Barrett McClain sentiu o sangue subir‐lhe ao rosto ao ver o filho junto à cadeira de Emily, com um sorriso zombeteiro nos lábios Pecos sempre aparecia quando menos era esperado... Ou menos desejado. Torcendo para que aquela visita fora de hora fosse curta, Barrett forçou um sorriso e disse com voz calma: — Que bom ver você, filho! Eu não sabia que estava em Marfa. Pecos deixou‐ se cair na cadeira ao lado da tia, piscando para ela, com ar bem‐humorado. — Na verdade, eu estava no México. — Ele fixou os sorridentes olhos cinzentos no pai. — Mas fui tomado por um estranho pressentimento. Algo me disse que eu deveria voltar imediatamente a Tierra dei Sol, e foi o que fiz. Aconteceu alguma coisa? Foram as suas orações que eu ouvi pai? O senhor estava rezando para que eu voltasse? Pecos riu, sem tirar os olhos do pai. Barrett McClain não achou graça. — Não acha que é um pouco cedo para piadas? Não sei o que veio fazer aqui, mas... — Ora, papai! Não ficou contente em me ver? Pensei que o senhor... — Chega, Pecos — Barrett exclamou, irritado com a zombaria ~ do filho. — Não sei que motivo você tem para viver me provocando! — Calma, Barrett — intercedeu Emily. — O rapaz passou semanas fora daqui. Não dá para você... — Não tem importância, tia Em. Ao que parece, cheguei em má hora. — Pecos sorriu para a tia, antes de voltar a fitar o pai. — Posso saber por que o senhor não me quer em casa agora? Barrett ignorou a pergunta. — Por quanto tempo pretende ficar, Pecos? Semicerrando os olhos, Pecos serviu‐se de uma xícara de café. — Se o senhor me disser por que não me quer aqui, talvez eu lhe diga quando vou embora. Sem conseguir se controlar, Barrett deu um murro no braço da cadeira em que se achava. — Se você ficar para sempre ou for embora agora, para mim não faz a menor diferença! Mas vou lhe dizer uma coisa, e uma vez só: não quero ouvir uma palavra sua contra a minha decisão! Dentro de alguns dias teremos hóspedes em Tierra deiSol. Jeremiah Webster, meu velho amigo, está doente e às portas da morte. Ele e a filha vêm para cá. Depois da morte do pai, a filha continuará conosco. — Como assim? Essa mulher vai trabalhar aqui? Ou vai ficar como hóspede permanente? Uma filha para você e uma irmã para mim? É isso? — Ela ficará como minha esposa — explodiu Barrett, zangado com o filho, por fazê‐lo sentir‐se tolo e culpado. Pecos virou‐se para a tia. O rosto dela, muito pálido, tinha uma expressão preocupada. — Pecos, meu querido... — começou Emily, com medo do que ele pudesse dizer ou fazer. Mas ele sorriu, recostando‐se na cadeira. E, como sempre, fazendo o que menos se esperava dele, comentou num tom pensativo: — Uma mamãe nova em folha. Que maravilha! Espero que ela me conte histórias e me embale na hora de dormir, quando eu me sentir inquieto. — Você tem que zombar de tudo? — indagou Barrett, furioso. — Eu lhe comunico que pretendo me casar de novo e você faz piadas? Não tem nada de peso a me dizer? Num tom ainda baixo e calmo, Pecos interrompeu o pai. — Faria diferença, se eu tivesse? O senhor nunca pediu a minha opinião em nada. Agora, faça o que achar melhor. Case‐se com uma mulher que nunca viu. Para mim, não faz a menor diferença. — Levantando‐se, ele beijou a tia e murmurou: — Vou cumprimentar Reno, depois vou me lavar e dormir um pouco. Quer almoçar comigo, quando eu acordar? — Com prazer, querido. Fitando novamente o pai, Pecos perguntou: — Quando é que a tímida noiva e seu orgulhoso papai vão chegar? — Daqui a algumas semanas — contou Barreti, fazendo o possível para não perder a compostura. — Até lá, você já terá se cansado da Tierra dei Sol e ido embora. — Hum... — O rapaz cocou distraidamente a barba por fazer e sorriu. — Passei tanto tempo fora de casa, ultimamente, que talvez resolva ficar e conhecer minha nova mamãe. Com um riso zombeteiro, ele girou nos calcanhares e se afastou seguido pelo olhar fulminante do pai. Reno Sanchez virou‐se na cama estreita, tentando se levantar. Seus olhos escuros abriram‐se por um instante, mas logo se fecharam. Um dos braçosescorregou para fora da cama, enquanto roncos suaves escapavam de sua boca entreaberta. — Reno, seu vagabundo, abra a porta! — uma voz de homem ribombou, quebrando o silêncio do pequeno quarto. Os olhos escuros abriram‐se novamente. Reno passou a língua pelos lábios, esfregou os olhos e levantou a cabeça, ainda sonolento. — Vá para o diabo, seu gringo de boca mole! — gritou em resposta, pensando que era um dos vaqueiros da fazenda. — Se eu tiver que... Mas interrompeu‐se bruscamente, quando a porta abriu‐se com estrondo e o intruso entrou, sorrindo. — Levante‐se, dorminhoco! — Pecos exclamou, arrancando os lençóis da cama. Rindo também, Reno levantou‐se de um salto e agarrou a calça, que estava sobre um banquinho. — Pecos, seu filho da mãe! Quando foi que chegou? Já vestido, Reno abraçou o amigo. — Agora mesmo. Mas que droga, Reno! Sua gente não consegue fazer nada, porque está sempre se abraçando. Tire essas mãos de mim! Sem se ofender, Reno sorriu com afeto para o homem que mais admirava, o dente de ouro faiscando à luz da manhã. — Que coisa, Pecos! Eu estou feliz por vê‐lo. — Ele tornou a abraçar o amigo, que desta vez agüentou firme, mas não escondeu o alívio, ao ser solto. — Quer uma xícara de café? — Você não tem Bourbon Pecos correu os olhos pelo quarto de adobe, que há anos era o lar de Reno. Reno nascera em Tierra dei Sol, cinco anos antes de Pecos. Filho de um vaqueiro e uma das criadas da casa ficara órfão aos catorze anos de idade. Seu pai, um homem de sangue quente, envolvera‐se com uma das ajudantes da cozinheira da fazenda e cometera o erro de satisfazer sua paixão numa noite em que achava que a esposa e o filho dormiam. Mas ela estava acordada e seguira até o celeiro, onde o vira com a outra. Tomada pelo ciúme, Connie Sanchez pegara o punhal, que sempre levava consigo, e o enterrara nas costas do marido. Mas se arrependera de imediato e, gritando mais alto que a garota apavoradaʹ que tentava se levantar, jogara‐se sobre o marido, implorando‐lhe que falasse com ela. Raul Sanchez, no entanto, estava morto. Com as lágrimas escorrendo pelo rosto, Connie arrancara o punhal das costasdele. Enquanto a outra ainda gritava, deitara‐se ao lado do marido morto e, com uma punhalada certeira no coração, tirara a própria vida. Reno Sanchez acordara com os gritos. Já sabendo o que havia acontecido, vestira‐se o mais depressa possível e correra para o celeiro. Fora o primeiro a chegar. Ajoelhando‐se junto aos pais, tentou ouvir seus batimentos cardíacos. Não havia nenhum. De olhos secos, levantou‐se e cobriu‐os com uma das cobertas dos cavalos. — Dios tenha piedade de suas almas — murmurou, fazendo o sinal da cruz. Depois disso deixou o celeiro, não mais um garoto. E à luz da lua, prometeu a si mesmo jamais quebrar os votos sagrados do matrimônio. Também não permitiria que o desejo físico arruinasse sua vida ou a de outro ser humano. Reno cumpriu sua promessa. Apesar de ser um homem amoroso e de sangue quente, jamais perdeu o controle de suas emoções. Casou‐se uma vez e foi fiel à esposa. Desde que enviuvou não se apaixonou por outra mulher. Provavelmente jamais se apaixonaria, pois tivera a melhor e não queria outra. Pecos estavam com nove anos, na época em que Reno perdeu os pais. Querendo ouvir todos os detalhes da tragédia, foi à cabana dos Sanchez, alguns dias depois do duplo funeral. Quando Reno não lhe deu nenhuma informação espontânea, Pecos não hesitou em fazer‐lhe perguntas diretas, pois, afinal, o mexicano não passava de um empregado da fazenda. — O que foi que houve, mexicano? — indagou. — Seu pai estava pulando a cerca com a ajudante da cozinheira? Com um olhar feroz, Reno jogou‐se sobre Pecos, agarrando‐o pelo colarinho. — Seu garotinho estúpido e mimado! Nunca mais fale assim comigo. Meus pais estão mortos. Como eles morreram, não impor‐; ta. Eu amava os dois e vou arrancar‐lhe a cabeça, se ouvir você j falando deles assim novamente. Agora, dê o fora daqui! Esta éj a minha casa. Pecos, assustado, obedeceu sem hesitar. Mas viu as lágrimas no rosto orgulhoso de Reno Sanchez. Nesse dia, decidiu ser amigo dele. Levou algum tempo andando atrás do garoto mais velho e, no fim, disse‐lhe, com franqueza, que gostaria de ser seu amigo. Reno não o gostaria disso? Reno riu, então, despenteando o garoto mais novo. — Si, Pecos — assegurou. — Podemos ser amigos para sempre, desde que você não se esqueça de que não ligo a mínima para f o fato de o seu sobrenome ser McClain. Está bem assim? — Si, Reno. — Pecos sorriu para ele. — E por que você haveria de ligar? Depois daquele verão, dezoito anos atrás, Pecos McClain e Reno Sanchez tornaram‐se tão unidos quanto dois irmãos. Passavam a maior parte de seu tempolivrem juntos, cavalgando, caçando, nadando e deitados sob a luz das estrelas, sonhando com um futuro cheio de viagens e aventuras. Quando Barrett McClain o censurava por isso, Pecos dizia‐lhe não ligar a mínima para o fato de o sobrenome de Reno ser Sanchez. Nessas ocasiões, ele era invariavelmente castigado com surras severas, por sua linguagem e desrespeito. Mas de nada adiantava, pois Pecos decidira ser como seu amigo Reno: ele mesmo selecionaria as pessoas com quem desejava passar seu tempo e não mudaria de opinião, por mais que o pai o surrasse. Sentando‐se à cavaleiro numa das cadeiras do velho amigo, Pecos observou‐o servir o café. Acrescentando uma dose de Bourbon a sua xícara, tomou um gole e sorriu. — Você devia ter ido comigo nesta viagem, Reno. Não vai acreditar, mas encontrei a mulher dos meus sonhos, em Paso. Paso dei Norte, na fronteira entre o Texas e o México, era um lugar excitante, onde rapazes aventureiros podiam encontrar, com facilidade, os prazeres que queriam. Todos os salões, restaurantes e casas de jogos da cidade ficavam abertos vinte e quatro horas por dia, a semana inteira. Lá, era fácil saciar todos os desejos e provar até mesmo os frutos mais proibidos. Pecos McClain era um de seus freqüentadores mais conhecidos, sendo respeitado e temido por jogadores e visitantes, além de muito procurado pelos dois tipos de mulher que existiam na cidade. — Como é essa sua garota? — Reno perguntou ansioso para ouvir as histórias do amigo. — Mas, antes de qualquer coisa, me dê um cigarro. — Que droga, Reno! Você nunca compra cigarros? — Apesar da aspereza na voz, Pecos sorria. Tirando o maço do bolso, ele o jogou sobre a mesa, recostando‐se melhor na cadeira. — Encontrei essa garota na minha última noite lá. Eu tinha dormido a tarde inteira e resolvi tomar um banho e procurar companhia feminina. — Ah, síl Aposto que você... — Vai me deixar contar ou não? — Claro. Desculpe ter‐lhe interrompido. — Ótimo! Depois de um banho, eu me vesti e fui para a praça, procurando um lugar para ir. Foi quando me vi diante do Hurri‐cane Gussieʹs. Eu tinha ouvido dizer que a cantora de lá era linda, loira, com uma pele que parecia porcelana e um corpo de tirar o fôlego de qualquer um. Pecos interrompeu‐se, esfregando os cansados olhos cinzentos. Reno esperou que ele continuasse o que logo aconteceu. — Mesmo achando que aquilo tudo era exagero, resolvi entrar. No bar, pedi uma garrafa de uísque e me encostei no balcão. Exatamente quando eu estava meservindo, o pianista começou a tocar, as cortinas de veludo vermelho se abriram e uma mulher surgiu no palco. Todos começaram a gritar ʺAngel, Angelʺ, enquanto eu a fitava de boca aberta, como um bobo. Ela era linda, Reno! E o nome, ʺanjoʺ, parecia feito de encomenda para ela. — O que aconteceu, então? Essa Angel também gostou de você? — Gostou. Os olhos dela, verdes como esmeraldas, percorreram o salão e foram parar em mim. O tempo todo, ela cantou com os olhos nos meus. E só canções de amor! Quando terminou, foi ao meu encontro, e nós procuramos uma mesa discreta. Pedimos champanhe, para acompanhar a refeição, e Angel me fez muitas promessas, entre beijos deliciosos. Completamente fascinado, sugeri que subíssemos, e ela concordou. Abraçados, meio ʺaltosʺ e excitados, começamos a subir a escadaria. Estávamos no meio, j quando um inglês louco atravessou o salão correndo, com um revólver na mão. Ele gritava que Angel lhe pertencia e que ninguém mais a tocaria, além dele, — Diosl — Reno exclamou, impressionado. — Eu empurrei Angel para um lugar seguro e procurei meu revólver. Mas antes que eu pudesse tirá‐lo do coldre, o inglês já tinha apertado o gatilho. — Pecos meneou a cabeça. — Sabe onde ele mirou? No meio das minhas pernas! — Uau! E ele... — Não, eu ainda sou um homem. Graças a Deus, o sujeito ti‐ʹ nha péssima pontaria. A bala passou por mim e foi se enterrar no corrimão da escada. Reno sorriu, fitando o amigo com admiração. — Você é mesmo um sujeito de sorte, Pecos! — Não tanto quanto você pensa. O maldito xerife ouviu o tiro e veio correndo, com um rifle de carga dupla. Ele nos meteu na cadeia, sem fazer uma pergunta sequer, e, em vez de passar a noite na cama de Angel, passei‐a atrás das grades. — Rindo, Pecos inclinou‐se para a frente e apoiou os cotovelos sobre a mesa. — Na manhã seguinte, tive de pagar vinte e cinco dólares de fiança para sair. — Ainda rindo, ele se levantou. — Eu vou dormir um pouco, meu velho. Só passei por aqui, para cumprimentar você. O que acha de sairmos esta noite e irmos a Marfa? Levantando‐se, Reno acompanhou Pecos até a porta. — 5/ʹ. Podemos visitar Georgina e Lupe. Lupe tem sentido a sua falta, Pecos. — Vamos ver. Lupe é bonita, mas não é Angel. Por Deus, Reno, se aquela mulher não fosse uma prostituta, eu me casaria com ela! — Está brincando, não é? — Não estou, não. — Pecos sorriu, levando a mão ao ombro do amigo. — Já soube da novidade? Meu pai resolveu se casar de novo.Eu ouvi dizer. Não é uma boa coisa para você, é? — Nem tanto. Você sabe como o meu velho é pão‐duro. — Pecos fitou a casa da fazenda, depois sorriu com indolência. — Essa fulana na certa é uma solteirona magra e seca, sem o menor charme. Acho que para tirar um centavo que fosse do meu pai, uma mulher teria de ter a beleza da minha Angel.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Anjo Maldito
RomanceAngie foi prometida em casamento ao pai, um homem muito mais velho que prometera um casamento sem sexo, embora desejasse e queria mais, muito mais.... Mas ela foi seduzida por o filho, um conquistador irresistível, o mais ousado dos homens... E num...