A NOITE DO CASAMENTO

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As luzes se apagam.
Em um segundo, tudo fica escuro. A banda para de tocar. Dentro da tenda, os convidados dão gritos estridentes e se agarram. A luz das velas nas mesas só aumenta a confusão, lançando sombras agitadas nas paredes de lona. É impossível ver onde estão as pessoas ou escutar o que dizem: além das vozes dos convidados, um vendaval começa a uivar.
Do lado de fora, há uma tempestade enfurecida, chiando por todo lado, açoitando a tenda. A cada golpe, a estrutura inteira arqueia e estremece com o rangido alto do metal; os convidados se encolhem, amedrontados. As abas da entrada se soltaram das
amarras e começam a se sacudir. As chamas das tochas que iluminam a entrada dão risadinhas debochadas. Parece pessoal, a tempestade. Como se tivesse guardado sua fúria para eles.
Não foi a primeira vez que a eletricidade falhou. Mas, na última, as luzes reacenderam em poucos minutos. Os convidados voltaram para suas danças, sua bebida, seus comprimidos, suas transas, sua comida, suas risadas... e se esqueceram de que
tinha acontecido.
Havia quanto tempo já estavam sem luz? No escuro é difícil saber. Alguns minutinhos? Quinze? Vinte?
Eles começam a ficar com medo.
Essa escuridão parece agourenta, intencional. Como se qualquer coisa pudesse acontecer por baixo do seu manto.
* * *
Finalmente, as lâmpadas piscam e se acendem. Gritos e aplausos dos convidados, agora com vergonha de como foram encontrados: agachados como se prontos para se defender de um ataque. Dão risada, desdenhando da situação. Quase
convencendo a si mesmos de que não estavam com medo. Nas três tendas contíguas, o cenário iluminado, que deveria ser de celebração, está mais para um terreno desolado. Na área do jantar principal, o piso laminado está borrifado com coágulos de vinho; uma mancha carmim se espalha pelo linho branco. Todas as superfícies estão entulhadas com garrafas de champanhe, testemunhas de uma noite de brindes e
comemorações. Um par de sandálias prateadas abandonado espreita por baixo de uma toalha de mesa. Os músicos irlandeses voltam a tocar na tenda de dança — uma cantiga animada para restaurar o clima de festa. Muitos convidados vão correndo para lá, ansiosos por algum tipo de
alívio. Com um olhar atento, é possível ver que no caminho um convidado pisou descalço em um caco de vidro e deixou pegadas de sangue, que já estão secando e ganhando uma cor de ferrugem. Ninguém percebe. Outros convidados passam e se juntam nos cantos da tenda principal, nebulosos como fumaça de cigarro. Relutam em ficar,
mas não querem pôr o pé para fora do santuário das tendas enquanto a tempestade ainda ruge. E ninguém pode deixar a ilha. Ainda não. Os barcos não podem atracar enquanto o vento não amainar.
No centro de tudo, está o enorme bolo. Ostentou a aparência perfeita e incólume diante de todos pela maior parte do dia, uma fileira de folhagens moldadas em açúcar reluzindo. Porém, apenas minutos antes de as luzes se apagarem, os convidados se reuniram em torno do bolo para assistir à cerimônia de sua evisceração. Agora parece que a massa fofa e vermelha escancara sua boca.
Então, chega um som diferente lá de fora. Quase pode ser confundido com o vento. Mas atinge altura e volume que não deixam nenhuma dúvida.
Os convidados ficam paralisados. Trocam olhares. De repente, voltam a ficar com medo. Mais ainda do que quando as luzes se apagaram. Todos sabem o que estão ouvindo. Um grito de pavor.

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⏰ Última atualização: Jun 30, 2022 ⏰

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