One - Único

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Ouvia-se por todo o corretor o bater de salto em azulejo, passos rítmicos e nervosos subiam as escadas em espiral, nunca pareceu que havia tantas escadas quando agora. Ela quis assim, queria subir as escadas e ter mais tempo, mesmo que fosse muitas ela não se cansou estava pensativa.

Nenhuma alma passou por ela, nem para desejar um bom dia, mas isso também era bom. Ninguém veria seus olhos molhados e vermelhos, ninguém veria sua tristeza e muito menos sua intenção.

Continuou a subir as escadas, dessa vez sentindo-se com pressa acelerou o passo, poderia correr se não tivesse escolhido uma bota com salto. Com medo de cair então continuou no mesmo ritmo, não era quebrando o pescoço em uma escada que ela queria morrer.

Os corretores vazios a sufocavam, as paredes pareciam estar a observando, ao mesmo tempo caçoavam dela, como se tivessem consciência. A cada andar a mais as paredes se fechavam ao seu redor, sufocando-a, pressionando-a.

A angústia só crescia em seu peito, a dor emocional espalhava-se por seu corpo fazendo a sucumbir aos pensamentos ruins. Queria se livrar disso, sabia como, só precisava chegar em casa.

A porta branca surgiu a sua frente com o número 22 acima, ironicamente havia uma linda placa pendurada na porta onde dizia ' Aqui mora uma família feliz' e um desenho de uma família sorridente ao lado, ela deve soltar um riso nervoso ao vê-la, era bastante patético.

Pegou a sua chave e girou a maçaneta com pressa, trancou a porta e jogou a mochila com raiva ao chão. Não havia ninguém na casa. Mesmo sendo dia, a casa encontrava-se escura e sombria, mais silenciosa do que os corretores.

A garota entrou apressadamente em seu quarto bagunçado, retirou as botas jogando-as em um canto qualquer e deitou-se na grande cama que ocupava metade do quarto. Ali deitada sentiu toda a tristeza eclodir em forma de lagrimas, colocou o braço sobre os olhos chorosos, deixando suas pulseiras encharcadas de lagrimas salgadas.

As lagrimas não paravam de sair e a dor em seu coração não passava. Ela queria fazer passar aquilo, aquela dor tão terrível, aquela dor que vinha do coração, que vinha das memórias que não saiam de sua cabeça. Julgava-se tão idiota, tão patética.

Ela conhecia uma forma de fazer passar, uma forma dolorosa, mas que sempre funcionava. Levantou-se da cama e foi até a sua escrivaninha, abriu a pequena gaveta de madeira e retirando vários papéis da frente revelou-se um canivete, pequeno e brilhante.

Sentou-se na cama retirando o conjunto de pulseiras, seu pulso era coberto de cicatrizes brancas em linhas retas. Respirando fundo ela passou a lamina na parte superior do braço, sentiu uma leve dor seguida de alivio de todas as dores da do corte e a emocional. Seu corpo estava de novo livre e calmo.

Deitou-se novamente na cama, ainda segurando o canivete ficou ali parada vendo o sangue escorrer para os lençóis da cama e manchando o de vermelho. O sangue continuou a escorrer, enquanto as lágrimas secavam em seu rosto.

Ela continuou ali deitada por meia hora, seu corpo estava cansado e sua cabeça também. Embora já não chorasse, embora se sentisse bem, as dúvidas e lembranças vinham a sua mente. O alivio era temporário ela faria aquilo outra vez, as varias cicatrizes brancas em seus braços e em suas pernas eram a prova.

Amanhã será um novo dia pensou aquela frase cheia de esperança não a animou, todos os dias pareciam tão iguais, tão sofridos que ela já não tinha certeza se valia a pena. Afinal, aquele mesmo pensamento passou por ela ontem, anteontem e na semana passada.

Tomou então uma decisão, ela já tinha tomado a várias vezes antes, só que nunca realmente colocou a em ação, mas a hora era agora e era perfeita.

Levantou-se novamente foi até o banheiro lavou o rosto e o ferimento, ao levantar o olhar deu uma última olhada em si mesma e pode ver não sua aparência, mas sua alma tristonha naqueles olhos castanhos escuros tão profundos e tão cansados.

Formulou o que tinha que fazer em sua mente, pegou uma caneta e rasgou uma pagina de seu caderno em dois pedaços, pensando no que escrever logo soube, escreveu rapidamente em letras legíveis e tremidas. Colocou o papel sobre a mesa com um porta-lápis a segura-lo no lugar.

Abrindo a janela sentiu uma fresca brisa sobrar em seu rosto, encheu seus pulmões com aquele ar fresco tão bom e deu uma olhada ao redor não havia ninguém a janela, a rua lá embaixo estava tão vazia como de costume. Olhou para o céu, as nuvens cobriam o sol e deixava tudo a uma sombra, o céu estava lindamente azul e as nuvens moviam-se com rapidez eram brancas e enxutas lembrando algodão, o sol vez uma aparição rápida e logo se escondeu novamente.

Após dar sua ultima olhada no céu, que nunca pareceu tão lindo. Colocou um pé descalço sobre o apoio da janela e depois outro, ficou alguns segundos segurando-se ao mesmo tempo em que olhava para o chão de concreto, sentiu medo e por um tempo esqueceu-se de porque estava fazendo isso, mas ao lembrar respirou fundo e pulou.

Ela ouviu um grito agudo de uma mulher soar, seu coração acelerou e sua respiração também. Sentia-se calma e gostou de sentir o vento, viu o chão se aproximar, mas não sentiu medo, não temeu a morte em nenhum momento, sentiu como se estivesse pousando como um pombo. Ao chegar ao chão não viu o concreto, viu um rosto que ela sentiria falta.

Foram 3 segundos e então a eternidade e a escuridão, no começo dor uma dor terrível, mas como os cortes logo veio o alívio, a calma, a liberdade. Era tão bom não haver amanhã nem dor ou preocupações. Ela estava boiando em águas brandas, o céu era feito de luzes dançarinas que explodiam em fogos de artifício, de cores que ela nunca viu.


Um homem de meia-idade, usando uma farta policial andava de um lado para outro da casa dando ordens aos outros, a casa estava lotada de policiais e legistas. Ele parou em frente a uma escrivaninha ao notar um pedaço de papel.

Inclinou-se sobre a mesa e sem tocar o papel leu em sussurros:

Nossa vida é uma contagem decrescente, um relógio em sentido anti-horário e no fim tudo que somos é um túmulo, uma mancha de sangue no asfalto, fotos de um álbum de família que ficara empoeirado em uma caixa, somos cadáveres se decompondo. Mesmo que eu esperasse mais, mesmo que eu quisesse mais tempo, minha vida seria ainda limitada. Então por que iria prolongá-la?

É cansativo chorar, é cansativo viver, é cansativo respirar. Por isso desiste, mas a culpa não é de ninguém especificamente, a culpa é do tempo e suas limitações, , é da humanidade que me deu assas e me prendeu em terra firme.

-Sofia Almeida em minhas últimas palavras.

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