não poderia ser preso, Armando iria adorar que isso acontecesse. Por outro lado, eu só preciso fugir dali, se esses jovens falassem que eu estive ali para a polícia, pouco me importava, eu já estaria longe. Resolvo contar a verdade, mesmo sabendo das consequências.
- eu me chamo Edward Rose, sou um detetive particular, estou tentando desvendar um crime. Suspeito de uma grande máfia criminosa, que também está a minha procura.
A medida que falo, ela fica boquiaberta, segurava a espingarda mais levemente, talvez sabia de alguma coisa e tinha medo, ou talvez era por conta de outra coisa, eu mesmo não sei, mas penso que acreditou em mim.
Me levanto.
- as pessoas que me importo podem estar mortas. Ainda não me pegaram, mas estão em meus rastros, estou falando a verdade, você e seus amigos estão em perigo, só quero protejer vocês, juro por Deus, precisa me deixar ir embora, nunca mais irá me ver ou falar de mim. Eu prometo.
Olhando em meus olhos, ela abaixa a arma, e abre a porta.
- siga o corredor até a porta.
Ela estava calma, pensava muito. Era ingênua, e se eu estivesse mentindo, conseguiria tomar a arma e matar a todos facilmente. Chego perto dela.
- não sei como conseguiu me salvar, mas obrigado, não esquecerei disso, Jenette.
Ela se impressiona, pois não havia comentado o nome em nenhum momento.
Sua última visão, foi de eu saindo rapidamente pela porta no final do corredor.
Corri sem olhar para trás.
Quando o caminho se tornou iluminado e movimentado, começei a andar normalmente.
Cheguei no centro da cidade.
7 de fevereiro de 1931, vi a data num letreiro brilhante, a noite era fria, nevava superficialmente, o que dava um clima natalino para aquele momento.
Estava na frente de um cinema, vestia uma camiseta cinza e calça marrom.
Infelizmente, meu sobretudo e minha parabellum haviam ficado para trás.
Estreava Karamazoff nos cinemas, e ao lado, no dia 14 de fevereiro, estrearia Drácula.
Ao fundo, uma música, não sabia de onde vinha, mas fiquei parado escutando a melodia, era uma das músicas preferidas de meu tio... isso foi há muito tempo.
Muito tempo.
Guy Lombardo cantava sua canção "By the river sainte Marie".
Fiquei imóvel ouvindo, e lembrando dos momentos com meu tio.
Sorri olhando para o céu, agradeci a Deus por ainda estár vivo. Depois que a música acabou, saí.
Precisava pensar, e rápido.
Fui para um bar, sentei, pedi um copo d'água. Nunca fui alguém apreciador de bebidas alcoólicas, meu único vício era o cigarro, que prometi deixar para os meus pais no passado.
Nunca parei.
Bebendo a água, senti pontadas na barriga, ainda doía. Mesmo assim, bebi a água com bastante apresso, pois eu estava com muita sede.
Pensava bastante no último olhar do homem do casaco esverdeado para mim, certamente eu teria pesadelos com isso.
A primeira pessoa que matei, isso pesava.
Tente esquecer de uma vida tirada por você mesmo, não consiguirá.
O corpo do próprio deveria boiar pelas correntesas do rio.
Eu não era mas um homem bom, eu era apenas um pecador, que ultrapassou seus limites e pagaria no inferno.
Eu era bastante religioso, minha família também. Sei que Deus não me perdoaria, essa culpa iria andar ao meu lado até o caixão.
Lembro desse momento até hoje, minha renovação, também me recordo de outra música ao fundo, no próprio bar, "As time goes by" cantada por Jacques Renard. O estabelecimento era quieto e pouco movimentado.
Sou um ótimo observador, principalmente quando se tratava de música, em relação a essa temática, eu era um especialista.
Pra um detetive solitário como eu, tive que me apegar a algo. Sempre tive um vasto conhecimento das sinfonias que rodavam o mundo, nunca compartilhei esse detalhe sobre mim para alguém, talvez contasse isso para Millisent algum dia.
Esse pensamento me trás de volta ao caso.
Millisent foi sequestrada, alimento essa probabilidade com esperança. Meu único caminho agora é Ander, que ainda não sei onde se encontra, mas acredito que ele é uma grande chave para o caso, preciso encontra-lo.
Por onde começo? Ander já trabalhou na polícia de acordo com ele mesmo.
Também já trabalhei na polícia, só me formei em outra área. Se Ander realmente já fez parte dessa congregação, ele sabe das regras básicas de autodefesa, e aparenta ser um homem esperto, não anda dando bandeira por aí.
Meu próximo passo é procurar por ele, assim como procurei por Millisent há alguns dias.
Saio do bar em instantes, não paguei a água. Não tinha dinheiro.
9 de fevereiro de 1931, consegui tapear um homem numa lanchonete e agora tenho 160 dólares. Sempre fui bom em dialogar e persuadir alguém, poderia me tornar um bom ladrão se eu quisesse. Por conta de meus valores morais, desconsiderava totalmente essa opção, também não me orgulho de tais qualidades.
Aluguei um apartamento em Aully City, em Detroit, cidade vizinha as ruas do município Melt.
Bairro pacato, tranquilo e de boas pessoas. Fiz a minha terceira viagem para Melt hoje cedo, conversei com duas pessoas que alegaram ver um homem alto, loiro, olhos castanhos e fisionomia forte, qualidades de Ander.
Não é tão difícil encontrar alguém que se esconde com inteligência, vá aos lugares certos e converse com as pessoas certas, e encontrará pistas, talvez pequenos rastros, mas sempre tenha paciência, isso é o essencial.
Depois de muitos interrogatórios e pesquisas pela cidade, cheguei a conclusão de que esse tal homem ia as compras duas vezes na semana, terça e sábado, momentos pouco movimentados.
Sei disso porquê sigo a mesma rotina, coisas que capanga nenhum saberia.
A primeira pessoa, uma senhora de cabelo grisalho, atendente de um mercado, alegou que todo sábado, o homem voltava, comprava alguns pães, sardinhas enlatadas e vinho.
A segunda pessoa, no mesmo mercado, era um jovem de 16 anos. Havia relatado, que o homem tirava brincadeiras com ele, toda vez que o via, foi o bastante para eu marcar aquele mercado.
Planejava a minha abordagem há uma semana, era hora de agir.
26 de fevereiro de 1931, sábado.
É noite, estou nos fundos do mercado, a espera de meu peixe, que havia fisgado há alguns dias.
Fiquei esperando um bom tempo, até que algo finalmente aconteceu.
Era dez e quinze da noite quando o homem entrou.
Me viu logo em seguida.
Fizemos contato visual por poucos segundos, ele me comprimentou com um gesto e saiu do mercado. Fiz a mesma coisa.
Ele me esperava do lado de fora em seu carro.
Entrei no automóvel instantaneamente e saímos com velocidade.
- você está bem?
Foi tudo que Ander disse para mim, era um homem calado, pelo menos era o que eu imaginava no começo.
- sim.
Respondi.
Horas depois chegamos em seu apartamento, entramos olhando para todos os lados, poderíamos estar sendo seguidos, não foi o caso.
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Edward Rose e o mistério da mulher da noite
Mystery / ThrillerEm 1931, um assassinato misterioso acontece no clarão da noite, presenciado por o detetive Edward Rose, que terá a responsabilidade de desvendar esse caso, e saberá futuramente, que na cidade existe mais trevas do que ele imaginava.