— Ir para o Texas!
— Foi o que eu disse.
— Mas papai — Angie protestou, horrorizada —, o senhor não pode querer que eu me case com um homem que nunca vi, mais velho que o senhor e que, ainda por cima, mora no Texas!
— Estou fazendo isso para o seu bem — declarou Jeremiah Webster com toda a frieza. — Você devia sentir‐se grata por um homem tão rico e religioso como Barrett McClain estar
disposto a aceitá‐la como esposa.
Apertando as mãos no colo, Angie viu o pai levantar‐se da cadeira de balanço e caminhar para junto da lareira, onde o fogo crepitava alegremente.
— Foi só por amor a Deus e pela amizade que tem por mim que Barrett concordou com esse casamento — ele continuou, com um sorriso de satisfação. — Com a educação que lhe dei, você será uma boa esposa para o meu amigo. É a vontade de Deus, Angie. Estou às portas da morte e tenho rezado muito pela sua segurança, depois que eu partir. A carta que Barrett me enviou, aceitando casar‐se com você, foi uma resposta dos céus.
Angie não conteve uma careta, apesar de raramente se opor ou questionar as ordens do pai. Tempos atrás, as surras freqüentes, ministradas por Jeremiah Webster, tinham‐na deixado quase sem vontade própria. Desde a infância, aprendera que era muito mais fácil concordar com tudo que ele dissesse. Discordar, como ela descobrira pelo método mais doloroso, sempre desencadeava um castigo rápido e severo. Angie não odiava o pai, pois sabia que, apesar de tudo, ele a amava.
Até entendia por que ele a fazia pagar pelos pecados da mãe. O retrato amarelado que vira dela mostrava que ambas tinham a mesma compleição clara, cabelos de um loiro quase branco e feições parecidíssimas. O próprio pai lhe dissera que seus olhos eram tão verdes e brilhantes quanto os da mãe, acrescentando, com desgosto, que a esposa os usara para flertar, bajular e mandar as almas de muitos homens diretamente para o inferno.
Deste dia em diante, Angie tivera o cuidado de sempre conservar os olhos baixos, jamais flertando com os rapazes que dela se aproximavam, Além de não desejar mandar a alma deles para o diabo, não queria que o pai a acusasse de um gesto tão horrível. Angie crescera sob a vigilância severa do pai e aprendera a aceitar a vida sem queixas. Muitas vezes sentia curiosidade pelas coisas que não tinha, mas jamais demonstrava. Aos dezoito anos, quase se envergonhava de seu corpo sinuoso, de mulher feita, e não fazia idéia do que os rapazes da cidade viam nela. Mas não podia3 deixar de notar que, aos domingos, na igreja, eles tinham dificuldade de tirar os olhos de seus seios e dos longos cabelos loiros.
Há muito tempo Angie desistira de pedir roupas novas ao pai, conformando‐ se com as de segunda mão, que lhe davam algumas senhoras da cidade. Às vezes, aparecia na igreja usando vestidos soltos, sem forma, tão grandes que pareciam a ponto de escorregar de seus ombros delicados. Mas os piores eram os pequenos e apertados, que tanto revelavam de seu corpo. Jeremiah Webster, no entanto, jamais parecia notar nada, e ela escondia seu desespero, suportando tudo com a cabeça erguida e o coração pesado de infelicidade. Angie não se lembrava da mãe, que a abandonara quando ainda era criança. Desde essa época, ficara apenas sob os cuidados do pai, um homem extremamente religioso.
Aceitando a solidão como parte de seu destino nesta vida, ela cuidava da casa e o ouvia documente, hora após hora, enquanto ele lia em voz alta, sem se cansar, a bíblia da família. A idéia de outras moças de sua idade freqüentar bailes e passeando de carruagem pelas ruas de Nova Orleans jamais ocorrera a Angie. Ela sabia que, no seu caso, tais coisas estavam fora de cogitação. Além do mais, não acreditava que um rapaz pudesse ter interesse em visitá‐la. A fama de Jeremiah Webster, de educador severo e homem da bíblia, já se espalharam pela cidade, e embora muitos rapazes se entusiasmassem ao vê‐la, nenhum tinha coragem de pedir permissão para cortejá‐la.
Quando Angie se tornara mocinha, um garoto mais audacioso cometera o erro de tomá‐la pela mão, depois do serviço religioso de domingo à noite, a levá‐la para trás da igreja. Sussurrando que ia beijá‐la, ele já se inclinava para frente, quando fora empurrado para o lado, com toda a violência. Reconhecendo Jeremiah Webster, o garoto nada dissera, fugindo o mais depressa possível. Angie não tivera tanta sorte. Acusando‐a de se comportar como uma prostituta, o pai a arrastara para casa, onde a punira duramente por seus pecados. A notícia do incidente logo se espalhara, pondo fim à vida social de Angie. Com o passar do tempo, Angie aprendera a sufocar seus sonhos de um dia ter roupas bonitas, freqüentar festas e ser beijada ao luar. Ouvira, muitas vezes, que tais coisas eram pecado, e sabia que suas chances de experimentar esses prazeres eram muito remotas. Assim, aceitara o fato de que estava destinada a cuidar do pai, saindo apenas para ir à igreja.
Mesmo nessas ocasiões, não tinha contato com os outros jovens. Explicando que ouvira as moças da cidade rir e cochichar durante o serviço religioso, o pai a proibira de sentar‐se junto delas, levando‐a com ele para os bancos centrais. Acostumado a ser documente obedecido pela filha, Jeremiah Webster não pôde deixar de se admirar ao vê‐la questionar sua decisão de casá‐la com o melhor amigo que já tivera. Sentiu‐se desapontado quando ela o acusou de não considerar4 seus sentimentos, pois só queria lhe dar segurança. E não conteve uma sensação de choque, quando ela se levantou e aproximou‐se dele, numa atitude de desafio, fitando‐o com firmeza.
— Eu tenho feito o possível para ser uma filha respeitadora, papai, mas desta vez o senhor está me pedindo demais. Não vou me casar com esse homem velho, totalmente estranho, que o senhor escolheu para mim. Não é possível que o senhor pretenda me obrigar a fazer uma coisa que não quero!
— Você vai fazer exatamente o que eu lhe disser — Jeremiah gritou, vermelho de raiva. — Minha paciência com você chegou ao fim, mocinha! Estou às portas da morte e mereço alguma paz. Foi por minha causa que você nasceu, e é meu dever providenciar para que tenha uma vida digna. Não posso ir para o túmulo, sabendo que poderá terminar como... como a sua... Não vou deixar que se perca, depois de tantos anos de uma educação cuidadosa. Entendeu bem, Angie? Não vou permitir que acabe como a sua mãe!
— Por que o senhor tem tanta certeza de que vou me perder? — Colocando as mãos na cintura, Angie aproximou‐se mais do pai. — Não posso levar a culpa pelo que minha mãe foi. Além disso, eu sou sua filha, papai. Não sou uma pecadora nem tenho a intenção de me perder. Deve haver outra solução para mim, que não seja me casar com esse velho. Posso me empregar numa casa de família ou então... Eu sou inteligente, papai, talvez até consiga um lugar de preceptora...
— De jeito nenhum! Você vai se casar com Barrett McClain, o mais cedo possível! Partiremos dentro de uma semana, por isso é melhor começar a empacotar suas coisas. Antes que ocupe o lugar que é meu por direito, lá em cima, você já será a Sra. Barrett McClain. Agora, saia daqui. Você me cansou, e eu quero descansar.
Muito pálido Jeremiah deixou‐se cair sobre a cadeira de balanço e fechou os olhos. Como já fizera tantas vezes antes, Angie censurou‐se por aborrecer o pai, um homem tão doente e bem‐intencionado.
Ansiosa, como sempre, para agradá‐lo, aproximou‐se timidamente e, ajoeihando‐se junto dele, murmurou: — Desculpe, papai. Eu não queria aborrecer o senhor. Sou mesmo uma filha ingrata e egoísta. Perdoe‐me. — Prendendo a respiração, ela colocou uma das mãos sobre a do pai, afagando‐a com ternura. — O senhor é que sabe o que é melhor para mim. Vou tentar ser uma boa esposa para o seu amigo, o sr. McClain.
Com um suspiro, o pai abriu os olhos sem vida e fitou‐a. — É em você que estou pensando, Angie.
— Eu sei, papai. — Angie sorriu para ele. — E lhe agradeço por arrumar esse casamento. Espero merecer toda a bondade do Sr. McClain. Jeremiah puxou a mão que ela afagava.
— Já é tarde e estou cansado.Antes que ele conseguisse se levantar, Angie já estava de pé, procurando ajudá‐lo.
— O senhor precisa descansar, papai. Vou levá‐lo até seu quarto. Vagarosamente, eles percorreram o corredor estreito, em direção ao quarto nos fundos da casa. Esforçando‐se para suportar o peso do pai, Angie abriu a porta empenada e conduziu‐o até a cama, onde esperou que ele se ajeitasse para tirar‐lhe os sapatos.
— Precisa de mais alguma coisa, papai? Quer que eu vá buscar um copo de leite, leia alguma coisa ou...
— Eu só quero dormir. Nada de ʺboa noiteʺ, ʺobrigadoʺ, ou ʺeu amo você, Angieʺ. Mas, enfim, isso nunca existira.
— Boa noite, papai. Angie fechou a porta do quarto atrás de si e foi para a cozinha. Depois de tirar a mesa do jantar, lavou os pratos, secou‐os e guardou‐os no armário. Também varreu o chão e ajeitou as cadeiras em volta da mesa, antes de se dar por satisfeita e procurar seu quarto, junto ao do pai.
Os últimos raios do sol de abril iluminavam o aposento, através da janela aberta. A esfera vermelha já sumira no horizonte, mas ainda se refletia nas nuvens baixas, pintando‐as em tons de rosa e escarlate. Angie apertou os braços em torno do corpo e respirou fundo, cheia de admiração pela natureza que enchia seu mundo de tanta beleza. Uma beleza tão grande, que chegava a doer. Durante um longo tempo ela continuou onde estava absolutamente imóvel, sem querer perder um segundo do maravilhoso espetáculo. Só quando os ruídos da noite se espalharam pelo ar e os últimos traços de cor sumiram no horizonte, começou a se preparar para dormir. Não estava com sono e teria preferido sentar‐se na varanda da frente, aproveitando o ar fresco do anoitecer. Mas seu pai inúmeras vezes a alertara contra um passatempo tão tolo, dizendo que não ficava bem uma moça sentar‐se do lado de fora de sua casa, sozinha, à vista de todos que passavam como se estivesse anunciando alguma coisa.
Mesmo não concordando com isso, Angie evitava a varanda, só indo até lá quando ele se sentia bem o suficiente para acompanhá‐la. Jeremiah Webster também considerava um desperdício intolerável usar os lampiões a óleo para outra coisa que não fosse ler a Bíblia. Assim, Angie não tinha muita escolha, a não ser ir para a cama. Dependurando o vestido limpo, mas surrado, num prego atrás da porta, ela fechou as cortinas da janela e terminou de se despir. Uma anágua e calções de musselina, já bastante gastos, eram suas únicas roupasíntimas. Sendo esbelta por natureza, ela não precisava de espartilho, mas teria sido gostoso possuir uma camisola de renda ou uma combinação. No entanto, como dizer ao pai que estava se tornando uma mulher e precisava de roupas de baixo mais apropriadas a sua idade? Angie simplesmente não podia. E as boas senhoras da igreja, que lhe davam todas as roupas que vestia, nunca tinham pensado em fornecer‐lhe roupas de baixo. O mesmo acontecia com as camisolas. Ela não tinha nenhuma. Por isso, ia para a cama todas as noites tão nua quanto nascera. Sabia que estava cometendo um pecado horrível ao dormir assim, mas não tinha outra escolha. Com o vestido dependurado atrás da porta, e os calções e a anágua esticados sobre uma cadeira, Angie levantou as cobertas e ajoelhou‐se debaixo delas. Juntando as mãos sob o queixo, fechou os olhos e recitou suas orações, com a esperança de que o bom Deus a atendesse, embora estivesse vergonhosamente nua. — Meu Deus, ajude‐me a melhorar para não desapontar mais papai. Dê‐me forças para enfrentar o que vier e... Se for possível, livre‐me desse casamento com um estranho. — Ela fez uma pequena pausa, depois terminou, depressa: — Perdoe meus pecados e abençoe meu pai. Em nome de Jesus, amém. Angie tornou a abrir as cortinas, antes de se deitar. A brisa primaveril agitou a renda gasta, dando‐lhe vontade de empurrar o lençol de cima para os pés da cama. Em vez disso, no entanto, puxou‐o até o queixo, protegendo‐se da leve brisa, que poderia brincar pecaminosamente, com seu corpo. Muitas noites, mal adormecia, Angie começava a sonhar. Nesses sonhos, sempre estava um homem que nunca vira e que se sentava a seu lado, com o rosto bonito inclinado para o seu e os olhos cheios de amor. E ele a acariciava, os dedos deslizando intimamente, devagar e com ternura, por todo o seu corpo. Começava nos ombros, descendo pelos seios e passando pela cintura, enquanto ela tentava aproximar‐se ainda mais dele. O homem sorria o tempo todo, sem tirar os olhos dos seus, escorregando os dedos firmes por sua cintura, chegando ao ventre e descendo cada vez mais... Nesse ponto, Angie sempre acordava com um sobressalto, sentindo‐se culpada por ter uma mente tão pecaminosa, a ponto de só lhe proporcionar sonhos depravados. Naquela noite, no entanto, Angie ficou acordada muito tempo, pensando no que a esperava. Sentia‐se muito desanimada. Desanimada e com medo do futuro. Jovem e ingênua, ela encarava a idéia de se casar com terror. A
Aos dezoito anos, nunca fora cortejada, nunca se sentara de mãos dadas numa varanda, nunca fora beijada no banco de trás de um buggy, e nunca participara de conversas juvenis com outras garotas, sobre o que acontecia na noite de núpcias. No entanto, dentro de alguns meses seria a esposa de um homem dez anos mais velho que seu pai. Barrett McClain tinha exatamente cinqüenta e oito anos.Pessoas tão velhas ainda... Seria possível que ele esperasse dormir com ela? Com certeza, não. Seu pai jamais a entregaria a um homem assim. Barrett McClain era um devoto, temente a Deus, como seu pai. O sr. McClain ia se casar com ela só para que tivesse ura lar, depois da morte do pai. Sem dúvida era um homem bom, que não pretendia exercer seus direitos de marido. Era bobagem se preocupar com isso. Angie relaxou um pouquinho. Sua vida com Barrett McClain não seria muito diferente daquela que levava com o pai. Na certa ele esperava que mantivesse a casa limpa, cuidasse das roupas dele, preparasse as refeições e o acompanhasse à igreja. Com o tempo talvez até aprendesse a gostar do Sr. McClain, o que muito ajudaria a preencher o vazio que a morte do pai, com toda certeza, deixaria em sua vida. Lágrimas inundaram os olhos verdes de Angie. Pobre papai! Pobre, pobre papai! Que garota egoísta e de coração duro era ela, deitada ali, pensando apenas em si mesma, quando ele estava às portas da morte. Pobre papai!Gostando da história? Comenta aí..
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Anjo Maldito
RomanceAngie foi prometida em casamento ao pai, um homem muito mais velho que prometera um casamento sem sexo, embora desejasse e queria mais, muito mais.... Mas ela foi seduzida por o filho, um conquistador irresistível, o mais ousado dos homens... E num...