Jornada

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Começo, Meio e Fim.

Pinturas sobre a pele, roupas de cerimônia, feitas de peles de caninos, longos brincos de penas. Um grande grupo de cinquenta filhotes; dez anos no máximo, imaturos, que esperam ansioso e trêmulos.

Todos estão alí ao redor, observando, julgando, esperando os outros filhotes - fêmeas entre tanto. Pequenas jovens da mesma idade e quantidade, pintadas e arrumadas, ossos e penugens pela vestimenta, colares de dentes, olhos brilhantes. Elas trazem algo nas mãos.

Frente a frente, meninos e meninas, lobos e lobas; filhotes. Esperam, calados, cabisbaixos. Uma depois da outra, andam até seu escolhido, com um par de talismãs de madeira e tiras de couro; entrega o outro para quem deseja, seu futuro amante, seu futuro campeão, seu próprio futuro. A cerimônia termina com a entrega do último talismã, dos últimos casados. Todo gritam e festejam.

A noite é banhada por contos e comemoração. Pais, mães e filhas - pois os filhos recém casados possuem outro destino; uma jornada. Partem da aldeia em direção às montanhas, aonde o sol nasce. Não levam nada além das roupas e o ornamento no pescoço. Será uma caminhada de dois meses, saindo da floresta, cruzando a savana, seguido dos pampas até o vale. Porém a jornada apenas começou para eles.

Anos se passarão, três mil seiscentos e cinquenta sóis, três mil seiscentas e cinquenta luas - dês anos. Os infantes lobos se tornam homens; alguns morrem, outros os comem, muitos sobrevivem se ajudando. Crias do mundo, retornam para casa, aonde o sol se põe, seguem o amuleto. Aqueles que perderam o objeto, nem se atrevem a voltar, fujindo - se forem fracos o suficiente - dando de comer há terra - se tiverem coragem o suficiente. Só os fortes serão aceitos.

Na alcatéia as lobas; mulheres - não mais crianças - esperam seus lobos, cada uma em uma tenda, segurando seus talismãs, chamando pelo seu pretendente, chamando seu amante - seu futuro. Do lado de fora, adentro da floresta, os homens da tribo se armam; arcos e flechas, porretes e espadas de ossos. Pretendentem matar qualquer jovem lobo que esteja voltando, nem que seja sua própria cria, seu próprio filho. Armadilhas espalhadas, sem remorso ou sentimentos, um mal necessário; somente os mais fortes.

Passar despercebido é a única maneira, o conhecimento adquirido nos dês anos serão colocados a prova; os predadores se tornam a presa - a noite é escura e a lua sangra. A floresta parece não ter fim, assim como os gritos. Os caçados correm e se esgueiram. Para muitos o ritmo é lento, não querem morrer, não querem decepcionar, não querem perder sua loba. Flechas voam, estacas encravam, tacapes esmagam, espadas cortam e redes capturam os lobos; que são imediatamente mortos sem qualquer cerimônia - deixe o sangue fluir. Os caçadores anceiam por sangue dos jovens, jovens esses que precisam se apresentar, ante que a lua seja ofuscada pela luz do sol - antes do tremor das cornetas.

São poucos que chegam, são poucos que vivem, são muitos que morrem. Ao passar pelo massacre, os amantes procuram a cabana de sua amante, seu talismã o guia, como um ímã ligado ao coração. Ao encontrar, os dois tem uma noite prazerosa, não igual as que ouvem o tormento - o rugir das cornetas - o indicandor a alvorada; o fim da jornada, o nascer do sol, o começo de um novo ciclo.

Para as que esperaram com a solidão - que viram o sol sozinhas - só resta o encontro com a morte.
Com seus totens, entram na floresta e procuram o corpo de seu escolhido, como um símbolo de fraqueza, arrastam e cavam a cova de seus amados - cova essa que também será a sua sepultura; derramando seu sangue com um punhal, cobrindo o lobo com seu corpo sem vida. A terra bebe e se deleita com o sangue.

Obrigado pelo tempo dedicado.

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